domingo, 25 de fevereiro de 2018

Glossário


GLOSSÁRIO

Comparação é quando sou como uma banda de um baixista autista.
Metáfora é quando o que se diz não cabe em si.
Rima, no final combina. Se combina lá dentro é poesia.
Métrica é a batida do surdo.
Aliteração é quando os erres e os efes são exibicionistas.
Um cabo de vassoura ou um pé de laranja lima de José Mauro de Vasconcelos é persona, é máscara.
Sinestesia é o olhar do nariz, o cheiro de seu sabor ao tocar em suas cores; mas minha língua em sua orelha é outra coisa.
Paradoxo é quando o impossível e o improvável tomam um chope na esquina.
Ironia é quando o eufemismo se cansa. Pensando bem ironia é quando as palavras rosnam. Sarcasmo é quando as palavras mordem.
Gradação é o quanto me apequeno em meu próprio veneno. Mas também é o inverso se espalhando em todo meu verso.
Elipse é o silêncio das palavras e a geometria dos planetas.
Hipérbole é quando a assíntota aponta para o infinito.
Parábola que também é cônica construiu a igreja do Rei dos Reis.
Escrita é quando o que penso deixa de ser um peso.
A leitura é quando me integro e entrego a você.

domingo, 18 de fevereiro de 2018

ATRITOS

- Hoje na aula de mecânica....
- Vai falar de motores?
- A princípio não.
- Mas a aula é de mecânica.
- Sim, mas é teórica.                          
- Ah! Tá.
- Vamos falar sobre atrito.
- Tem muito lá em casa.
- O que?
- Atrito, é só meu pai chegar tarde.
- Não é disso que estou falando.
- Ah! Tá.
- Como eu ia dizendo, o atrito pode ser resistente...
- Que nem na França, na segunda guerra?
- Não, aí é resistência.
- De chuveiro?
- Não. Isso é para aula de Física II.
- Ah! Tá.
- Como eu ia dizendo... dependendo do sentido, o atrito pode ser resistente, ou motor.
- Ué, vai falar de motor, ou não?
- Sim, mas do atrito motor.
- Ah! Se não tiver lubrificante vai ter atrito no motor?
- Sim. Mas, não é disso que estou falando.
- Do que o senhor está falando?
- Atrito.
- Tem muito lá em casa, é só meu pai chegar tarde.
- Aaaaaah. Senhor! Dai-me paciência!
- É isso que minha mãe fala quando ele chega! Como é que o senhor sabe?
- Deixa eu continuar a aula?
- Tá bem.
-  O atrito depende da normal...
- Normal?
- Sim. Perpendicular.
- Perpendicular?
- Sim. Ângulo reto.
- Reto?
- Sim. 90 graus.
- Mas aí a água não ferve!
- Bem, depende da pressão atmosférica local. Mas, não é disso que estou falando.
- O senhor está falando de que?
- Atrito.
- Ah! Tá.
- O atrito pode ser estático ou dinâmico.
- Que nem a dupla de Batman e Robin?
- Aí é dinâmica.
- Pensei que fosse aula de mecânica.
- Mas, é. Dinâmica é parte da mecânica.
- Ah! Tá.
- Como eu ia dizendo o atrito depende da normal, mas não da área de contato.
- Contato? Não é aquele filme sobre alienígenas?
- É, mas não é disso que estou falando.
- O senhor está falando do que?
- ATRITO! ATRITO! ATRITO!
- Tem muito lá em casa, é só meu pai chegar tarde.
- Chega! Prova surpresa. Sem mi, mi, mi.
- Ah! Mi. Esse é o coeficiente de atrito. Acho que vou gabaritar!

