Valério não era uma peça de ficção ele era um ser humano
como outro qualquer, mas nasceu no tempo errado e no lugar errado. Cada tempo
tem o seu absurdo de achar que algo nefasto é normal e era normal alguém ser
tratado que nem bicho. Cada local tem o seu jeito de ser absurdo, e o Rio de
Janeiro pode ser comparado a Macondo em se tratando de ter um realismo fantástico.
Fugir.
Mas não adianta correr. Se você corre logo vem alguém atrás gritando:
“Nego fujão!”. Açoite, viramundo e tudo aquilo que amedrontava tantos outros.
Não.
Deve ser diferente. Andar lentamente, se misturar, parecer
livre para ser livre.
Entrou no casarão vermelho. Disse que era corajoso, disse
que carregava baldes com água até cair no chão, disse que cuidava dos muares,
mas o sargento só levantou os olhos quando disse que era pintor.
Agora ele era Antônio, agora ele era o bombeiro 60. Respondia
as ordens do capitão, mas não temia mais os capitães do mato.
Ledo engano. Descoberto, sabia que sua vida de Valério não
valia nada.
Uma reviravolta.
Aqueles que lutavam contra incêndios dantescos e vulcões infernais
fizeram de seus peitos férrea muralha. E bradaram tão alto que lá da lua São
Jorge ouviu. Quem está aqui é livre!
Não sei em que ponto ele pisou nas mesmas pedras do cais que o Navegante Negro. Só sei que desde então e para sempre o terreno do Quartel Central é sagrado para o Bombeiro Antônio assim como uma igreja é abrigo para refugiados.
Não sei em que ponto ele pisou nas mesmas pedras do cais que o Navegante Negro. Só sei que desde então e para sempre o terreno do Quartel Central é sagrado para o Bombeiro Antônio assim como uma igreja é abrigo para refugiados.
Então saiba que este chão também é sagrado para mim que não tive
que mudar de nome para ser um homem livre.