Meu filho liga de manhã, cedinho, o fuso horário nos uniu. Nunca o Porto e o Rio estiveram tão perto. Eu estava aguardando a ligação com ansiedade. No décimo de segundo seguinte ele iria me contar como foi a volta ao cinema. Logo, a ducha de água fria: “Não gostei nem um pouco, parece que os roteiristas estavam esgotados, mas o que esperar de uma continuação?”
Pelo menos não vou ter que gastar, pagando por mais
uma plataforma de streaming, pensei desolado.
Tudo isso é passado, porém também é passado a ferro de
engomar o dia em que ele pegou o sobretudo da mãe, um par de óculos escuros e
minhas botinas para sair com uma fantasia de carnaval que só o Roberto
entendeu.
Também é passado o dia em que vimos duas vacas
exatamente iguais durante uma viagem e falamos simultaneamente: “deja vu”.
O que o presente – perfeito - me traz é finalmente ver
o quarto filme da série (sim! Sou o tipo de otário que paga um monte de
plataformas). No dia seguinte ele me liga de novo reclamando de algo cíclico com
o qual eu também teria me incomodado, caso tivéssemos a mesma idade e estivéssemos
passando a mesma situação. Afinal cansamos de reviver cenas, algumas repetindo
a personagem, em outras assumindo papéis diferentes.
“É como o Neo tomando a pílula azul todo santo dia”
(prometo não vai ter outro spoiler). E ao dizer isso ele deduziu que eu acabara
de ver o quarto filme da “trilogia”. “Pai, você não tem jeito, não me ouve
nunca! Eu não te disse que não valia a pena ver?” Então repliquei que sem
repetições não valeria a pena (vi)ver.
“Meu filho. Se algo está se repetindo em sua vida é
sinal de que a lição ainda não foi aprendida”.
Assim a vida vai seguindo, ou quem sabe uma simulação
da realidade. Até acho que insisto em tentar tomar a pílula vermelha e tento
dizer para mim mesmo que não preciso da outra.
Afinal tenho algo que mexe com meu metabolismo e faz
dilatar absurdamente um órgão: a pupila; faz pulsar alucinadamente outro: meu coração;
e expande aquele que é o mais importante.
Pelo menos penso que ajo assim.
Todavia, também se espalham aqui e ali as repetições em
tudo aquilo que insisto em não aprender.