segunda-feira, 17 de maio de 2021

Matilha

 Muitas vezes me pergunto: qual é o tamanho de minha matilha?

Não é pequena.

Tenho muitos irmãos e irmãs, tios e tias, sobrinhos e sobrinhas, pais e filhos, primos e primas.

Sangue fala alto, mas não é essa a fronteira final.

A terra onde nascemos diz muito, mas quem se restringe a ela sempre acaba se tornando em alguém mais preocupado em odiar quem é diferente do que em amar a quem é próximo.

Então, fica a pergunta que teima em se repetir: qual é o tamanho de minha matilha?

Sei que mesmo tendo tantos irmãos adotei tantos outros.

Sei que o sangue daqueles que sequer conheci trazem no fundo a mesma cor e essência.

Sei que a Terra é uma só.

Então minha matilha não deveria ter tamanho.

As terras em que passei, os irmãos que adotei e o sangue que passou pelo meu coração dão a noção exata da medida do que não se pode medir.

Passagem.

É isso! A matilha pede passagem.

E pelo mundo no lufar de um vento que leva para o alto meus sentimentos de pertencimento são sementes de dente-de-leão que se espalham.

E a toca nos espera em no único cantinho de chão que realmente nos pertence.

Um lugar onde somos todos iguais.

sexta-feira, 7 de maio de 2021

Hiato

Hoje preciso de um hiato.

Não é Chronos o eu lírico.

Sou eu mesmo.

Meu nome é Remo Noronha, maluco, de Albuquerque.

Tenho me escondido atrás dos olhos de um lobo.

Mas hoje não é o homem Aranha, é o Peter Parker. Não é o Super-Homem é o Clark Kent o dono da fala.

Não tenho como dizer o que digo sem ser quem sou. Não importa o quanto Chronos seja rico, tudo que quero expressar vem da pobreza de ser eu mesmo.

E nesta semana tanto deve ser contado que não há como ser feito a não ser a partir de meus olhos, mesmo que a luz dos olhos seus tenha outra história totalmente diferente parta contar.

Então lá vai.

Em ordem de prioridade. Eita pleonasmo! Prioridade é o que vem antes.

Meu amor tira onda. É bela, é grandiosa, de maior, independente. Vacinada!

Andei mais de 300Km para que ela tivesse o que é de direito a qualquer ser humano. Preferimos nos deslocar no espaço a nos deslocar no tempo. Sem esquecer que todos nós somos viajantes do tempo: de hoje para amanhã.

Ela é especial. Você também é.

Segundo. Passei a semana fazendo vídeos para contar o que vivi. Foi o resumo de trinta anos em cinco dias

Que o que aprendi, quem sabe poderá servir de trilha para quem vier.

Alguém que está na luta hoje me achou digno o suficiente para servir de exemplo.

E vocês sabem minha opinião: Oficial Superior que não serve de exemplo não serve para nada.

No processo achei três estrelas. Estrelas geminadas.

Elas contam que um pouco antes de chegar no Carmo fui a capitão. Justo no dia que soube por pessoas que estão na luta aqui e agora que minhas, do passado, valeram a pena.

Então vou até os Bombeiros de minha (nova) cidade. Peço para chamar o oficial de dia. Se as coisas não mudaram absurdamente ele deve ser capitão, ou estar próximo de chegar. Ao me ver me diz que vai vir a ser o dono das três estrelas logo ali adiante.

Então, seja o dono daquelas que foram minhas.

Logo após a passagem de comando das estrelas, me despeço, me escondo no carro e paro diante do Grupamento do Corpo de Bombeiros de Araruama.

Canto baixinho a canção que o Roberto me ensinou, e que diz assim: “Ah! Eu vim aqui amor só pra me despedir...”

Finalmente tenho a honra de dizer adeus de uma forma da qual posso me orgulhar.

Agradeço aos amigos que quiseram me ouvir.

E ao tenente (à beira de ser promovido) que teve a paciência de receber um pequeno presente de um veterano.

Posso fechar as portas as minhas costas e abrir as que estão adiante.

Palavras


Ai, palavras, ai, palavras, que estranha potência, a vossa!

 

Fere mais que punhal. Consola do pior vendaval. Sussurro de amor ou berro de dor. É a força que vem de dentro. O mais profundo juramento.

A palavra nos chama. É detalhe que introjeta a ação ou exprime emoção.

A palavra pode vir entre outras em contradição ou conformidade e no tecido das linhas serem os nós que fazem a trama. Palavra é coerência e por que não? Palavra é coesão.

A palavra pode se conjugar a ação e unir as mãos em uma oração.

