segunda-feira, 9 de abril de 2018


RÓTULOS

“Mostrando minha identidade
Eu posso falar a verdade pra essa gente
Como sou da Mocidade Independente”

          Tomei coragem para fazer algo novo: terça-feira começo uma dieta controlada por uma competente profissional. Escolhi este dia da semana por dois motivos:

1.    Segunda seria clichê para cacete:

2.   Preciso fazer compras para suprir o que falta aqui em casa, o que adia o sonho de um abdome trincado (espera aí que fui me escangalhar de rir).

Dentre os fatos que preciso aprender, tenho agora a necessidade de ler os rótulos para saber o que estou comprando.
Devo assumir que já tive muitos.
Minha certidão de nascimento traz um nome incomum que sempre me faz explicar um pouco da mitologia romana, mas poderia ser pior, não fosse o cuidado do escrivão que corrigiu o RORONHA.
Imagino que tive uma carteirinha de vacinação. O que chama a atenção para o fato de que, no caso dos meus cachorros (que nem sabem o que é pedigree), é a única prova oficial de que eles têm nomes.
A carteirinha de estudante quase dizia com perfeição quem eu era, pois nunca tive coragem de mudar minha data de nascimento para poder ver filmes de sacanagem. O cabelo desgrenhado mostrava meu orgulho de um pé na senzala. Outro motivo de alegria era carregar o nome meus pais, minha única herança. Só faltava dizer que eu era nerd.
A carteira da Universidade Federal Fluminense, que já me livrou de virar estatística no dia em que quatro policiais me pararam em um beco apontando armas na minha cabeça, mostrava um eu alternativo na busca da compreensão da ciência que nos ensina a linguagem de Deus.
Mas, de todas as carteiras, a que mais me acompanhou foi a “casquinha de siri”, aquela vermelha que diz qual é minha patente no querido Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro. Hoje esta anda escondida em uma gaveta, por temor de que algum bandido decida que assassinato seja pouco para um cara que já subiu tanto em favelas para atender pessoas que sofreram com tanta chuva e descaso.
Então, posso dizer que me dói ver ser preso (mesmo que merecidamente), por suposta corrupção, um “ex-coronel”, se é que isso existe. Até então, conhecia apenas a reserva remunerada e a reforma. A tradição jornalística era quando um cara como eu errava, ele logo se transformava na imprensa em oficial de alta patente.

No todo, esta identidade aumenta enormemente minha responsabilidade cidadã. Por mais que eu não queira, sei que ainda represento minha corporação. Por este motivo não tenho, pelo menos na prática, alguns direitos que a maioria das outras pessoas dão como certo. Mas isto é justo, mesmo que essa carteira tenha me custado uma boa parcela da minha juventude e muito esforço. Pois no final das contas, o que fica dela é um ego tremendamente inchado.
Mesmo assim ela não me define, da mesma forma que não o faz a minha composição química, massa, estatura, tamanho da minha barriga (que eu juro que vai diminuir), data de nascimento, cor da minha pele ou o que mais você queira. Tudo isso são apenas visões estáticas do que podemos ser.
 Ainda bem que quando se trata de alimentos, me parece que o rótulo pode ter alguma precisão. Nele podemos saber a quantidade das (malditas) calorias, assim como a presença de acidulantes, aromatizantes, corantes, glúten e todas aquelas coisas que exigem ao menos uma pós-graduação para serem entendidas.
Confesso que será algo quase novo, pois sempre li o que está no produto que mais gosto de comprar: água, lúpulo e malte. 
Remo Noronha