domingo, 24 de setembro de 2017

SOBRE O BARROS, MARINHO, RICARDO BRANCO, RAMON CAMILO, SIMÃO, PONTES, ALEX VANDER, MAIA, ANÍBAL, WERNER, KEMPERS E PITALUGA.

Esta é uma história a ser contada, ela fala sobre a penúltima equipe com a qual trabalhei antes de ir para a reserva. Há obviamente outros nomes de pessoas que deveriam fazer parte deste título; gente importante cujas decisões influenciaram o rumo da história; gente que sofreu perdas incalculáveis com força, fé e dignidade; gente que orgulhou a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros; gente que pode ter contribuído mais que estes amigos que estou citando aqui, dentre os quais os que deram a própria vida.
Mas como sou eu quem conto, conto sob uma ótica profundamente pessoal, pois só quero falar de meus amigos mais próximos e daquilo que fazemos para lidar com o sofrimento daqueles que juramos ajudar.
Hoje parei o carro e buzinei, falei para o Barros “peraí mermão”. Vejo, emoldurado nesta manhã de sol, o sorriso de sempre, aquele que ele exibe quando não está profundamente estressado porque um fato qualquer não se encaixa como uma luva em seu alto padrão do que deveria ser. Muito diferente daquela noite chuvosa em que pensamos que poderia ser o nosso último dia neste planeta.
Chovia, não, não é essa a palavra. A chuva em Petrópolis pode ter tantas origens formas diferentes que a palavra chuva não contém em seu bojo a mínima semelhança do que estava acontecendo. Do mesmo modo que chamar Petrópolis de cidade é uma pequena sacanagem. Petrópolis é muito mais. Petrópolis é o Brasil em miniatura, com sua história ímpar, sua ocupação improvável, sua pujante natureza, e principalmente com seus palácios  convivendo ao lado de suas favelas.
Me deixa recomeçar.
Caía uma cachoeira do céu.
A nossa viatura tinha algo de poderoso, a tal da L-200 tem o coração de um trator, mas pouco ela pode fazer em um engarrafamento. Faltavam poucos metros para entrada da rodoviária, mas pouco importa, poderiam faltar quilômetros que não faria a menor diferença. Quando nós vimos a viatura da Defesa Civil local. Neste momento eu não sabia ainda o que havia acontecido, se soubesse estaria estupefato com a aparente calma do Ramon Camilo.
“Peixe, dá uma moral para a gente poder chegar até a sua base, soube que vocês estão precisando de reforços”. “Deixa comigo Comando”, ele respondeu. E logo chegaríamos lá.
Fui pensando em todo treinamento que tive para colaborar com a organização de eventos de grande porte. Mas o que encontrei lá foi uma equipe que tinha que engolir o choro para continuar trabalhando.
Três deles não voltaram. Ricardo Correia fora arrastado por mais de um quilômetro em um rio de lama, só a história de sua sobrevivência daria um livro. Fernando e Beto, não tiveram a mesma sorte.
No dia seguinte coube a mim explicar o que havia acontecido para a mãe do Beto. Deveria haver alguma lei que proibisse as mães de passarem por isso. Esta deve ter sido a missão mais difícil de toda minha carreira.
O que fazer quando é o herói quem precisa de socorro?
Decidimos ali naquele momento, que só o nosso trabalho poderia honrar a partida deles, e foi o que fizemos, e não foi pouco. Mas não é disso que quero falar, o que digo é apenas que é bom estar entre amigos quando a coisa está feia. Acho que passamos por dificuldades para saber na vida quem são os nossos amigos. E se muito se perdeu, fica este bem precioso.
Passamos por aquela crise e pelos anos seguintes ralando um bocado, lutando e acreditando que poderíamos tornar aquela cidade uma cidade melhor, e este país um pouquinho melhor.
Em um desses dias de luta nos abraçamos e fizemos uma oração, eu havia acabado de ouvir Fernando na interpretação apaixonada do ABBA, então como parte da oração lhes disse: “Havia algo no ar naquela noite/ As estrelas brilhavam, Fernando/ Elas brilhavam por mim por você/ Pela liberdade, Fernando/ Embora eu nunca tenha pensado no que poderíamos perder/ Não há arrependimento/ Se eu tivesse que fazer tudo de novo/ Eu faria, meu amigo, Fernando.”
Então, parei para respirar e disse: essa música é perfeita, mas só há algo errado: o céu não brilhava! Olhei ao redor e continuei: para que a música fizesse sentido deveria haver estrelas, mas elas existem. São vocês.
Muitas pessoas nos dizem que Deus nos usa para fazer chegar sua mensagem, deve ser, pois foi assim que me senti.
Isto nos deu forças para continuar lutando por mais alguns anos. Os resultados podem não ter chegado nem próximo de nossa ambição, porém mais uma vez não há arrependimento. Vivemos em busca da vitória, mas é a luta que dá sentido à vida.
Sei que este texto não deve ser exatamente o que você esperava, fica ainda uma incoerência do tamanho de um bonde: que raio de título é esse?

Bem... estes são alguns amigos que passaram por essa mesma estrada.