RÓTULOS
“Mostrando
minha identidade
Eu
posso falar a verdade pra essa gente
Como
sou da Mocidade Independente”
Tomei coragem para fazer algo novo: terça-feira começo uma
dieta controlada por uma competente profissional. Escolhi este dia da semana
por dois motivos:
1.
Segunda seria clichê para cacete:
2. Preciso fazer compras para suprir o que
falta aqui em casa, o que adia o sonho de um abdome trincado (espera aí que fui
me escangalhar de rir).
Dentre os fatos que preciso aprender, tenho agora a necessidade de ler os rótulos para saber o que estou comprando.
Devo
assumir que já tive muitos.
Minha
certidão de nascimento traz um nome incomum que sempre me faz explicar um pouco
da mitologia romana, mas poderia ser pior, não fosse o cuidado do escrivão que corrigiu
o RORONHA.
Imagino
que tive uma carteirinha de vacinação. O que chama a atenção para o fato de que, no caso dos meus cachorros (que nem sabem o que é pedigree), é a única prova
oficial de que eles têm nomes.
A
carteirinha de estudante quase dizia com perfeição quem eu era, pois nunca tive
coragem de mudar minha data de nascimento para poder ver filmes de sacanagem. O
cabelo desgrenhado mostrava meu orgulho de um pé na senzala. Outro motivo de
alegria era carregar o nome meus pais, minha única herança. Só faltava dizer
que eu era nerd.
A
carteira da Universidade Federal Fluminense, que já me livrou de virar
estatística no dia em que quatro policiais me pararam em um beco apontando
armas na minha cabeça, mostrava um eu alternativo na busca da compreensão da
ciência que nos ensina a linguagem de Deus.
Mas, de todas as carteiras, a que mais me acompanhou foi a “casquinha de siri”, aquela
vermelha que diz qual é minha patente no querido Corpo de Bombeiros Militar do
Estado do Rio de Janeiro. Hoje esta anda escondida em uma gaveta, por temor de
que algum bandido decida que assassinato seja pouco para um cara que já subiu
tanto em favelas para atender pessoas que sofreram com tanta chuva e descaso.
Então,
posso dizer que me dói ver ser preso (mesmo que merecidamente), por suposta
corrupção, um “ex-coronel”, se é que isso existe. Até então, conhecia apenas a
reserva remunerada e a reforma. A tradição jornalística era quando um cara como
eu errava, ele logo se transformava na imprensa em oficial de alta patente.
No todo, esta identidade aumenta enormemente minha responsabilidade cidadã. Por mais que eu não queira, sei que ainda represento minha corporação. Por este motivo não tenho, pelo menos na prática, alguns direitos que a maioria das outras pessoas dão como certo. Mas isto é justo, mesmo que essa carteira tenha me custado uma boa parcela da minha juventude e muito esforço. Pois no final das contas, o que fica dela é um ego tremendamente inchado.
Mesmo
assim ela não me define, da mesma forma que não o faz a minha composição
química, massa, estatura, tamanho da minha barriga (que eu juro que vai
diminuir), data de nascimento, cor da minha pele ou o que mais você queira. Tudo
isso são apenas visões estáticas do que podemos ser.
Ainda bem que quando se trata de alimentos, me
parece que o rótulo pode ter alguma precisão. Nele podemos saber a quantidade
das (malditas) calorias, assim como a presença de acidulantes, aromatizantes,
corantes, glúten e todas aquelas coisas que exigem ao menos uma pós-graduação
para serem entendidas.
Confesso
que será algo quase novo, pois sempre li o que está no produto que mais gosto
de comprar: água, lúpulo e malte.
Remo
Noronha