sábado, 31 de março de 2018


SOBRE FILHOS E CALOPSITAS

Cães, gaviões e gatos. Sempre haverá um risco insuportável e algo a nos dizer que a gaiola é sempre melhor.
Calopisitas  são frágeis, as suas únicas defesas são as asas que teimamos em podar. Mas há um jeito certo, uma técnica infalível, uma medida para dizer como se usar tesouras em um par de asas. Isso teoricamente, e só serve para calopisitas. E mesmo assim há controvérsias.
Entre a segurança das gaiolas e o céu e as árvores há uma infinidade de possibilidades.
Sua miríade de cores e de sons nos dizem que há uma infinidade de formas de dar certo (ou errado).
Cuidado e atenção, o acompanhar dos voos, o ensinar dos cantos. Ombros para terem onde pousar.
No mais sobra apenas uma oração, um bater de asas o olhar para um infinito azul que pertence apenas as aves.
Remo Noronha

PS.: Só quem escreve e publica sabe o que é a neurose da revisão.
Só nós que temos a coragem de sermos poetas, Xamãs modernos, sabemos o quanto dói e o que é ser açoitado por gramáticos dramáticos, esse eu insisto. Será fruto somente de minha emoção, pois assim são as calopisitas. Sem retoques e sem segundas chances.

terça-feira, 13 de março de 2018



Despedida
“Deixa balançar a maré
E a poeira assentar no chão
Deixa a praça virar um salão...”
Uma profissão me escolheu.
Por ela já passei fome e frio. Confesso que ainda me arrepio.
Tive que aprender muito para poder começar, principalmente o que é companheirismo e o que é luta. Depois aprendi quando deveria ensinar.
Treinei à exaustão.
Já trabalhei tantos natais que não os sei contar mais.
Já entrei em esgoto.
Fui mordido por um cachorro.
Já ri tanto no alojamento que quase desloquei o queixo.
Já dei muito trabalho para o meu anjo da guarda. Mas já vi um anjo mais sofrido, aquele que permitiu que uma moça saísse ilesa sob um ônibus capotado.
Já pensei que vivia alguém saudoso ao sentir o meu próprio pulso.
Já convidei para jogar futebol um cara que tinha quebrado as pernas em uma colisão.
Já vi pequenos milagres o suficiente para saber que podemos ser as mãos de Deus. E também que tudo só pode dar certo se Ele assim o quiser.
Quebrei a porta de um apartamento, quando o incêndio era em outro.
Já pranteei amigos que partiram trabalhando.
Vi tanta chuva que pensei que meu dia tinha chegado.
Já comemorei uma promoção pendurado de cabeça para baixo em um barranco, presente de uma tropa que provou o quanto me considerava.
Essa mesma tropa me ensinou mais em um ano do que jamais poderia aprender em três de academia.
Já fiquei com um lado só do rosto bronzeado.
Parei um instante infinito dentro de um prédio em chamas para olhar para a grandiosidade do fogo que tudo arde. Então entendi porque trago uma fênix no peito.
Já me vesti de gala, de brilho e estrela, mas do que gostava mesmo era do brim.
Vi tanta dor que eu não sei como fiz para suportar.
Mesmo assim vi o olhar de gratidão.
Por isso sei que o bombeiro é de todos o soldado mais amado.
Feito de fogo e de chuva. O barão da ralé.
Mas me perdoem aqueles que o serão para sempre. Pois hoje, depois de tanta água sob a ponte; peço minha licença derradeira, mesmo que não a seja por inteira. Afinal onde houver dor que haja solidariedade.
Mas finamente fecho as portas às minhas costas para abrir outras à frente.
  
   

quinta-feira, 8 de março de 2018



Determinante

Mais uma vez recebo de um amigo que quer me pilhar a velha piada: “outro dia passou e não usei Δ = b2-4ac.”
Sei que deveria levar na esportiva, assim como quem aguenta as falas sobre um time que cansa de cair para a segunda divisão.
Não consigo.
O assunto é sério demais para mim.
Cada vez que ouço essa gracinha penso o quanto as pessoas foram torturadas em uma sala de aula para conseguir odiar algo tão fascinante quanto a matemática.
Talvez isto ocorra porque as salas de aulas são parte da sociedade, e não uma ilha da fantasia isolada do mundo. Canso de ouvir falarem por aí que a solução é a educação, como se só a escola fosse capaz de ser panaceia de um mundo doente. Claro que é bom caminho, mas nossas dores não se resolvem somente ali.
Especialmente ao se falar de matemática penso o quanto um profissional desmotivado e desvalorizado deve lutar para que seus alunos acompanhem e avancem a cada passo. Isso se não forem estes mesmos profissionais os responsáveis em fechar as portas.
Essas portas vão ser trancadas a sete chaves para todos aqueles que passarem a odiar a matéria. O que vai se refletir na piadinha que começou este texto.
Graças a Deus há muitos professores pelo mundo afora superando estas dificuldades ensinando com técnica e qualidade. Alguns têm acesso a uma série de tecnologias que facilitam sua labuta. Há sempre algo novo. Começou com o rádio, depois foram as teleaulas, então vieram os computadores, quadros inteligentes, programas de TI. Bem, a lista é infinita.
Quando não havia nada disso um grupo de gregos meio doidos desenhavam uma estrela de cinco pontas na palma da mão para se reconhecer mutuamente. Eles achavam que a matemática e a música tinham mensagens divinas. Estudar seria, então, uma obrigação espiritual.
O desenvolvimento de uma sociedade com arquitetura, arte e engenharia espetaculares foi uma consequência lógica, pois todas essas coisas têm matemática em seu estofo.
Entendo, é claro, que se desenvolver em alto nível em qualquer área é uma decisão individual que vai demandar tempo e esforço, mas que cada macaco se pendure no cateto que bem entender. Eu, por exemplo, não sei tocar nenhum instrumento; mas gosto muito de música. Então, poderia esperar que quem não tem um pentagrama tatuado na palma da mão ao menos aprecie a arte de Pitágoras, Thales, Euler e tantos outros.
Voltando aos professores, considero que nós somos atores essenciais em todo esse processo. A próxima tecnologia de ensino, por mais P das galáxias que seja, ainda não nos vai substituir; da mesma forma que a aula por rádio não o fez.
Nos cabe inspirar àqueles que vão tocar este barco doravante.
Faço um pequeno exercício para reconhecer estas pessoas, pergunto logo na primeira aula o que eles querem fazer de suas vidas. É nesse momento que vejo as respostas apinhar minha sala de futuros médicos, advogados, atletas, escritores e historiadores. Ao final do curso ao refazer a mesma pergunta surgem engenheiros, físicos e matemáticos. Que eles me desculpem, mas é assim que aprendi a entortar a vida dos meus alunos.
Remo Noronha