CORAÇÃO DE ESTUDANTE
Meu filho me cobra muito o fato de que tenho
que escrever mais, e principalmente contar histórias, sempre digo que prefiro
as metáforas pois elas não me obrigam de falar de ninguém vivo. Então, quando
conto uma história acabo sendo eu mesmo o personagem, é a única forma de falar
de alguém e não ofender outra pessoa.
Nesta semana telefonei para alguns pais para
convence-los de matricular seus filhos no pré-vestibular que estou montando com
o Maicon. Perco uma ligação do Melo Silva e outra do Rollemberg. Está claro que
passado e presente se fundem para contar esta “estória”.
Como convencer alguém de estudar?
No meu caso foi mais ou menos assim: sou o mais
novo de onze, vivia entre os mimos das irmãs e os cascudos dos irmãos, em uma casa
cheia de livros. Se eu não quisesse ser incomodado bastava pegar algo e fingir
que ia ler que ninguém iria mexer com o Reminho.
Que baita macete! Confesso que era um aluno que
poderia passar na moita até a sexta série, então que eu descobri um livro de álgebra
nas férias e por total falta do que fazer decidi antecipar o que iria aprender,
pois meus irmãos falavam que a sétima série era a mais difícil, era quando os
números se transformavam em letras. O resultado foi que eu tirei de letra a matemática
do ano seguinte.
Aí que entendi o porquê de os professores
parecerem tão espertos, basta estudar um pouco antes, assim você pode estudar
menos!
Mais tarde quando passei no vestibular recebi a
notícia de que meu pai tinha acabado de morrer, justamente comemorando o
resultado. Naquela época ele mandava quase tudo para minha mãe e vivia com um
salário mínimo entre o Ceará e o Piauí. Como minha mãe não era nenhum prodígio
em administração financeira; defeito que por sinal, infelizmente, herdei; teríamos
que viver com muito menos.
Após novos cascudos e novos mimos na hora de
decidir o que fazer de cara de dezoito anos despreparado para a vida, fiz um
trato com ela. Tal qual Medeia, pedi por um tempo: mas não somente um dia... um
ano! lógico que minha mãe concordou, mesmo sem saber como iria fazer.
Sabia que era a única bala que eu tinha na
agulha. Estudar entre 12 a 14 horas por dia? Mole. Ter confiança no resultado? Isso
sim era terrível.
O resultado acadêmico veio, mas meus olhos estavam prestes a me impedir o ingresso. Como fazer sacrifícios para uma mãe é lugar
comum ela ainda bancou uma caríssima operação de miopia.
E lá estava eu na EsFAO, sem nenhuma vocação
para ser bombeiro, e muito menos para ser militar. Lidar com os estudos
foi fácil, com o sistema e os colegas um inferno. Sempre levei tudo muito a
sério quando poderia ser mais leve e achar divertido, e sempre carregava todo o
peso em um coração magoado e vivia escondido nos cantos para chorar.
Estava deprimido, e como nunca tive coragem
suficiente para pular o muro para ir a um bar ou um baile qualquer, minha única
forma de fuga era dormir, ou pegar um livro quando estava acordado. A força
para resistir vinha de três fatores: a amizade que tinha dentro da escola, uma
linda namorada que me esperava fora e a certeza de que não havia alternativa.
Como quase todos outros cadetes tinham o hábito
de “cepar” alucinadamente nas madrugadas das vésperas de provas, carrego até
hoje a injusta fama de que eu aprendia sem estudar. Fama, por sinal, espalhada
pelo meu melhor amigo. Só para ver como as pessoas reagem.
Mentira!
Estudo quase o tempo todo, o que explica minha
outra fama: a de distraído, ou seja, se eu passar por você e não cumprimentar não
ache que quero lhe sacanear, estou estudando, como sempre faço.
Como convencer alguém de estudar?
Para os meus alunos digo sempre que a caneta é
mais leve do que a enxada.
Como não sei o que é tocar a vida com uma
enxada, posso apenas supor. Mas penso que a vida pode ser dura com qualquer
pessoa. Só quem sofre de pés doídos sabe o tamanho dos sapatos.
Tento convencer
eles que vai ficar tudo bem se passarem para boas escolas, mas no final das
contas toda alegria que um pai ou um professor pode ter se resume a formar
pessoas de bom caráter.
Entre tantas fórmulas, que não servem para nada
se a pessoa não aprende o real significado, fica uma: horas de bunda na
cadeira. O que aprendemos tem profunda relação com o tempo de introspecção
que estamos dispostos a oferecer ao assunto.
Estamos estudando muito para fora buscando
informações alucinadamente. Estamos estudando pouco para dentro, para descobrir
o que vai em nosso eu mais profundo.
De todos os aprendizados que posso oferecer aos
meus alunos fica um: aprendi a rir do que tanto me magoava nos tempos de EsFAO.
Hoje posso abraçar o mesmo mundo sem tanta dor.
Remo Noronha