A palavra é um. As palavras são dois. A palavra é o infinito ou o minguado arroz.

As palavras se juntam a quem traz a ação. A palavra modifica. A palavra localiza. A palavra te diz o quando, o quanto, o nada, o muito. A palavra é o exagero. É detalhe. É esmero.

A palavra determina, mas só se quiser. A palavra de antes dá substância a quem depois vier.

A palavra é o coração de quem não veio. Há palavras que hão de impedir a falta de imaginação de quem só quer se repetir.

Suas qualidades são palavras, seus defeitos também. Há palavras que resplandecem o belo do olhar de quem vem.

Palavra é matéria, é madeira. A palavra é a mãe de tudo.

A palavra é Pai. É ação, estado ou transição. É o ser em movimento. A palavra é cerne da finalidade de quem a diz. O meio de expressão. É o verbo no princípio. 

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Perguntas

 Rex não era íntegro. Não confunda esta palavra com honestidade. Honesto ele era. E não era pouco. Integro é outra coisa: é quando conseguimos juntar todas as nossas partes espalhadas pelo chão. Rex era no mínimo bipolar.

Quando bebia das águas era divertido. Ele sempre pedia para eu contar a mesma anedota de sempre, um jogo de palavras infantil que ele mesmo havia me ensinado. Contudo era incapaz de repetir de tanto que enrolava a língua que trazia o cheiro acre das águas do esquecimento.

O que ele jamais esquecia era de me trazer um pouquinho dos pedaços mais apetitosos provenientes das caçadas. Mesmo assim eu tinha medo, nesse estado ele parecia muito com a figura do humano da carrocinha, o temor mais profundo que qualquer filhote pode carregar no coração.

Quando se abstinha era sábio e um tanto circunspeto. Nesses momentos se transformava em um filósofo formidável e o lobo mais inteligente que eu já havia conhecido. Afinal, em suas andanças ele havia conhecido muitas terras e não há nada no mundo que ensine mais do que conhecer novos espaços, diferentes lobos, cães e homens. No frio da noite ou no calor escaldante das Areias do Tempo. Lobos têm olhos, focinhos e ouvidos, mas não são todos que usam. Rex tinha estes recursos muito aguçados.

Outra forma de aprender é mítica. Dizem que os homens têm umas caixas que se abrem e são capazes de revelar o mundo para eles.  Tais objetos mágicos seriam capazes de os fazer viajar sem sair do lugar e preservar a sabedoria dos que partiram para sempre. É lógico que eu não acredito nisso: se eles tivessem, de fato, algo assim tão poderoso jamais fariam tantas besteiras.

Foi para essa versão, mais reservada de meu pai que perguntei o que era o Sagrado Eterno, esperando por uma resposta que ultrapassasse o “Sagrado Eterno não se explica, se vive” que a Lupina tanto insistia.

Então ele olhou para mim e respondeu cautelosamente:

“Chronos”, ele me disse - já que nunca se referia a ninguém usando seus apelidos – “tanto perguntei esta mesma questão para finalmente compreender que o Sagrado Eterno é diferente para cada um que o vive”.

“Há aqueles que acreditam que o Sagrado Eterno começa depois dos portões dourados um pouco antes da Lua, mas não é possível chegar lá usando este corpo que temos”.

“Outros pensam que voltamos para a natureza em um ciclo sem fim”.

“Já ouvi dizer que o Sagrado Eterno não existe e o que devemos preservar a memória das lutas”.

“Há também quem acredite no sábio do Leste e diz que devemos nos desvencilhar da vaidade e do desejo”.

“Já conheci um velho lobo de manto negro como a noite. Ele contava as histórias de sua versão do Sagrado Eterno, cantada em uma melodia ritmada que fazia quem estivesse ao redor entrasse em transe”.

“Gosto também do que ouvi no mosteiro onde contavam que houve um sábio que veio das Terras entre os Rios, com sua mensagem de amor”.

“Qual delas é verdadeira”, perguntei como se isto pudesse ter uma resposta simples. Rex replicou simplesmente: “Não sei. Mas sei que devemos ter por sagrado tudo aquilo que for sagrado para outro lobo, cão ou humano”.

A outra pergunta veio automática: “Em que você acredita, papai?”. “Acredito que é hora de você dormir”.

Você pode até pensar que eu havia ficado sem resposta. Isso se você não sabe que os filhotes sabem muito mais de seus pais pelo que observam do que pelo que dizem. E o que eu via no Rex eram muitas horas em silêncio. E o silêncio diante dos mistérios é uma forma poderosa de oração.