sábado, 30 de junho de 2018



MEU CORAÇÃO PULOU

“E pra primeira eu vou subir
Pela segunda vou passar
Na alegria ou na tristeza
Eu nunca vou lhe abandonar.”
- Pai, preciso falar contigo.
- Tô meio enrolado, pode ser amanhã?
- Não. Tem que ser hoje.
- É urgente? A Defesa Civil está em prontidão no Estado.
- É sim. Vamos a São Januário, hoje à noite.
- Tá de Brinks? Tô te falando que estou enrolado.
- Tem que ser em São Januário.
- Tá de saca?
- Não. Só pode ser lá. O que quero lhe dizer é muito importante!
-Ok, você venceu, batatas fritas.
- Eu pago os ingressos, a cerveja é por sua conta.
- Beleza, portão da social às oito e trinta.
- Valeu, te vejo lá.
Assim que entramos no estádio eu lhe perguntei:
- O que é que tá pegando?
- Pai. Passei nas vagas para a Escola Naval.
Naquele mesmo momento o mascote vestido de almirante estava passando na nossa frente.
-Tá maluco, Aspirante? O Almirante está passando em frente! Presta continência! Presta continência!
Quem via a cena não devia estar entendendo nada. Nós dois prestando continência para um bonequinho.
Chegar a esse ponto de estar lado a lado, na mesma torcida não foi assim tão simples. Por três vezes quase lhe perdi para o rival. Na verdade, posso lhe dizer agora não seria problema nenhum. Três dos meus irmãos, meu pai, meu sogro e um monte de amigos também torcem mal. Que Deus os perdoe.
Só para você entender o quanto amo os nossos rivais, apenas lhe digo que ainda espero uma carta de meu pai toda vez que perdemos. Afinal, tudo isto deveria ser apenas uma brincadeira, mas futebol é a coisa mais importante dentre todas aquelas que não têm importância nenhuma.
Quando o Everest foi seu babá você me aprontou dois tremendos traumas: aprender as músicas de nosso rival e ter arrumado um derrame pleural que quase lhe levou precocemente. Naquele dia pedi a Deus: que você torcesse para quem quisesse, mas que Ele não lhe levasse de mim.
Não foi a primeira que você me aprontou. Apressado chegou quase três meses antes, magricelo e sofrido. Como pode um tiquinho de gente assim sobreviver? Só que naquele dia ouvi no rádio a música que sua mãe me indicou, que dizia: “meu coração pulou, você chegou e deixou assim com os pés fora do chão.” Então eu soube que teríamos outras músicas para cantar juntos.
Outro dia você, bem maiorzinho fez uma baita malcriação para sua mãe. Saí do quartel às pressas pensando, "vou quebrar o Play Station em pedaços tão pequenos que não vai dar nem para reciclar". Teimoso que sou, assim o fiz. Chorando de raiva você me disse que iria torcer para outro time.
Um mês sem trocarmos qualquer palavra e a ferida sarou. Se formar seu magnifico caráter teve o valor de um videogame foi um preço irrisório a ser pago.
Logo depois veio a primeira queda, que é a que mais dói, e naquele dia eu lhe disse para virar casaca. Só que a casaca aí já fazia tanto parte de sua pele quanto da minha. Não podemos esquecer que a turma é boa, é mesmo da fuzarca.
Mas isso é só futebol, sua queda veio em uma coluna em forma de S, que lhe trouxe um monte de portas fechadas. Nada de ser marinheiro de guerra, nada de ser marinheiro de paz, nada de ser aviador, nada de ser bombeiro. Mérito não lhe faltou, nem intelecto, nem esforço. Mesmo assim quatro portas se fecharam, mas sei que foram eles que perderam.
Distância e independência, preparatório, faculdade, Alemanha, faculdade de novo, um amor para toda sua vida e agora mais uma partida.
Depois disso tudo fico feliz de poder contar a anedota a todos aqueles que brincam comigo dizendo que lhe forcei a torcer pelo meu time. Respondo dizendo que você teve escolha. Na sua cama uma camisa branca com faixa preta e outra preta com a faixa branca... Pode escolher moleque, e lembra de quem paga a sua mesada.
Só assim pude lhe ter ao meu lado, junto com o Maninho e o Sinclair naquela noite inesquecível. Só assim pudemos cantar o samba enredo da Unidos da Tijuca, lá em Belém diante dos olhos e atônitos dos portugueses. Só assim temos as nossas piadas internas sobre os jogadores ruins. Só assim abraçamos um inglês aos gritos de “I told you” quando o Romário, mesmo velho, calou os adversários. Só assim vamos discutir o resto da vida se foi mérito do Cássio ou orelhada do Diego. Só assim vamos lembrar da Jaísa gritando com a gente. Só assim teremos um terreno seguro em comum, mesmo quando nossas conversas estiverem tensas.
Hoje acabo de saber de seu casamento e de sua preparação para partir de novo. E pela última vez lhe proponho... Vá torcer pelo Porto! Mas, se a ideia não lhe convier carregue a cruz de Cristo de volta à terra que nos fez nascer. Mas seja como for, tenha a certeza que por você tudo o que tenho é um amor infinito.

