domingo, 30 de abril de 2023

Cançōes e orações

A música tem sido minha forma de oração ultimamente. Vou cantando por aí, se possível fazendo acordos com a mão esquerda e bailados com a direita. Porém, como naquele momento ambas tocavam o volante resolvi cantar à capela.
Lembrei da canção que meu pai deu de presente manuscrita para minha mãe, coisas do tempo em que não havia Spotify.
O problema é que, apesar da profunda beleza da peosia do Vinícius, a tristeza se espalha nos versos que dizem que o amor é uma nuvem que só acontece se chover.
Então ligo o rádio para ouvir Caetano dizer que Deus cuida dele na sombra das asas.
Quantas vezes você já passou por isso  de tocar exatamente a música que você precisava ouvir em um certo momento certo?
No destino em momento de espera toco Ave Maria dedilhando e quem ouve esse lamento são as paredes do Hospital Unimed de Nova Friburgo, assim como disse o Papa Francisco sobre catedrais, hospitais e cadeias.
É também nesses lugares de estresse e luta é que encontramos as melhores pessoas.
Falo com o Geraldo sobre a canção e apesar de estar sempre correndo de um lado para outro, sem deixar suas obrigações na segurança, ele dá um jeitinho cantar mais uma parte da música gospel para mim. No fim das contas é assim que acontece. Você faz uma oração e aparece um anjo.

Sotaques e cães

Sotaque, ideologia e relação com pets são três coisas que dão uma boa ideia de quem é quem. O lance é que é muito mais fácil projetar no outro do que dizer: tenho sotaque, ideologia e relação estranha com cães, gatos e os mais complicados... humanos.
Só percebi meu jeito peculiar de falar quando vi o Paul McCartney no show do Maracanã. Naquele dia me encantei quando ele disse em português OBRIGADOU GENTCHI. Foi então que minha irmã ressaltou que ele havia aprendido isso com algum Carioca, que até poderia ser eu, pois chio mais que chaleira velha.
Quanto a ideologia posso dizer que tenho voltado para minhas raízes aconselhado por Drummond dizendo: Vai Remo, ser gauche na vida.
No terceiro item assumo que as duas cachorras pretas, uma labralata outra border, mandam no quintal.
Ou seja, não adianta tentar esconder quem sou, me revelo a cada momento, pois como já disse sinceridade e raciocínio rápido sempre foram minha ruína.
Assim lá vou eu fazer uma caminhada com minhas pretinhas devidamente na corrente. Quando surge direto de Games of Thrones um enorme lobo branco. Seguindo sua natureza, contrária a fala do dono para quem um bichinho desse é sempre manso, ele nos ataca. A Chiquitita tem a metade do tamanho, porém o dobro da coragem, portanto revida. Tento acertar um ou dois chutes no dog branco (perceba que se fosse um filme velho de bang-bang eu estaria com as cores do bandido - eita racismo estrutural).
Lá longe alguém grita: para com isso ele não tem culpa. Respondo com o berro: a culpa é da senhora. O que repeti com a insistência dela por não assumir a culpa porque não queira o deixar fugir. Retruquei informando que não a acusara de dolo e sim de culpa 
Logo aparece o marido para defender a moça usando um vocabulário que não vou reproduzir aqui. Afinal não posso esperar que alguém assim tenha o mínimo domínio da língua portuguesa, quanto mais entender a diferença entre dolo e culpa. 
Como não sou lobo fiz um enorme esforço para não começar uma briga. 
Passada a adrenalina fica a reflexão. Deles sei o sotaque que se reflete em uma linguagem quase infantil do tipo quem pisar na linha xingou a mãe do outro.
A incapacidade de dizer algo como: desculpe me por ter errado. A ligugem ensinada pelo Olavo de Carvalho para lidar com confrontos. 
Em resumo fica evidente a ideologia. Então posso dizer sem medo de ser feliz: sei em quem eles votaram no verão passado.

domingo, 9 de abril de 2023

WAVE

Naqueles dias eu tive a oportunidade de frequentar a casa de minha querida família estendida, logo precisava saber como agir diante da chuva de hormônios que me atacava aos 14 e o total desconhecimento de como me comportar distante da beira de favela em que morava.

