SOBRE HÁBITOS E MONGES
Passei
boa parte de minha vida sem saber que a batatinha quando nasce espalha a rama
sobre o chão, ao invés de espalhar a si própria. Deste mesmo modo pensava que o
ditado sobre monges falava sobre o seu despertar na matina (junto com o frade
Jaques), rezar de montão e se recolher em uma cela, perdido no silêncio da
noite.
Não
conto mais que duas primaveras a partir do momento em que entendi que hábito é
a roupa que o monge habita.
Seja
como for, se não é nem a rotina e nem a batina, do que é feito um monge?
Sei
que ontem após uma sofrida partida de futebol, decidi tomar não mais que três
copos de cerveja e como minha camisa de goleiro (sim sofro disso apesar do meu
corpo mais que semicentenário e o peso de quase mil Newtons), fedia a grama, suor e
lama; ocupei meu lugar no Bar do Peixe desnudo da cintura para cima. Neste
momento o sonho recorrente desde que fui para a reserva do meu querido Corpo de
Bombeiros veio mais uma vez à tona.
Estava chegando atrasado em uma formatura de
gala no Quartel Central, algo como a entrega do espadim ou espada. Quando passo
no Corpo da Guarda percebo que estou apenas com um short vermelho, suado e
descalço. Tenho que correr às escondidas até os fundos do Casarão Vermelho onde
está minha farda.
Aqui
cabe uma explicação, para superar minha mágoa com o insucesso do final de minha
carreira, ao ir para a reserva leiloei por um valor simbólico TODAS MINHAS
FARDAS e doei o que foi arrecadado para a Associação de Proteção aos Animais. Pensava
que esta atitude iria drenar totalmente o meu coração ferido.
O
tempo, que tudo cura, faz hoje que não haja taquicardia com a passagem do trem
de socorro completo, com suas luzes espaciais e o ecoar das sirenes, que para
mim soam como uma doce canção.
Entendo
que a vida nos força a fechar as portas às nossas costas para abrir outras logo
ali na frente. Mesmo que parte de nós fique assim sendo como que arrastada pelo
chão.
Imagino
o quanto devem sofrer calados os amigos realmente vocacionados, como o Lira,
Alex e Loureiro, só para não sair da vigésima nona.
O
sonho finalmente abandonou minhas noites, após ressaltar o óbvio: continuo vivo
e ainda posso fazer coisas muito legais, apesar de treinamento de rapel e o
banho de adrenalina que acompanha o entrar em um prédio em chamas, não fazerem mais parte desta lista.
Mesmo
assim se você me ver reagindo de um modo abrupto ao passar de um carro
vermelho, saiba que apenas estou abrindo alas para os heróis de uma nova
geração que vão passar nesta avenida.