Para o Francisco, o amor que Deus me deu em forma de menino. Para a Raquel que escolheu dividir seus passos com ele.

Remo Noronha

quinta-feira, 21 de junho de 2018

IRMÃO SOL, IRMÃ LUA

Onde quer que seus passos,
Seus compassos,
Seus espaços lhe levarem,
Me leva contigo
Mesmo quando eu tiver partido.

No momento em que lhe disser não,
Seja o mundo ou a razão.
Não esqueça de quem muito lhe ama
E sempre será de seu coração a chama.

Assim como tenho uma estrela guia
Que seja eu, seu brilho, no raiar do dia.
Se mesmo assim lhe for pesada a labuta
Lembre que em seu sangue borbulha a luta.



terça-feira, 12 de junho de 2018



MEU AMIGO VAI CASAR

Conheci Filipe na academia. Um dia, ele estava usando uma camiseta que tinha estampado EDUCAÇÃO FÍSICA. Fiz uma selfie nossa e com a outra mão tapei a palavra educação e escrevi na postagem: minha física não tem educação.
O que só era para ser engraçado, acabou nos definindo um bocado. O Filipe parece ser da minha família, só que é bem mais educado do que eu. Canso de dar broncas nele dizendo que ele devia bater de frente aqui, falar uma besteira ali ou arrumar uma confusão acolá.
Paciente e gentil, somente decide me avacalhar quando está no papel de meu personal trainer. Só assim o ouço gritando, mas são coisas como: Vai, vai, vai! Mais uma! Respira. Vamos nessa! E quando faço uma defesa legal, a minha preferida: valeu garoto!
Então, não é difícil entender o porquê de a Jéssica o ter escolhido. Cabe a elas essa escolha, pois são mais sábias. Sim Filipe, essa é minha primeira dica, trate ela como uma joia rara e lembre sempre que essa história de submissão ou de sexo frágil é tudo papo furado de quem não tem o que dizer. Elas são melhores do que nós. E se fomos feitos primeiro como é dito no Livro, é porque o protótipo sempre vem antes do produto final e melhor acabado.
O tempo passou e assim nossa amizade foi crescendo entre defesas e frangos, aulas de inglês e discussões filosóficas, até o ponto de você me escolher para padrinho nesta festa que será, certamente, inesquecível para nós. Como cereja de um bolo de casamento, a data coincide com a do primeiro beijo que a Aninha me deu. Como você bem sabe, vivo todo arranhado, mas não largo minha gata. Assim como espero que você nunca vá se cansar dos arranhões da sua.
Diferente dos padrinhos de batizado, conhecidos como godfathers, os padrinhos de casamento são nomeados como best men (fala sério – melhor homem para quem, cara pálida?). Uma distinção que não ocorre em português. Mas isto é muito significativo, posto que enquanto aqueles têm o dever sagrado de substituir os pais em casos extremos, cabe a estes beber que nem peixes e falar um monte de besteiras no dia do casamento. Porém, como não sei se vou estar sóbrio o suficiente, decidi escrever isto aqui para evitar de falar na hora H. Fica sempre o temor de tropeçar no véu de sua linda noiva, por fogo no bolo ou qualquer outro desastre que sou bem capaz de causar.
Sei que no final me caberia falar algo edificante e doce, para fechar com uma conclusão retumbante. Aqui entraria em cena mais uma vez o velho professor de inglês. Neste momento iria lhes lembrar mais uma vez que a palavra casamento pode ser traduzida de duas formas diferentes, como wedding ou marriage. Mais uma vez uma distinção que não ocorre na língua de Camões.
Wedding se refere a festa, que tenho certeza vai ser linda a despeito de todas as suas preocupações, das quais não cansei de ouvir nos últimos dias e ainda das ausências e dos contratempos. Mas lembre que muitas pessoas amadas estarão aqui para abençoar uma união feliz e duradoura. Será um dia de brilho e gala. Será uma festa, mas não esqueça que basta ter amigos como vocês por perto que já é uma festa.
Marriage se refere ao dia a dia. Se você fosse um cara de exatas e sua física não tivesse educação como a minha, eu poderia lhe dizer que relacionamentos são como senoides ou movimentos ondulatórios. Então, surfe nas cristas e torne os vales curtos e rápidos.
Finalmente é aquela hora que eu devo lhe dar um conselho muito importante: dê sempre razão à Jéssica, nunca esqueça quem é que manda e faça o seu papel de fingir ser mais o forte, caso um dia a barra pesar. Nunca deixe ela ter dúvidas de que ela é a pessoa mais importante de sua vida, construa uma família e jamais deixe que ela sequer pense que um mero cabelo branco vai diminuir o seu amor.
Nos 45 do segundo tempo, apesar do wedding ser super legal o que conta mesmo é o marriage.
Para a Jéssica fica apenas uma lembrança, de que foi o Filipe que me escolheu para dizer estas besteiras, mas que foi ela que escolheu o melhor homem.