Lembro da música que resumia isso e dizia qual era o X do problema, pois palmeira do mangue não vinga na areia de Copacabana.

Eu precisava de um guia, e lá estava o João, mais que um primo: um irmão; e ele percebendo que eu estava perdido me ensinou qual era a lógica. O que era no final das contas muito simples, parecida com as regras não escritas do Muquiço. Eu só precisava entender que se pega jacaré de olhos abertos e boca fechada e se conseguisse encontrar alguma garota louca o suficiente para dançar uma lenta comigo seria de olhos fechados e boca aberta.

Das noites tudo que entendia era o som, então não importava muito se BUILD era como construir uma casa, ROCK AND ROLL LULLABY era sobre as agruras de uma mãe solteira e DEBORAH era a resposta a carta de uma filha. Tudo que precisava saber era colocar um torturante band-aid no calcanhar e manter o ritmo... dois pra lá... dois pra cá.

Já o mar não tem cabelo pra gente se agarrar e a tal vocação imprudente me fez pegar ondas de até dez pés mal sabendo nadar.

Poderia ser um inferno, mas lá estava meu psicopompo me levando em segurança diante dos maiores perigos: as garotas. Assim aprendi a passar por isso sem que as achasse culpadas de minhas próprias inseguranças, até que finalmente entendi o ânimo da ânima, para enfim saber que devemos ter amor para dar ao invés de implorar amores vãos.

Assim quem sabe você pode até pensar que eu poderia ser solidário aos pobres machos solitários, mas nem chego perto disso. Um homem de verdade tem duas chances de ser educado: uma pela mãe outra pela esposa. O que se parece muito com a dentição. Sei de casos de caras que tiveram que ser educados pelas filhas em momentos bem dramáticos uma verdadeira dentadura.  

Hoje, finalmente sou capaz de entender os caminhos das ondas e cada uma das canções que embalavam os amores de verão. Afinal nadar é preciso, viver não! E que a menina que faz minha sinfonia já está para acordar e logo vou ler este texto para ela.

segunda-feira, 3 de abril de 2023

Sobre leões, suricates, javalis, porcos e raposas

Disparado a cena mais engraçada da história do cinema vem de o Rei Leão. Ocorre quando Timão e Pumba dançam a hula para distrair as hienas.
Mais recentemente fui ver a versão mais realista e fiquei decepcionado. A tal cena foi cortada por problemas de verossimilhança. O que faz todo o sentido, no entanto, me obriga a lembrar que jamais podemos deixar a verdade atrapalhar uma boa estória. Entenda, definitivamente, que a única obrigação da ficção é ter coerência interna.
Posso até me socorrer da Fazenda Modelo de Orwell para deixar muito claro como os porcos se comportam, o que é confirmado pelos pigs dos Beatles.
A coerência interna da cena é baseada na amizade de Timão e Pumba, o que faz com que o javali se comporte como um suricate.
Imagina um ser simplesmente apetitoso se expor totalmente para seus predadores só para proteger o bando, mesmo que não tenha nenhum filhote seu em jogo? Pois é o que os pobres, escravos e suricates fazem.
Simplesmente porque quando a vida é dura e você é presa talvez uma alternativa seria ampliar seu conceito de família e estender a todos que  você ama.
Enquanto isso o porco pode dizer tranquilamente:"Já vali muito, quando ainda não havia aberto mão de minha força ancestral". 
Já das hienas, tudo que posso dizer é: se afaste assim que puder. Canso de dizer que a maior vantagem de ser aposentado é o prazer de só lidar com gente boa. Então se tiver de estar ao lado de quem quer sua carniça tenha muito cuidado.
E o que dizer dos leões? Bem, eles são o símbolo da realeza, então não se iluda, eles só vão cuidar dos que são leões. Ou seja, se você é um servo em um esquema feudal lembre-se do ditado. O melhor lugar para ficar é à frente dos burros, atrás dos arcos e longe dos cardeais.
Hoje, contudo, tudo o que penso é como ser uma raposa do Èxuperi e perceber que o humor de todas as estrelas é determinado pelo destino de só uma rosa.