“Você achou o endereço do moço?” – “Achei sim Aninha” –
respondi – ouço um suspiro de alívio, ela finalmente descobriu, mesmo que
aproximadamente, onde eu poderia encontrar o artífice capaz de escrever na
lápide da dona Jaísa.
Mais tarde eu mesmo passei no cemitério do Carmo para pedir
desculpas a ela pela demora: “Jajá manda lembranças para o meu pai e para minha
mãe, passou o dia dois e nem vela eu acendo, mas c sabe como sou...”
Engraçado, passei minha adolescência inteira discutindo como
os cemitérios são inúteis, sempre tive uma visão que eu mesmo só fui capaz de
explicitar quando assisti em Star Trek o ritual Klingon: “disponha do corpo
como quiser isto é só uma casca vazia.”
Minha visão não mudou muito desde então, mas hoje com uma pequena
variação - todos estes rituais, velórios e visitas são para aqueles que
sobreviveram. Por um motivo muito simples: precisamos encerrar histórias
terminadas, pois precisamos morrer, precisamos que amores, profissões e tempos
de estudos sejam findos em algum ponto, sob o risco de nos tornarmos zumbis, em
uma versão morta de nós mesmos.
Sobre isto já disse a Martha Medeiros em sua coluna semanal.
O que fica então é uma pergunta prática: o que escrever sobre
a Jaísa, sobre a Maria Augusta (já até tentei), sobre... Complexidades,
contradições, amores, desilusões, espiritualidade, saudades, saudades e mais
saudades?
Aninha elaborou uma fórmula, e sabiamente pediu a opinião de
suas irmãs, e logo a Jajá terá algo escrito, que não diz tudo sobre ela, e nem
teria como, mas vai demarcar um profundo respeito pela matriarca que foi uma
espécie de cola para manter uma família inteira unida.
Fui atrasado para o trabalho no dia seguinte, sempre me achei
um cara diurno, mas finalmente o horário de verão me cobrou seu preço, só que
antes de organizar o trabalho recebo a notícia: “roubaram diversas placas de
bronze do cemitério de São José”.
Quantas filhas ficaram pensando cuidadosamente o que dizer
para as suas mães? Quanto se investiu em tempo e energia para que diversas famílias
encontrassem porto seguro em um campo sagrado e inviolável? Quanto de teu sal
são lágrimas de Portugal?
E finalmente entre
tantas perguntas uma não quer se calar em um mundo doente...Quantas vezes a
palavra saudade foi derretida para se transformar em pedras de crak?