domingo, 21 de dezembro de 2014

ÍNTEGRO

Não
Não me chame assim
Logo hoje que estou tão espalhado
Cacos de vidro pelo chão.

Tento não parecer
Com um velho
Que usava álcool como espada
Para se dividir em dois.

Não sou tão pobre assim
Comprei tantas máscaras
Que não sei qual devo usar.

Esqueci o meu rosto
Perdido por ai outro dia.
Enquanto colava uns pedacinhos

No esforço de ser um.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

“Você achou o endereço do moço?” – “Achei sim Aninha” – respondi – ouço um suspiro de alívio, ela finalmente descobriu, mesmo que aproximadamente, onde eu poderia encontrar o artífice capaz de escrever na lápide da dona Jaísa.
Mais tarde eu mesmo passei no cemitério do Carmo para pedir desculpas a ela pela demora: “Jajá manda lembranças para o meu pai e para minha mãe, passou o dia dois e nem vela eu acendo, mas c sabe como sou...”
Engraçado, passei minha adolescência inteira discutindo como os cemitérios são inúteis, sempre tive uma visão que eu mesmo só fui capaz de explicitar quando assisti em Star Trek o ritual Klingon: “disponha do corpo como quiser isto é só uma casca vazia.”
Minha visão não mudou muito desde então, mas hoje com uma pequena variação - todos estes rituais, velórios e visitas são para aqueles que sobreviveram. Por um motivo muito simples: precisamos encerrar histórias terminadas, pois precisamos morrer, precisamos que amores, profissões e tempos de estudos sejam findos em algum ponto, sob o risco de nos tornarmos zumbis, em uma versão morta de nós mesmos.
Sobre isto já disse a Martha Medeiros em sua coluna semanal.
O que fica então é uma pergunta prática: o que escrever sobre a Jaísa, sobre a Maria Augusta (já até tentei), sobre... Complexidades, contradições, amores, desilusões, espiritualidade, saudades, saudades e mais saudades?
Aninha elaborou uma fórmula, e sabiamente pediu a opinião de suas irmãs, e logo a Jajá terá algo escrito, que não diz tudo sobre ela, e nem teria como, mas vai demarcar um profundo respeito pela matriarca que foi uma espécie de cola para manter uma família inteira unida.
Fui atrasado para o trabalho no dia seguinte, sempre me achei um cara diurno, mas finalmente o horário de verão me cobrou seu preço, só que antes de organizar o trabalho recebo a notícia: “roubaram diversas placas de bronze do cemitério de São José”.
Quantas filhas ficaram pensando cuidadosamente o que dizer para as suas mães? Quanto se investiu em tempo e energia para que diversas famílias encontrassem porto seguro em um campo sagrado e inviolável? Quanto de teu sal são lágrimas de Portugal?

 E finalmente entre tantas perguntas uma não quer se calar em um mundo doente...Quantas vezes a palavra saudade foi derretida para se transformar em pedras de crak?