quarta-feira, 13 de março de 2013




EM UMA CLÍNICA DE RECUPERAÇÃO


Nunca tenho certeza de que o que ouvi pertence a uma fonte específica, sempre confundi para pavor dos literatos Machados e Alencares. Só que desta vez tenho quase certeza de que foi o Kundera quem disse que o círculo é especial, pois nele sempre podemos inserir mais um como uma roda de ciranda.

Talvez, por isto tive finalmente a coragem de me inserir neste espaço onde outros viciados se encontram, e aqui dizer meu nome e assumir o quanto, não menos, o sou.

Meu vício é terrível e ao mesmo tempo magnífico, ele muda meu estado mental e me isola totalmente do mundo. Dosagens mais pesadas cada vez mais me levam a dimensões que eu pensava, não poderiam existir.

Como qualquer vício começou inocentemente, com algo socialmente aceito, era colorido e nele pude ver um menino com a língua presa e outro que temia água, as meninas por outro lado eram representadas por uma força descomunal e outra comilona. Com eles havia uma sensação de estar no topo do mundo. Humor leve, só que nele havia algo adictivamente poderoso chamado metáfora.

Quem me introduziu ao próximo passo foi uma amiga de minha mãe, e pasmem: ela guardava tudo aquilo em uma estante à vista de todos: aqui conheci um menino esperto, uma garota com nariz arrebitado, uma boneca de pano e um sábio de milho. Aqui tudo piora incrivelmente, pois tive o primeiro contato com algo trágico: um monstro com cabeça de touro e o maior de todos os heróis.

Na adolescência fui levado ao espaço e a futuros alternativos por Clarke e Asimov, em alucinantes jornadas pelas estrelas. Aqui já podia ser dado como perdido. Só que ainda piora, pois um tal de Huxley me levou ao céu e ao inferno, e um admirável mundo novo, através de algo que vou nominar com o perdão dos ouvidos mais sensíveis, a mais poderosa droga: filosofia.

Era como se eu tivesse entrado no Mundo de Sofia, algo como as aventuras de Alice. A euforia era tanta...

Depois me senti traído nos olhos de ressaca de Capitu, fui escravo com negras raízes e me perdi em mosteiro com o nome de uma rosa. Vi outro mosteiro ser construído pedra após pedra. Vivi a ascensão e queda do rei mítico da Inglaterra e do imperador tupiniquim de carne e osso.
Uma rosa se mostrou única no mundo de um príncipe que vivia em um pequenino planeta... Quem sabe ele não voou nas asas de uma gaivota que buscava a perfeição?

Tantas outras almas se perdem entre aqueles que me levaram como por encanto, onde ouvi um canto da mulher que procura espaço para o desenho da vida, o portuga que diz que toda a dose vale a pena se a ampola não for pequena, em um delírio infinito enquanto durou. Por fim acordei com dor de cabeça em uma estação com o Pedro pedreiro (que amava toda quadrilha) esperando o trem.

Delírios me levaram a uma fase mística na busca de uma estrela seguida por três reis, e de um incrível homem que liderou um povo escravo na travessia dos desertos da fé. Outros também falavam de um Deus despedaçado em uma terra inóspita, renovada pelo rio que a atravessa. Há ainda aquele no qual um guerreiro se viu paralisado por não poder lutar contra seu próprio sangue. Sem contar com os deuses com paixões humanas. E ainda, aquele que buscou respostas nas palavras dos que já partiram.

Conheci o mundo que foi e o que será, cresci buscando um universo paralelo onde donzelas, dragões  e heróis existem de fato, aqui tenho romance, política, ciência, história, palavras de dor e paixão, ou simplesmente a confirmação de que não sou o único louco a habitar este planeta.

Uma semana de abstinência me deixa mal, e confesso que não me afasto desta caixa de pandora por nada, por isto peço ajuda de quem puder, pois seja como for eu deste vício não me livro.


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013


EXTREMOS

Quero um dia de vinte e cinco horas
Uma cesta lotada de amoras
Cerveja gelada de quebrar os dentes
Aprender até lotar o HD da mente
Um prato que me estoure a barriga
Discutir até dar briga
Sorrir de quebrar o queixo
Se for bagunça: um completo desleixo
Chorar até me sentir drenado
Portas escancaradas e sem cadeado
Dançar na chuva até cortar os pés
Irmãos: não menos que dez
Suor sob o sol escaldante
Se vier o frio que seja cortante
Um grito de gol que estoure a garganta
O olhar de piedade de uma santa
Ressaca de morrer ao fim do dia
Abrir mão de tudo que eu queria
Cantar até não ter voz
Pra que na hora da partida orem por nós
Mas enquanto não for levar-me, oh vida!
Que eu possa expressar este amor sem medida.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013


CONVICÇÕES
A Terra é azul disse o astronauta, mas o que é uma cor?
Deus é grande, então por que queremos encarcerá-lo em dogmas que pertencem a poucos?                                                                                                                
Aqui se faz aqui se paga, brinco é coisa de mulher, todo ator é veado, todo jogador analfabeto, o comunismo acabou, Bin Laden morreu, nada é mais rápido que a luz...
Deu no jornal, apareceu na TV, está no rádio, na net, e onde mais couber; mas isto não torna uma opinião verdadeira.
Não sei, e cada mais me faltam convicções.
Cadê aquele menino que defendia suas posições com tanto fervor?
Por que o mundo teima em me contradizer a cada passo?
Por que a mesma frase (doce) que acabou de sair da boca de meu melhor amigo soa tão ofensiva em outros lábios?
O fato é cada vez sei menos.
Vou catando conchinhas, e o mar não tá nem aí.

sábado, 5 de janeiro de 2013


Quero escrever algo inútil
Inútil e sem nome
Sem nome ou estética
Nem mesmo moral no final.

Inútil como flores e estrelas
Guitarra em agonia
Ou o coração da bateria

Inútil como um pensamento profundo
Alegria da festa
Dores e dores
Do que implora em vão.

Orvalho matutino que beija a flor
Bilhete esquecido na gaveta
E a aula enfadonha
Para o aluno que dorme.

Inútil como o amigo que nunca voltou
E o plano que não se concretizou
Como o gesto gentil
Para alguém cujas as costas, é tudo que se vê.

Poesia sem rima
Canção que não toca mais
E para o estadista estúpido...
O pedido de paz.

Relógio que atrasa
Agenda do ano passado
Jornal de ontem
Churrasco sem brasa.

Indignação de quem cala
E para quem fica: a mala.

Que seja assim minha poesia inútil
Mas que pressione o braço que não sangra
Amenize a ferida escondida
E preencha o vazio
Secando sem saber o porquê
Da lágrima que deixou de rolar.