segunda-feira, 29 de julho de 2019


Coisas que se aprendem quando temos 10 irmãos

Aprendi que se dois irmãos brigam o melhor a fazer é não tomar partido.
Aprendi que ao se arrumar confusão na rua qualquer irmão vai correr para ajudar, mas se você estiver errado vai tomar cascudo do mesmo jeito assim que chega em casa.
Aprendi que quando você finge que está estudando os seus irmãos mais velhos não mexem contigo, mas o bom mesmo é quando você aprende que estudar é melhor do que fingir.
Aprendi a ser mimado, mas que as pessoas da rua não têm o mesmo cuidado ao lidar com crianças. E esta é uma lição bem difícil.
Aprendi a cantar “Daniel Boone quer café” para incentivar o Maninho a ir à padaria para trazer pão quentinho.
Aprendi a calcular frações bem rápido. Quando só há sete pães para onze irmãos, com forte senso de justiça, nenhum professor precisa lhe ensinar o que são sete onze avos.
Aprendi que quando só há uma TV com tantos irmãos, você nunca vai conseguir ver desenho bem na hora de um filme.
Aprendi que torcer por um time vai fazer você rir e chorar com seus irmãos.
Aprendi que se você jogar bola mal a sua única chance é ser goleiro.
Aprendi que fazer pipas dá mais dinheiro que soltar pipas.
Aprendi que catar latinhas, garrafas e cobre vai lhe dar o suficiente no fim do mês para ostentar e comprar uma coxinha no supermercado.
Aprendi a tratar com respeito as garotas na rua, porque é chato para cacete ter um monte de irmãs bonitas sendo perturbadas por caras sem a menor noção.
Aprendi que ser café-com-leite nas brincadeiras mais pesadas, pode não ser o mais divertido, mas é melhor que voltar para casa mancando.
Aprendi que as roupas dos irmãos logo, logo vão caber.
Aprendi que se você tem um caquinho de vidro no pé é melhor passar pela sua mãe fingindo andar normalmente, caso contrário logo ela vem com uma agulha.
Aprendi um montão de coisas sobre segurança, como por exemplo, passar debaixo de uma escada ou quebrar um espelho dá azar. Mesmo assim, aprendi o que é ter um braço quebrado, um pedaço do couro cabeludo raspado e um monte de cicatrizes.
Aprendi que não é uma boa ideia brincar com giletes.
Aprendi que não se deve escalar o móvel da cozinha para pegar um garfo. Neste mesmo momento também aprendi que óleo quente na cabeça dói para caraca.
Aprendi que quando os meninos fazem 10 anos, eles podem se orgulhar de dormir numa esteira no chão da sala, junto com os outros irmãos.
Aprendi que cama é coisa para crianças e meninas.
Aprendi que é mercúrio cromo e não “mercúrio corno”; mas só depois de uma irmã entender, com uma longa e cuidadosa conversa, que não havia ninguém preocupado em saber o que é infidelidade.
Aprendi que ao se sentar entre a uma irmã e o namorado dela, rapidinho se ganha um trocado para comprar picolé.
Aprendi a ter ciúmes.
Aprendi que família sai na porrada mesmo, mas aí de quem falar mal de um irmão.
Aprendi que quando se mora perto de uma favela não é boa ideia um irmão bater em um traficante no jogo de futebol.
Aprendi que só uma mãe, com a coragem do tamanho de um bonde, poderia fazer um cara que bateu em um traficante voltar para casa em um pedaço só.
Aprendi a falar a língua do P sem que ninguém me ensinasse.
Aprendi que quando você aprende um código secreto você não deve ficar entusiasmado quando alguém fala SO-por-VE-pê-TE-pe. E que basta um pequeno grito de alegria para todo mundo descobrir que você já sabia uma língua secreta que deveria ser exclusividade dos irmãos mais velhos.
Aprendi a amar.
Aprendi que a gente continua amando os irmãos, mesmo quando eles vão embora.
Aprendi que a vida nos oferece outros irmãos, mas nada pode se comparar a ser o mais novo de onze.

quarta-feira, 17 de julho de 2019




Sobre Pequenos Príncipes e Caubóis de Brinquedo

         Tudo se resume ao fato de que a vida é breve, uma viagem só de ida para o futuro. Assim como no conto do jornalista que encontra o guru (ato falho – quase escrevi guri, mas quem além do nosso menino interior pode indicar o caminho certo?) e se espanta dele ser tão despojado, então pergunta: “Como você vive com tão pouco?”. “Mas, você também, só tem uma mochila” responde com outra pergunta o guru. “Sim, mas só estou de passagem” replica o jornalista. “Eu, também,” encerra o guru.
         Lembrei disso quando informei um grande amigo que estou vazando feito a maré e ele lamentou a minha partida. Os amigos são de tudo o mais difícil de deixar, acredito que por isso o Woody faz questão de que nenhum brinquedo fique para trás. Fica, então, um soluço entrecortado e um olhar para o que passou. Podemos achar que a resposta seja um frio distanciamento de tudo, mas na verdade ela vem da raposa ao explicar ao Pequeno Príncipe de que ao cativarmos uma Rosa ela se torna única.
Já se vão 25 anos de Carmo, mas está claro para mim que este ciclo está à beira de acabar. Deixo a casa enorme, o quartel que comandei duas vezes, as escolas nas quais trabalhei, o café do Amarelinho, o cuidado do meu jardineiro, o jogo de dominó logo de manhã, a praça infinita, o treino no campo do Botafogo, a igreja com torre atrás. Mas o difícil mesmo é deixar memórias e amigos.
Dentre todos de quem mais sinto falta é de um menino que me cativou. Ele é a mistura de um Caubói de Brinquedo e o Pequeno Príncipe. Foi ele quem fugiu das minhas aulas de física para jogar ping-pong, foi com ele que reaprendi a jogar War, foi ele quem trouxe os cachorros para casa, foi ele a quem ensinei que deveria andar de bicicleta mesmo com o joelho recém ralado, foi ele quem proibi de ver Power Rangers para parar de bater na irmã, foi ele quem decidiu a hora de ir embora.
A casa está vazia, não tem mais a oração do Pai Nosso de mãos dadas com todos na mesma mesa, não tem mais discussão de quem é a vez no videogame, não tem mais o ato de colocar todo mundo no carro para ir até a cidade ao lado só para comer misto quente.
Então, peço perdão para os que ficam. Ou melhor ninguém fica. Estamos todos de passagem. E esta certeza me chega quando tomo coragem para ver o mesmo desenho que víamos juntos cantando “amigo estou aqui”. Eu sabia que ia chorar e chorei. O caubói cresceu, foi para longe, encontrou o seu caminho.
Então, assim de repente ele me liga e pergunta “como é ter 27 anos e o que devo esperar?”, é um baita sinal de amadurecimento. Um pouco antes ele iria achar que poderia ter todas as repostas sem perguntar ao seu velho. Digo apenas que a única obrigação que temos é nos tornar nós mesmos nesta caminhada e para isso devemos saber quem somos. O resto... Ora, o resto é só uma viagem curta.