Despedida
“Deixa
balançar a maré
E
a poeira assentar no chão
Deixa
a praça virar um salão...”
Uma profissão me escolheu.
Por ela já passei fome e frio. Confesso que ainda me
arrepio.
Tive que aprender muito para poder começar, principalmente
o que é companheirismo e o que é luta. Depois aprendi quando deveria ensinar.
Treinei à exaustão.
Já trabalhei tantos natais que não os sei contar mais.
Já entrei em esgoto.
Fui mordido por um cachorro.
Já ri tanto no alojamento que quase desloquei o
queixo.
Já dei muito trabalho para o meu anjo da guarda. Mas
já vi um anjo mais sofrido, aquele que permitiu que uma moça saísse ilesa sob
um ônibus capotado.
Já pensei que vivia alguém saudoso ao sentir o meu
próprio pulso.
Já convidei para jogar futebol um cara que tinha
quebrado as pernas em uma colisão.
Já vi pequenos milagres o suficiente para saber que
podemos ser as mãos de Deus. E também que tudo só pode dar certo se Ele assim o
quiser.
Quebrei a porta de um apartamento, quando o incêndio
era em outro.
Já pranteei amigos que partiram trabalhando.
Vi tanta chuva que pensei que meu dia tinha chegado.
Já comemorei uma promoção pendurado de cabeça para
baixo em um barranco, presente de uma tropa que provou o quanto me considerava.
Essa mesma tropa me ensinou mais em um ano do que
jamais poderia aprender em três de academia.
Já fiquei com um lado só do rosto bronzeado.
Parei um instante infinito dentro de um prédio em
chamas para olhar para a grandiosidade do fogo que tudo arde. Então entendi
porque trago uma fênix no peito.
Já me vesti de gala, de brilho e estrela, mas do que
gostava mesmo era do brim.
Vi tanta dor que eu não sei como fiz para suportar.
Mesmo assim vi o olhar de gratidão.
Por isso sei que o bombeiro é de todos o soldado mais
amado.
Feito de fogo e de chuva. O barão da ralé.
Mas me perdoem aqueles que o serão para sempre. Pois hoje,
depois de tanta água sob a ponte; peço minha licença derradeira, mesmo que não
a seja por inteira. Afinal onde houver dor que haja solidariedade.
Mas finamente fecho as portas às minhas costas para
abrir outras à frente.
Belíssimo.
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