Naquela tarde de
setembro, a aula tinha justo acabado e por um momento interminável eu não sabia
para onde ir, qual ônibus tomar ou onde eu morava. Em 1984 a convivência com a
minha mãe passava por uma dessas complicações que só poderia ser explicada pela
Isabel Allende, eu também tinha me desentendido com a minha amada irmã. O
resultado disto foi morar em cinco lugares diferentes em menos de quatro meses.
Eu era um cachorro
perdido de uma mudança. Resolvi andar pelas ruas de Madureira enquanto a crise tinha tudo para se agravar, tentei lembrar quais casas não eram minhas, e para onde
deveria ir.
Então algo fantástico
aconteceu, abri a mochila e lá estava ela: a camisa verde da Le coq sportif. Lembrei quem eu era:
Goleiro do Palmeirinhas.
Quem me conhece razoavelmente
sabe qual time faz com que minha mente racional se transforme na coisa mais
supersticiosa do mundo, mas saibam o famoso navegante português não foi meu primeiro
amor.
Quatro anos antes era
um cara desengonçado em uma busca alucinada por um tasquinho de popularidade e
se (im)possível uma garota, justo elas que só queriam saber de mim nas vésperas
das provas de matemática.
Tirando o meu time de geeks,
isto é, os irmãos Marangon, o maluco do Renê e o Barney, não era muito fácil
para mim fazer amigos. Caso você não é ou nunca foi um nerd, especialmente
antes de The Big Bang Theory nos ter fornecido algum charme, não sabe do que
estou falando. O nosso desajuste na sociedade nos leva ao refúgio dos livros, e
este nos afasta do convívio social, em um ciclo que se funde na compreensão da dor
e miséria de nossa própria existência.
Ai, conheci o Murilo,
um moleque uns dois anos mais novo que eu, um talento enorme para o futebol perdido
em um corpo franzino. O que tínhamos em comum era uma bola e uma vontade meio
doida de treinar, treinar e treinar.
Um dia o Jurandir, um
cara que sabia pegar no gol de verdade disse que não queria mais agarrar no
horário ingrato de 8 da matina. Quase não acreditei no risco que o Murilo quis
correr por mim: “Chama o Remo, ele dá conta”.
Milagrosamente
sobrevivi ao primeiro jogo.
Naquele dia me juntei
a Camelo, Paulinho, Marco Antônio, Zira, Rei, Chocolate, Maguila e Tatá.
Inacreditável. Eu estava no time. Tínhamos torcida, tínhamos bandeira, éramos
amados e odiados, ficamos mais de dois anos invictos, perdemos e ganhamos
campeonatos.
Um time, um sonho uma
lenda.
Se um dia você for a
Guadalupe pergunte sobre os meninos que usavam camisas verdes.
Hoje de manhã soube
que outros meninos com camisas verdes se sagraram campeões, um reconhecimento
nascido pelo adversário que sabe não poder jogar contra um mito.
Hoje sou Chapecoense.