quinta-feira, 11 de junho de 2020


Nike foi retratada em um dos livros de Percy Jackson como um ser inquieto. Antes de ser conhecida como uma marca desportiva ela era aquela deusa alada nas mãos de Athenas. Se eu disser o nome romano dela tudo passa a fazer sentido: Vitória.
Neste momento que estamos tendo que lidar com tantas perdas é necessário entender como levantar a cabeça, mesmo quando não chegamos no topo do podium.
Por tremenda coincidência ou por profunda sensibilidade de um DJ ouvi duas belas canções consecutivamente: “Marvin” e “Alone again”. Ambas têm uma batida desconexa com o texto. São histórias profundamente tristes com um compasso desconcertantemente dançante.
Um estranho pensamento me veio naquele momento. O que mais lembro do Pelé são justamente três gols perdidos. A visão de chutar do meio do campo. A defesa do goleiro inglês, prevendo o futuro e pulando para o lado certo, um gato esticado. Ou (muito) melhor ainda foi ver o goleiro uruguaio ficar totalmente perdido naquilo que não foi (nem de longe) um lance de futebol, mas um passo de balé.
Você pode ter todas críticas do mundo ao Edson que ele era antes do nascimento de Pelé, como pode ter a qualquer outro ser humano. Já falar mal do craque naqueles lances é complicado. Nós podemos até saber perder gols, mas não com toda aquela arte.
A competição exacerbada pela deusa alada e suas promessas de louros e medalhas no final não podem deixar que venhamos a perder aquilo que nos faz humanos.
Incontáveis vezes perdemos. Você pode preferir ser exonerado a aceitar uma sacanagem qualquer. Um piloto pode perder um campeonato mundial por ter um adversário batendo nele propositalmente. Cassandra perdeu a sanidade tentando avisar que a cidade estava perdida. Marvin pode estar sozinho novamente, sem os carinhos dos pais e sem colheita para se sustentar. Podemos perder um emprego. Um amor. Até mesmo pai e mãe.
Acredito que há momentos nos quais devemos deixar a Nike de lado e compreender o quanto (e como) perder nos define. Se você não acredita, veja novamente aqueles três gols perdidos volte a conversar comigo.
Mesmo assim não perca a esperança.

terça-feira, 9 de junho de 2020


A MENINA E O TREM
Para Adriana Noronha
Uma menina que ainda acredita
Em luas e trens

Assim como o Pinduca da música a menina esperava, ansiosa, pelo trem.
Ela não corria para a estação para acenar como todas outras crianças do bairro. A mágica acontecia bem ali. O trem dos adultos passava do outro lado da rua. O dela passava na parede branquinha da sala.
O trem só passava no fim da tarde, mas era um trem fantasma, que desaparecia se alguém acendesse a luz. Como se ele mesmo fosse assim todo de luz.
Na imaginação dela ele vinha da estação de Santa Luz. Cheio de moças com laço de fita e rapazes engomados do cabelo ao sapato.
O trem maluco, chegava na sua sala sem pedir licença e passava sempre de cabeça para baixo.
Um dia ela brigou com outras duas meninas bem maiores que não acreditaram no que contava:
“Um trem feito de luz passa na parede da minha casa, ele vem de cabeça para baixo. A luz que faz ele vem de um buraquinho na outra parede”
“Mentirosa”, foi a resposta suficiente para puxões de cabelo e até um tapa! Não importava se ela ia voltar com a farda toda amarrotada. Ela podia levar poeira, lágrimas e até sangue para casa, mas desaforo...
Naquele dia o trem parecia dizer para ela com seu colorido crepuscular: Vou passando, vou passando, vou passando, piiiiuuuuiiiii.
O trem vai para a Lua. Chegando vai encontrar a menina sentada num cantinho. Protegida por São Jorge e fazendo amizade com o dragão. Nunca para a viagem. A estação é primavera, outono, inverno e verão.