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018



CORAÇÃO DE ESTUDANTE

Meu filho me cobra muito o fato de que tenho que escrever mais, e principalmente contar histórias, sempre digo que prefiro as metáforas pois elas não me obrigam de falar de ninguém vivo. Então, quando conto uma história acabo sendo eu mesmo o personagem, é a única forma de falar de alguém e não ofender outra pessoa.
Nesta semana telefonei para alguns pais para convence-los de matricular seus filhos no pré-vestibular que estou montando com o Maicon. Perco uma ligação do Melo Silva e outra do Rollemberg. Está claro que passado e presente se fundem para contar esta “estória”.
Como convencer alguém de estudar?
No meu caso foi mais ou menos assim: sou o mais novo de onze, vivia entre os mimos das irmãs e os cascudos dos irmãos, em uma casa cheia de livros. Se eu não quisesse ser incomodado bastava pegar algo e fingir que ia ler que ninguém iria mexer com o Reminho.
Que baita macete! Confesso que era um aluno que poderia passar na moita até a sexta série, então que eu descobri um livro de álgebra nas férias e por total falta do que fazer decidi antecipar o que iria aprender, pois meus irmãos falavam que a sétima série era a mais difícil, era quando os números se transformavam em letras. O resultado foi que eu tirei de letra a matemática do ano seguinte.
Aí que entendi o porquê de os professores parecerem tão espertos, basta estudar um pouco antes, assim você pode estudar menos!
Mais tarde quando passei no vestibular recebi a notícia de que meu pai tinha acabado de morrer, justamente comemorando o resultado. Naquela época ele mandava quase tudo para minha mãe e vivia com um salário mínimo entre o Ceará e o Piauí. Como minha mãe não era nenhum prodígio em administração financeira; defeito que por sinal, infelizmente, herdei; teríamos que viver com muito menos.
Após novos cascudos e novos mimos na hora de decidir o que fazer de cara de dezoito anos despreparado para a vida, fiz um trato com ela. Tal qual Medeia, pedi por um tempo: mas não somente um dia... um ano! lógico que minha mãe concordou, mesmo sem saber como iria fazer.
Sabia que era a única bala que eu tinha na agulha. Estudar entre 12 a 14 horas por dia? Mole. Ter confiança no resultado? Isso sim era terrível.
O resultado acadêmico veio, mas meus olhos estavam prestes a me impedir o ingresso. Como fazer sacrifícios para uma mãe é lugar comum ela ainda bancou uma caríssima operação de miopia.   
E lá estava eu na EsFAO, sem nenhuma vocação para ser bombeiro, e muito menos para ser militar. Lidar com os estudos foi fácil, com o sistema e os colegas um inferno. Sempre levei tudo muito a sério quando poderia ser mais leve e achar divertido, e sempre carregava todo o peso em um coração magoado e vivia escondido nos cantos para chorar.
Estava deprimido, e como nunca tive coragem suficiente para pular o muro para ir a um bar ou um baile qualquer, minha única forma de fuga era dormir, ou pegar um livro quando estava acordado. A força para resistir vinha de três fatores: a amizade que tinha dentro da escola, uma linda namorada que me esperava fora e a certeza de que não havia alternativa.
Como quase todos outros cadetes tinham o hábito de “cepar” alucinadamente nas madrugadas das vésperas de provas, carrego até hoje a injusta fama de que eu aprendia sem estudar. Fama, por sinal, espalhada pelo meu melhor amigo. Só para ver como as pessoas reagem.
Mentira!
Estudo quase o tempo todo, o que explica minha outra fama: a de distraído, ou seja, se eu passar por você e não cumprimentar não ache que quero lhe sacanear, estou estudando, como sempre faço.
Como convencer alguém de estudar?
Para os meus alunos digo sempre que a caneta é mais leve do que a enxada.
Como não sei o que é tocar a vida com uma enxada, posso apenas supor. Mas penso que a vida pode ser dura com qualquer pessoa. Só quem sofre de pés doídos sabe o tamanho dos sapatos. 
Tento convencer eles que vai ficar tudo bem se passarem para boas escolas, mas no final das contas toda alegria que um pai ou um professor pode ter se resume a formar pessoas de bom caráter.
Entre tantas fórmulas, que não servem para nada se a pessoa não aprende o real significado, fica uma: horas de bunda na cadeira. O que aprendemos tem profunda relação com o tempo de introspecção que estamos dispostos a oferecer ao assunto.
Estamos estudando muito para fora buscando informações alucinadamente. Estamos estudando pouco para dentro, para descobrir o que vai em nosso eu mais profundo.
De todos os aprendizados que posso oferecer aos meus alunos fica um: aprendi a rir do que tanto me magoava nos tempos de EsFAO. Hoje posso abraçar o mesmo mundo sem tanta dor.

Remo Noronha