sábado, 19 de maio de 2018


A CIDADE E AS ESTRELAS 

Quem é você ...
Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira,
Oswaldo Cruz e Matriz
Que sempre souberam muito bem
Que a Vila Não quer abafar ninguém,
Só quer mostrar que faz samba também

Estou quase certo de que a referência que vou citar vem de um livro de Arthur C. Clarke (sim, aquele autor que você xingou à beça quando viu n kapa pi minutos de efeitos especiais incompreensíveis de 2001 uma Odisseia no espaço), cujo título encabeça a presente crônica.
O trecho que quero contar é um no qual o personagem principal encontra um cara que é telepata. Logo chega um momento em que ambos se saem de uma cidade. Depois de um silêncio incômodo, o tal do telepata explica que estava se despedindo da namorada.
Quando li isso, pensei: “Caraca! Se alguém soubesse o que penso jamais iria querer ser meu amigo, quanto mais me namorar”. Meu coração nerd quase pulou de desespero ao lidar com a perspectiva. Já me bastavam os decorridos dezessete anos de solidão. E eu não queria de forma alguma quebrar o recorde de Gabriel Garcia Marquez.
Um pouco depois vi algo que não sei se era ciência, bruxaria ou alquimia. Tratava-se de um documentário no qual estavam pesquisando a possibilidade de transmitir o pensamento associado a fala com o seguinte processo:
- Analisa-se a fala de uma palavra comparando com o mapeamento cerebral naquele exato momento.
- Compara-se a intenção da fala da mesma palavra sem que esta seja pronunciada em novo mapeamento.
- A exaustiva comparação de padrões levaria a compreensão de quais ondas eletromagnéticas correspondem a cada palavra, e bingo (só um cara velho pra cacete usa isso neste contexto!), podemos transmitir isso a outra pessoa.
Minha duvida do fato disto ser real ciência não deve causar espanto a ninguém. Não podemos esquecer que há pouco se dizia que fumar não fazia mal à saúde, que pessoas com percepção extra-sensorial poderiam influenciar ações de líderes mundiais, que uma determinada raça era superior ou ainda que a Terra era plana (bem, isso tem gente que acredita nisso até hoje!). E tudo isso assinado, carimbado e selado no pluft, plaft, zum de documentos científicos.
Ao revisitar a ideia de telepatia, a cena agora me passa de um modo metafórico, pois estamos bem próximos disto nas redes sociais. Falta uma tonelada de cera para os sinceros de ocasião.
Lembro muito bem quando discuti com um acadêmico que criticava os excessos da escola tradicional, pois se debruçar em tanto conteúdo era perda de tempo, afinal bastaria ter senso crítico.
É isso que a tal da telepatia nos traz. Hoje podemos criticar qualquer coisa, de preferência xingando todos que pensam diferente no final, mesmo que não tenhamos qualquer conhecimento sobre o assunto.
A resposta a tudo isso poderia ser o dito de que o silêncio vale ouro. Ou aquela velha história das peneiras: a da verdade, a da utilidade e a da bondade antes de falar. Ou ainda das penas largadas ao vento do alto da montanha. Ou simplesmente a anedota de que em boca calada não entra mosquito. Enfim, os exemplos da sabedoria popular são infinitos.
Abraham Lincoln um dia disse que "Às vezes é melhor ficar calado deixando que os outros pensem que você é um idiota, do que abrir a boca e não deixar nenhuma dúvida."  O que me parece muito adequado, pois nunca me arrependi de ter me calado (isso quando consigo superar meu instinto selvagem – sinceridade e raciocínio rápido sempre foram a minha ruína!).
Mesmo assim, se o bichinho carpinteiro me coçar sempre tenho a alternativa de escrever sobre o assunto. E tal atitude me poupa de atribuir a frase citada, aqui mesmo no parágrafo anterior a Bernard Shaw, ou qualquer outro cara. Pois quando escrevemos sempre podemos pesquisar com calma e no meu caso particular perguntar ao Marcos Duílio ou ao Francisco se não estou dando uma tremenda mancada antes de publicar (o que nem sempre faço por pura ansiedade, portanto não atribuam a eles os meus erros – mea culpa, mea máxima culpa).
Outra vantagem de ficar calado é ter um ar de mistério que aumenta muito suas chances de ser bem-sucedido em suas empreitadas amorosas. (Ah! seu eu soubesse disso em 1981).
Este texto mesmo está com mais buracos do que queijo suíço, tem um monte de coisas que eu queria dizer, mas como fazê-lo sem ofender um monte de gente? Quando chega neste ponto o que nos cabe é o silêncio.
E para ninguém achar que não posso falar esta palavra sem o mínimo de doçura aqui vai o trecho de minha canção de ninar predileta: “Silêncio. Ele está dormindo. Vejam como é lindo. Sua majestade o neném”.

segunda-feira, 7 de maio de 2018


SAGRADO

“Sim, todo amor é sagrado”

