segunda-feira, 7 de agosto de 2017


Shangri-La
“Lá o tempo espera
Lá é primavera
Portas e janelas ficam sempre abertas
Pra sorte entrar”

Este é um texto sob encomenda, não é o primeiro que eu já fiz.
Havia uma rotina na academia, alguns caras do terceiro ano olhavam as notas nas redações do concurso, e como eu havia mandado bem, me transformei em redator oficial para as namoradas dos amigos.
Naquela época havia inventado um sistema. Escrevia para a minha garota e deixava que adaptassem os detalhes tão pequenos de nós dois.
Se assim o fizesse agora para você, diria que a sua vó tinha uma doçura incomum. Que fazia o seu prato predileto como nenhuma outra pessoa seria capaz. Que lhe esperava até altas horas da noite. Que coçava as suas costas como ninguém jamais o fez. Que zangava contigo de vez em quando. Que a memória dela já não era isso tudo. Só que mesmo assim você nunca viu ninguém tocar a vida com tanta sabedoria.
O resto deixaria por conta de sua imaginação. A moldura estaria pronta, mas a aquarela seria sua. Então você ficaria feliz pelo texto que encomendou, pois é assim que acontece com textos encomendados. Mesmo assim, para lhe impressionar bastava por uma imagem bonitinha, com algum Control C /Control V, e todos estariam felizes.
E estava feito.
Assim são as avós.

Mas ela era mais.
Ela era a Jaísa.

Isto me obrigaria a lembrar a história que ela se divertia em contar de quando me confundiu com doente mental no dia em que fui me apresentar para a família dela.
Teria que lembrar do bolo feito com frutas e do melhor feijão do mundo.
Teria de usar um vocabulário tão particular, que parecia uma linguagem só dela.
Teria que lembrar que ela ligou para o cursinho implorando para você voltar para casa quando lhe colocamos no alojamento.
Teríamos que gritar como loucos naquele jogo do Vasco contra o Avaí.
Teria que ter duas cachorrinhas a seguindo por todos os cantos da casa.
Teria que ter bolo de fubá (ou bolinho de chuva) para quem quer que chegasse.
Teria que cantar uma música da Dalva de Oliveira, e se fosse o Hino ao amor, nos fazer chorar até não haver mais lágrimas no mundo.
Teria que lembrar que quando quebrou o fêmur ela pediu ao médico que antes cuidasse de seu joelho ralado.
Teria que lhe dizer que você foi o último grande amor dela.
Mas, esquece tudo isto.
Só quero lhe contar uma história.

           Em seu ano derradeiro ela veio morar no Carmo com a gente. E como o alemão que deixa todo mundo doido já tinha se enamorado da Jajá, ela achava que estava em Jacarepaguá.
Depois de tentar explicar várias vezes e tintim por tintim que não era bem assim, desisti. Aqui no nosso endereço era a casa dela e pronto!
E tanto gostou da cidade, e do bairro, e dos vizinhos, e da casa, e do quintal, e da rua, e de estar por aqui; que pediu a sua mãe para botar uma placa dizendo simplesmente: Shangri-La.
Tive que me acostumar com o fato de que ela me oferecia um cafezinho quando eu chegava do trabalho, e perguntava se eu precisava de uma toalha ou se eu ia passar a noite. E era assim que ela me fazia me sentir em casa.
Bem é isso.

Esta história ainda não acabou, por que você sequer pegou no pincel para os retoques.  Talvez queira fechar este texto com o cliché de que uma mulher sábia transforma qualquer casa em um lar, ou até levar o que digo assim, meio que sem fim. Afinal como o Cézar lhe disse: viva a Jaísa que vive em você.