quarta-feira, 26 de junho de 2019


Sobre Guadalupe, Araruama e a vida que segue

“Pandeiro não é absurdo
Mas é o meu nome
Não me chamo surdo
Mas aguento fome”

         Fui embalado por Micheal Jackson e Bee Gees sonhando um dia poder dançar uma lenta em um baile High-fi. Era de se esperar que só gostasse de pop em inglês.
Só que algo mudou. Minha irmã casou com o Ponês e meu irmão casou com a Tuca. E uma das consequências mais importantes, sem contar os lindos sobrinhos, foi conhecer o pessoal da Rua 3.
         Puãn, Kaíko, Deô, Nena, Ceara, Dona Eminha, Solimar, Jefão, Ivana... E o meu querido amigo o Helinho. Talvez nossa proximidade fosse devido a termos quase a mesma idade, mas a verdade é que ele é o cara!
         E como pode alguém aprender a tocar o cavaquinho tão rápido? Ou foi o que pareceu. Assim é o aprendizado dos outros, afinal não é a gente que fica cheio de calos nos dedos. O que cresce mesmo é uma inveja daquelas. Só que ele é tão gente-fina que nem isso poderia estragar a nossa amizade.
         Sendo o dono de dois pés esquerdos e duas mãos esquerdas, não tentei sambar ou tocar sequer o pandeiro, ou qualquer destas outras coisas que cantam quando apanham. Só me arrisquei um pouco ao cantar um bagaço da laranja aqui, um chorinho ali ou um pagode de improviso. E assim ficava lá horas e horas encantado com os poetas, os sons e a dança da genuina cultura popular. Que hoje em dia apanha mais que o surdo, um absurdo!
         Então passei a gostar de MPB em uma época que Gonzaguinha e Clara Nunes faziam da voz um soluçar de dor e de amor, sem deixar de acreditar na rapaziada que segue em frente e segura o rojão.
Tudo isso voltou ao me hospedar em uma pousada que fora um clube de Sargentos. Espartana? Ora, para os caras que tocavam a tropa, já era de se esperar. Todos sabem que soldados recebem o soldo em sal. Acolhedora? Seria preciso um pleonasmo mais que brabo para definir isso: então entre para dentro deste clima.
No sábado ficamos na entrada para ouvir musica da boa e musica da boa... Bem vocês já sabem, é atemporal. Como assim é tudo que é bom.
A Rua 3 invadiu Araruama, não com o samba de raíz, mas na balada da MPB. Boas notas são boas novas, mesmo que a música seja Balzaquiana. Ainda mais se cantadas por uma guria de 10 anos lembrando os acordes do Lulu, Engenheiros ou do Renato Russo, a quem a menina nunca vai ter a chance de pedir um autógrafo.
A diversão se espalhou no violão de um radialista que se revelou um verdeiro show-man. Entramos na batida fazendo a segunda voz. Pode não ter sido a coisa mais afinada que você já ouviu, mas foi muuuuuuito maneiro. Não levantei para dançar (lembra dos dois pés esquerdos?) mas peguei a mão de minha garota falando baixinho “I wanna hold your hand”.
O gerente do pedaço, um cara grandão parecido com o pai do Chris (que todo mundo ama), trazia um mocotó de grudar os beiços. Enchi a cara de vinho. Ri de doer as bochechas e lembrei do lugar que me ensinou a cantar.
É bom saber que ainda tem por aí muita família tocando legal.