Remo Noronha

segunda-feira, 11 de junho de 2018


Sexto GI
Somos bombeiros. Bravos Guardiões
de Nova Friburgo, em meu coração
Com um brado heroico vou o fogo exterminar
Vidas alheias e riquezas a salvar.

Minha relação com o quartel de bombeiros de Nova Friburgo começou com um desses acasos incompreensíveis. O fato é que eu havia sido o terceiro colocado de minha turma e isto me oferecia um amplo direito à escolha. Sabia que os dois primeiros queriam ir respectivamente para o Meier e Copa. Então, passei o ano inteiro me preparando para servir na Barra, onde estava o Grupamento de Busca e Salvamento.
Na semana seguinte à formatura recebemos uma folha na qual deveríamos escolher três quartéis e a minha segunda opção foi Jacarepaguá. Mas... o que mais iria escolher? Ora, eu acabara de vir de um fim de semana INCRÍVEL em Lumiar, com direito a música de Beto Guedes e tudo. Então, perguntei a um amigo qual era o quartel mais próximo. Neste momento em que você está lendo, fica claro que nenhuma das unidades da zona oeste abriram vaga.
Hoje, todavia, não quero contar as histórias do que fiz lá. Como canso de dizer, minhas derrotas falam de mim muito mais do que as minhas vitórias.
Este filme foi remasterizado por um zap-zap do Grandini. Lembramos que um dia eu lhe redigi um baita elogio que não deixaram publicar no boletim. Fiquei puto naquela época, mas hoje lembro da história com doçura. Afinal, foi mais um motivo para comemorar o fato de que bombeiros como ele devem ser elogiados sempre.
Também não pude ser campeão das provas profissionais com a minha tropa no ano em que eu era aspirante e, portanto, responsável pela instrução. E pé frio que sou... resumindo, voltamos com a taça de prata. Naquele dia, eu falei para o meu comandante que voltaria para buscar a de campeão no ano seguinte. Só que, por uma dessas voltas do destino, fui transferido para outra seção, mas pelo menos tive o prazer de ver meu time dar a volta por cima.
Também não podia modificar o salário deles ou o meu mesmo, éramos pobres, pobres, pobres de marré, marré, marré. Só para ter um parâmetro meu salário bruto seria comparável preço de uma geladeira compacta.
Também não podia lhes dar fardas novas, o almoxarifado guardava apenas duas mudas para uma emergência e mal caberiam em um anão.
Também não podia lhes oferecer equipamentos no estado da arte. Só que o cuidado que eles tinham com o que tinham era comovente. A Auto Escada Mecânica com décadas e décadas era testemunha desse amor.
Também não podia lhes dar cortesias para eventos que varias outras instituições conseguiam. Quando a tropa me questionava, eu costumava dizer que outras pessoas tinham o que não temos, porque faziam o que não fazemos. Mais uma dessas frases tiradas da sabedoria popular que minha mãe sempre insistiu em me ensinar.
Havia, felizmente, outras coisas que eu podia fazer. Por exemplo, toda vez que as escolas vinham para visitar o quartel, eu chamava o pessoal que ralava e pedia para as crianças para aplaudir os bombeiros. E quando o socorro voltava, eu dizia ao motorista do Auto Rápido que passasse devagar na praça Getúlio Vargas, como se fosse um desfile fora de época, o que também os fazia estufar o peito.
Havia algo mais que eu podia fazer, não estava listado nos valores óbvios como encher alguém de presentes ou dinheiro. Aquele episódio do Grandini me ensinou algo valioso. Desde então, toda vez que um cara fazia algo extraordinário, eu fazia questão de pôr todo o quartel em forma para elogiar na frente de todos. Isso eu podia fazer.
Neste momento, um simples aperto de mão era tudo que eu precisava para fazer homens de valor inestimável chegar às lágrimas.

Remo Noronha