terça-feira, 13 de setembro de 2022

ACORDE

Passei boa parte de minha vida dormindo, e posso falar essa frase engatinhando a palavra óbvia: LITRALMANETE, o que muitas pessoas fazem quando na verdade deveriam dizer metaforicamente. Isso é explicitado em um episódio clássico de “How I met your mother” aquele do: “I literally mean literally” o que em inglês americano vira um tremendo trava línguas.

Então me ofereçam a chance de recomeçar. Passei boa parte de minha vida dormindo: METAFORICAMENTE. No exato momento em que isso o digo falecem as obrigações de ser explícito. As metáforas têm um pulmão pulsante e nem sempre vão na direção apontada pela intencionalidade do autor, do ator, da plateia; ou até mesmo de quem passa, distraído na porta do teatro.

Aqui o espetáculo é de dança e assim sendo sua arte irmã deve trazer os sons necessários. Entenda bem: estou exatamente agora lhe tirando para dançar, sou um Jonny Rivers meio desajeitado. Mesmo assim estendo a mão arranhando meu inglês enferrujado ao repetir a pergunta: “Do you wanna dance?” Quando o faço ao mesmo tempo o tempo me diz seta grande para baixo, seta pequena para baixo de novo... a mão esquerda vai titubeando nas cordas pensando: G, Am, G, Am, G, Em...

Um monte de processos está transformando meu pobre cérebro em um festival de fogos de artifícios. Tento lembrar da pronúncia correta e do significado de cada palavra, o trem de pensamentos descarrila e a Cecília Meireles aparece de repente lembrando que a poesia tem asa ritmada, o Jobim diz qual é o tom, a galera do Roupa Nova já está lá no Clube da Esquina pedindo um Whisky à go-go. Tento casar a sílaba certa com as passagens, os calos doem, mas firmo os dedos nas cordas então canto porque o instante existe.

Estou na metade da gestação desse novo aprendizado, enquanto isso o El Cabong (Sou esse tipo de doido que dá nome ao violão, no caso em uma referência a um antigo personagem de Hanna Barbera) anda por aí comigo debaixo do braço e se tiver motivo é mais um... (não dá ainda para dizer samba, a levada é bem difícil, mas eu chego lá).

Mando um áudio para o Ciro, que tem muito mais estrada, e ele compara fazer música as artes marciais, assim temos mais uma coisa em comum para celebrar nossas conexões apesar de estarmos metade do globo terrestre distantes. Chego na casa de amigos perguntando se gostariam de ouvir alguma das músicas que finjo saber. Fico ansioso pela chegada da quinta-feira para ter mais uma aula com o professor Renato. Resisto a tentação de enrolar quando a música nova é difícil. Compartilho momentos com a Aninha e as vezes até tocamos juntos. Inevitavelmente penso nas relações matemáticas.

Agora entendo a tigresa que simplesmente disse: Como é bom poder tocar um instrumento!

Então, se você pode dispor de um tempinho para cuidar de sua alma não deixe essa oportunidade passar: ACORDE.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Sobre a chance de ficar quieto

Foi uma tremenda gafe no meu último treino: parei lá no meio do estúdio de pilates, pedi a atenção de todos e fiz um tremendo discurso em homenagem a minha professora. Os presentes chegaram a uma nítida emoção. Assumo que tenho um certo jeito com as palavras e estava mandando muito bem, só não entendi quando terminei e tudo redundou em uma gargalhada geral, justo quando desejei feliz aniversário para a Val.

O problema é que não se tratava da data natalícia dela e sim o dia do profissional de educação física. O que com certeza explicava tantas congratulações para ela no grupo de zapzap.

Assim que conseguiu controlar a respiração de tanto rir a Aninha puxou minha orelha: “viu seu cabeçudo, vive reclamando que ninguém lê o que você escreve e é incapaz de interpretar uma simples conversa no zap”.

Mesmo com a cara de pimentão voltei a pedir a palavra e disse que mantinha tudo o que disse e que esperaria o aniversário dela para homenageá-la novamente, desta vez por ser professora.

Sou o príncipe das gafes. Lembro, por exemplo, quando estava curtindo uma onda como intérprete para um grupo de americanos do Texas em pleno auditório A do Quartel do Comando Geral do Corpo de Bombeiros. Para quem nunca fez isso tenham em mente que essa é uma das atividades cognitivas mais cansativas que há. Além do mais, naquele dia já havia traduzido por horas a fio. E lá vai o gringo dizer que o acidente com uma motosserra é comparável a um ataque de piranhas. É óbvio que quando ouvi a palavra entrei em pânico e acabei traduzindo como “manada de piranhas”. O riso estourou no auditório enquanto eu explicava para o Tio Sam o que estava acontecendo. Atônito ele perguntou como eu iria resolver isso. “Deixa comigo” a boa e velha frase que proferimos quando estamos prestes a piorar as coisas, imaginando que somente uma piada poderia salvar o dia, e assim mandei um: “Gente desculpa aí, todos sabemos que manada só pode ser de peixe-boi”. Fecha o pano!

Mesmo assim pode até ser que você queira saber o que disse lá no pilates, mesmo que eu não venha a lembrar das palavras exatas, mas foi algo que lembrava que a amizade é o amor sem ciúmes, grandes mestres são pessoas essencialmente generosas e que eu ficava feliz por ela ajudar a tanta gente.

Tenho uma queda pelos professores de atletas, mesmo quando o suposto atleta tem mais barriga que qualquer outra coisa. Por outro lado, minha física não vem junto com a palavra educação ela fica ali muitas vezes intransponível e aprisionada em um quadro de giz (referência de velho) enquanto a de vocês rodopia nos sorrisos das crianças de todas as idades.

Então fica aqui meu muito obrigado a todos vocês que generosamente nos tiram da inércia, nos dão uma força e aceleram nossos corações.