Recebo de meu irmão, Alexander Noronha, reflexões sobre a espiritualidade dos índios. De minha Prima, Raquel Noronha, o informe de qual é o santo do dia. De minha irmã, Cleópatra Noronha, uma pequena oração emoldurada pela praia de Piratininga. De minha irmã, Mary Albuquerque, as orações de Chico Xavier. De meu irmão, Rômulo Noronha, as graças de um ateu. Recebo de meus amigos; Jorge Basílio, Cenízio, Pires Ferreira e Gilson; lindos textos bíblicos. De minha prima, Adriana Noronha, lindos desenhos de seu filho, que me parecem vir da cultura Iorubá. De minha irmã, Paulinha e seu marido, artista de mão cheia, ensinamentos da mitologia grega. De meu pai a correta forma de rezar o Pai Nosso. De minha mãe uma poderosa oração chamada chagas abertas que sempre me protegeu. Da minha querida tia Nívea, ensinamentos com Perfeita Liberdade. De minha irmã,  Lídia Rivero, uma linda oração em espanhol, que proteje os viajantes. Dos Homens Batistas do Texas e de meu sobrinho Dudu a compreensão de que basta falar com Deus, pois ele é meu amigo. Do Marcos Duílio tantas orações de tantas culturas diferentes que já nem sei qual é a religião dele. De minha amada esposa a admiração pela mulher que se ajoelha diante do sagrado. Dos índios que acolhi no quartel de Nova Friburgo a compreensão de que a espiritualidade vem da natureza.
Então, toda vez que vejo vandalismo nos tapetes de sal. Ou agressões às religiões afro-brasileiras. Ou igrejas católicas roubadas. Ou Igrejas evangélicas pichadas. Ou alguém quebrando uma santa na tv. Ou alguém usar a religião dos outros para os explorar. Ou ainda, alguém justificar uma guerra por ser “santa”. Enfim, qualquer ato como esse se propagar. Meu coração agnóstico se contorce de dor.
Digo que sou agnóstico, pois meu conhecimento é ridículo diante de tanta grandiosidade. Digo por que sou poeira ao vento e minha opinião não é assim tão importante a ponto de justificar qualquer das minhas agressões as suas crenças.
Se é sagrado para você é sagrado para mim.
Remo Noronha

quarta-feira, 2 de maio de 2018


VILÕES

Quando vejo uma trama o que logo observo é o porte do vilão. Caso ele seja linear, simplório ou algo que podemos definir nada mais do que “do mal”, me bate a certeza de que a história não vai ser grande coisa.
Por outro lado, Mr. Smith de Matrix é simplesmente invencível, multiplicável, ágil e articulado. Então, o desfecho lógico é dito pelo oráculo: Neo pode até ser bonitinho e legal, mas vai ter que esperar por outra vida.
Abrindo um par de parênteses do tamanho do mundo, cabe lembrar que o oráculo está longe de ser um vilão, assim como o telefone do filme Atração fatal, trata-se apenas de um mensageiro. Neutro e impiedoso como a verdade, inescapável como a gravidade para quem é defenestrado, inexorável como o destino (favor não confundir com o inimigo do quarteto fantástico).
Smith além de carregar o nome de outro vilão já citado, brilha na nova série da Netflix anunciando precocemente que Perdidos no Espaço (juro que não haverá nenhum spoiler significativo – portanto pode continuar lendo – não sou tão “do mal” assim) se posicionará anos-luz (posicionará mesmo – ano-luz é medida de distância e não de tempo!) à frente da série homônima, clássica e insossa. 
Boas tramas, em geral, trazem personagens complexos, capazes de grandes erros mesclados com atitudes magníficas. Mas a vilã se posiciona muito além das linhas vermelhas que determinam uma espécie de doença mental oriunda de total falta de empatia.
Bem que eu poderia dizer a ela: “você é uma pessoa horrível, com pitadas de psicopatia”, mas há algo que não consegui definir muito bem, aquele velho tempero que nos faz amar odiar uma personagem egoísta e ardilosa.
Sua atuação remete à Éris, a deusa da discórdia, capaz de deixar uma maçã perdida (não no espaço, mas no Olimpo) com a seguinte inscrição: “Pertence à mais bela das deusas”. As consequências foram devastadoras, refletidas em uma guerra quase interminável. Isso só porque esqueceram de convidar a tal da mexeriqueira para a festa.
Qual seria a alternativa? Bem, esta fica para depois. Outras metáforas dizem claramente que certas coisas não têm jeito, basta lembrar a história do sapo que aceitou levar um dependente escorpião nas costas para atravessar um rio. Uma picada e os dois morrem, pois é difícil fugir de sua própria natureza.
Quanto a mim, me despeço dizendo que tenho estado bem mais tranquilo, evitando confusão a todo custo até a hora que um baba... estaciona em fila dupla prendendo meu carro, por se achar dono da rua. Mas assim como a senhora Smith devo declarar: “eu não sou o vilão desta história”.