Quem me dera ao menos uma vez
Como a mais bela tribo
Dos mais belos índios
Não ser atacado por ser inocente
Não
são poucas pessoas que me perguntam sobre minha suposta facilidade para
escrever, muitas delas são das mais altas prateleiras no que tange ao
conhecimento de uma ou mais línguas. Fico doido para mentir e dizer que
simplesmente escrevo. Como se o que grafo nunca fosse, de mim, arrancado a
fórceps sob tremendo custo emocional. Como se o que digo não tivesse uma
técnica simples desenvolvida nessas terapias que chamo de “lápis sobre o
papel”.
Então
vou começar com o básico: meu jeito de escrever.
Penso
em três assuntos, busco as conexões e tento surpreender quem lê com uma
conclusão que não seja absurdamente óbvia (o que nem sempre consigo – se isso não
acontece me contento em tirar o leitor para dançar).
Um
exemplo de três temas está quicando na minha cabeça agora:
1.
Uma breve história de como conheci três índios;
2.
A vocação dos bombeiros a oferecer
santuário; e
3.
A (in)tolerância ao que é diferente.
Lá
para o final da década de 80 eu servi, como Tenente do Corpo de Bombeiros, à
comunidade de Nova Friburgo. Lá um dos maiores aprendizados que tive foi o fato
de que não são só igrejas que servem de santuário. Diversas vezes acolhemos
pessoas em situação de total estresse, viajantes dos cantos mais longínquos,
mulheres que temiam violência de todo tipo, profissionais que estivessem de
passagem, equipes de outras instituições, animais de rua... a lista é infinda.
Fazíamos
isso com tal naturalidade que nem parecia ser algo grandioso, ou simplesmente
bacana. Havia um refeitório que estava quente em pleno inverno e é pecado jogar
comida fora.
Com
esse espírito é que tive a oportunidade de travar um breve contato com índios
que vieram a nossa cidade. Entre nós houve uma dificuldade inicial de
expressão, pois seu líder não falava português e os outros dois eram um pouco
mais jovens que eu mesmo era, portanto não se sentiam totalmente seguros em sua
missão de expressar suas necessidades.
Em
resumo, o que entendi de seus anseios é que eles se sentiam atacados em suas
próprias terras e queriam mostrar nas grandes cidades um tanto de sua cultura e
de seu valor, para tanto careciam de algum acolhimento.
Meu
comandante na época, um oficial que tem um coração do tamanho de um bonde, não se negou a lhes oferecer abrigo e um prato de comida, nas duas semanas que
eles se propunham a passar pela cidade. Como eu era o oficial de dia quando
eles chegaram acabei me tornando uma espécie de contato diplomático.
Durante
o dia eles ficavam na Praça Getúlio Vargas, onde hábil e rapidamente
construíram uma oca. A noitinha voltavam para se alojar no quartel. Assim
começamos a conversar, o que logo se transformou em confiança e o início de uma
bela amizade.
Os
rapazes começaram a me ensinar algumas palavras em seu idioma, das quais só me
lembro de algo que ousarei grafar aqui como PEON WENDY, o que entre muitas
risadas me deu a chance de saber algo muito importante: MULHER BONITA! Depois
de muito rir, voltei para o meu alojamento tentando encaixar a frase na letra
de PRETTY WOMAN.
Procurei
tirar o máximo de aprendizado daquela situação e passei boa parte tempo que
meus outros afazeres permitiam para aprender um pouquinho mais do que eles
tinham a nos oferecer. Eu estava justamente começando a aprender inglês e tive
a percepção de que somente a existência de uma linguagem própria deveria ser
motivo para recebermos a sua delegação com pompa e circunstância, sem perder de
vista de que neste contexto o estrangeiro era eu.
Tudo,
todavia, foi destruído de repente. Em uma noite fui chamado para combater um incêndio
no Centro da Cidade. Era a oca.
Em
ato contínuo levei-os para a Delegacia para registrar queixa-crime.
Esse
foi um dos dias mais tristes daquele meu início de carreira. Os olhos do chefe não
transpareciam a dor de quem representava um povo que resistiu a tantos males. Grilhões,
gripes e grileiros; e todas outras coisas que invasões trazem.
Encerro
a nossa conversa tentando resistir ao maniqueísmo óbvio de tentar atribuir o
incêndio criminoso a pura maldade, e ponho tudo isso na conta da ignorância. Quem os conheceu como eu, jamais seria capaz
de tal ato, comum a quem despreza o outro e não reconhece a sua condição humana.
A única alegria que me restava foi o fato de que eles não estavam na oca no
exato momento em que alguém deve ter achado divertido queimar mais três índios.
Eles estavam seguros em um lugar com tremenda vocação para santuário.
Com tantas experiencias como vc tem, em breve teremos uma enciclopedia, sangue, suor e lagrimas temos de tudo um pouco.Sensacional
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