quarta-feira, 22 de agosto de 2018


SOBRE HÁBITOS E MONGES

               Passei boa parte de minha vida sem saber que a batatinha quando nasce espalha a rama sobre o chão, ao invés de espalhar a si própria. Deste mesmo modo pensava que o ditado sobre monges falava sobre o seu despertar na matina (junto com o frade Jaques), rezar de montão e se recolher em uma cela, perdido no silêncio da noite.
               Não conto mais que duas primaveras a partir do momento em que entendi que hábito é a roupa que o monge habita.
               Seja como for, se não é nem a rotina e nem a batina, do que é feito um monge?
               Sei que ontem após uma sofrida partida de futebol, decidi tomar não mais que três copos de cerveja e como minha camisa de goleiro (sim sofro disso apesar do meu corpo mais que semicentenário e o peso de quase mil Newtons), fedia a grama, suor e lama; ocupei meu lugar no Bar do Peixe desnudo da cintura para cima. Neste momento o sonho recorrente desde que fui para a reserva do meu querido Corpo de Bombeiros veio mais uma vez à tona.
               Estava chegando atrasado em uma formatura de gala no Quartel Central, algo como a entrega do espadim ou espada. Quando passo no Corpo da Guarda percebo que estou apenas com um short vermelho, suado e descalço. Tenho que correr às escondidas até os fundos do Casarão Vermelho onde está minha farda.
               Aqui cabe uma explicação, para superar minha mágoa com o insucesso do final de minha carreira, ao ir para a reserva leiloei por um valor simbólico TODAS MINHAS FARDAS e doei o que foi arrecadado para a Associação de Proteção aos Animais. Pensava que esta atitude iria drenar totalmente o meu coração ferido.
               O tempo, que tudo cura, faz hoje que não haja taquicardia com a passagem do trem de socorro completo, com suas luzes espaciais e o ecoar das sirenes, que para mim soam como uma doce canção.
               Entendo que a vida nos força a fechar as portas às nossas costas para abrir outras logo ali na frente. Mesmo que parte de nós fique assim sendo como que arrastada pelo chão.
               Imagino o quanto devem sofrer calados os amigos realmente vocacionados, como o Lira, Alex e Loureiro, só para não sair da vigésima nona.
               O sonho finalmente abandonou minhas noites, após ressaltar o óbvio: continuo vivo e ainda posso fazer coisas muito legais, apesar de treinamento de rapel e o banho de adrenalina que acompanha o entrar em um prédio em chamas, não fazerem mais parte desta lista.
               Mesmo assim se você me ver reagindo de um modo abrupto ao passar de um carro vermelho, saiba que apenas estou abrindo alas para os heróis de uma nova geração que vão passar nesta avenida.

Um comentário:

  1. Após reler o texto entendi que se refere ao tempo que vc viveu na Caserna, volto a dizer que como sempre achei ótimo .

    ResponderExcluir