terça-feira, 29 de novembro de 2016

LOST

Naquela tarde de setembro, a aula tinha justo acabado e por um momento interminável eu não sabia para onde ir, qual ônibus tomar ou onde eu morava. Em 1984 a convivência com a minha mãe passava por uma dessas complicações que só poderia ser explicada pela Isabel Allende, eu também tinha me desentendido com a minha amada irmã. O resultado disto foi morar em cinco lugares diferentes em menos de quatro meses.
Eu era um cachorro perdido de uma mudança. Resolvi andar pelas ruas de Madureira enquanto a crise tinha tudo para se agravar, tentei lembrar quais casas não eram minhas, e para onde deveria ir.
Então algo fantástico aconteceu, abri a mochila e lá estava ela: a camisa verde da Le coq sportif. Lembrei quem eu era: Goleiro do Palmeirinhas.
Quem me conhece razoavelmente sabe qual time faz com que minha mente racional se transforme na coisa mais supersticiosa do mundo, mas saibam o famoso navegante português não foi meu primeiro amor.
Quatro anos antes era um cara desengonçado em uma busca alucinada por um tasquinho de popularidade e se (im)possível uma garota, justo elas que só queriam saber de mim nas vésperas das provas de matemática.
Tirando o meu time de geeks, isto é, os irmãos Marangon, o maluco do Renê e o Barney, não era muito fácil para mim fazer amigos. Caso você não é ou nunca foi um nerd, especialmente antes de The Big Bang Theory nos ter fornecido algum charme, não sabe do que estou falando. O nosso desajuste na sociedade nos leva ao refúgio dos livros, e este nos afasta do convívio social, em um ciclo que se funde na compreensão da dor e miséria de nossa própria existência.
Ai, conheci o Murilo, um moleque uns dois anos mais novo que eu, um talento enorme para o futebol perdido em um corpo franzino. O que tínhamos em comum era uma bola e uma vontade meio doida de treinar, treinar e treinar.
Um dia o Jurandir, um cara que sabia pegar no gol de verdade disse que não queria mais agarrar no horário ingrato de 8 da matina. Quase não acreditei no risco que o Murilo quis correr por mim: “Chama o Remo, ele dá conta”.
Milagrosamente sobrevivi ao primeiro jogo.
Naquele dia me juntei a Camelo, Paulinho, Marco Antônio, Zira, Rei, Chocolate, Maguila e Tatá. Inacreditável. Eu estava no time. Tínhamos torcida, tínhamos bandeira, éramos amados e odiados, ficamos mais de dois anos invictos, perdemos e ganhamos campeonatos.
Um time, um sonho uma lenda.
Se um dia você for a Guadalupe pergunte sobre os meninos que usavam camisas verdes.
Hoje de manhã soube que outros meninos com camisas verdes se sagraram campeões, um reconhecimento nascido pelo adversário que sabe não poder jogar contra um mito.

Hoje sou Chapecoense. 

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

A AGULHA

Então Alicia Florrick teve que pagar uma multa de cinco mil dólares, pois ela sabia algo sobre seu cliente que não foi revelado para a outra parte.
Estranho, o pouco que sei sobre direito não se aplica aqui, pensava que o fato de que alguém não ter obrigação de gerar provas contra si mesmo fosse algo assim como universal. Imune as culturas jurídicas mundo a fora.
Mas, o que realmente me chamou atenção foi como ela conseguiu esconder o que importava dos adversários, ela ofereceu a eles TODAS informações que ela tinha à sua disposição, enterrando o que era relevante em uma pilha de data, tornando inescapável a metáfora de agulha em um palheiro.
Grande novidade! O quanto sabemos é inútil.
Não estou falando de lendas, histórias familiares, técnicas para jogar futebol, o jeito certo de empunhar um pincel, a expressão de sua mãe quanto está estressada, a cor da camisa que a sua namorada usava no primeiro encontro.
Não, não é isso. Cada uma destas inutilidades é essencial para dizer quem somos.
Mas quando você lê um jornal, procura num site ou google um texto, logo você se vê obrigado a saber de que forma um jogador matou sua amante, qual maquiagem a celebridade usa, qual é o corte de cabelo da artista.
Se este texto empurrasse as minhas mãos para o caminho do debate ele já nasceria morto.
Ninguém debate mais nada.
Só queremos forçar nossas opiniões sobre os outros, e ridicularizar quem nos opõe.
Prefiro o caminho mais reto (e publicável), quero apenas poder encontrar quais textos vão ser votados na Câmara de Deputados, sem que este tenha passado pela resenha de quem quer que seja, e copiado e colado, e recopiado e recolado, para depois re-recolado e re-recopiados aos milhares. Para que no caminho não haja acesso ao texto original.

Mas isso também está enterrado em um enorme palheiro.