sábado, 21 de janeiro de 2023

Dada

Naquela noite só consegui apaziguar a mente depois da exaustão. Logo uma luz intensa me chamou para um sonho vívido, colorido, atemporal.

Então vejo que o laranja intenso vinha espalhado do manto dele.

Fiz milhões de perguntas cada uma delas foi respondida com um sorriso e nada mais.

Minha única opção era copiar o que fazia.

Cada movimento tinha um significado, sutil, pleno.

Mentiria se dissesse que os compreendia, porém fui passo a passo intuindo cada detalhe e sua simbologia.

Depois um outro eu chegou, como sempre ocorre nos bailes de máscaras. Era inquieto, perturbado, uma pedra jogada no lago. Só me sinto bem novamente quando ele parte, levando consigo/comigo sua sombra.

Então fiz a pergunta que o mestre resolveu, finalmente, responder: “Por que não perdeste a paciência?”

- Em breve ele estará morto, devemos ser gentis com os moribundos.

- Sabes quando ele partirá? Não sabia que tinhas tamanho poder!

- Claro que não sei.

- Então por que dizes que é moribundo?

- A vida é breve.

- Ainda não entendi, posso perguntar mais? O que mais podemos dizer um ao outro?

- Não direi mais nada, além de que em outra vida irei te responder quando eu estiver em teus braços.

- Não se vá mestre! A ainda muito a ser dito. Por favor, não vá. Por favor... por favor... por fav... por..

Acordo banhado em lágrimas só me consolo ao perceber aquelas seis cordas olhando de volta para mim.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Infravermelho

Ele havia prometido um dia branco, se branco ele fosse.

Lá no caminho do infinito o sol discordava.

O dia seria vermelho.

No vestido revestido de luz.

Nos olhos marejados de sono.

Nas pétalas da rosa.

No sinal fechado.

No sangue que pulsa.

Na conta do banco.

 

O que houve?

Sem prova de vida.

Ela estava tão dedicada a viver que esqueceu da vida.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Memento mori

 Disparado de todas as qualidades humanas a que sou mais incapaz de aprender é  saber quando calar.

Os sinais estão espalhados por aí. Lembro da figura da enfermeira estampada nos corredores dos hospitais com o indicador cruzando os lábios. As placas nos ônibus informando que deveríamos falar ao motorista somente o necessário. O cala boca Bárbara do Chico. O Silêncio ele está dormindo em uma canção que ecoa na memória e toca meu coração. A aula de yoga. O torcedor do jogo de tênis. A explosão no vácuo.

Então, por que nunca aprendi uma lição tão básica? Talvez meu melhor amigo esteja certo e eu seja o cara inteligente mais burro que ele já conheceu. Resumindo uma anta com Q.I. de 400... pobres antas.

Sofro de sincericídio, doença genética e congênita associada a (quase) toda minha família, e digo quase somente para estabelecer uma apertada margem de erro. Não vou falar, não vou falar, não vou FALEI. Lembrando o bode do filme de animação de deu a louca na Chapeuzinho.

Sei que a palavra vale prata e o silêncio vale ouro. Mas o que é o tal do ouro senão uma porcaria que reafirma as desigualdades do mundo e deixa mercúrio espalhado nos rios, matas e comunidades.

Há algo em mim que fala, que canta e grita.

Mas se você disser que eu desafino, amor, vai tomar... que eu não sou cantor.

domingo, 1 de janeiro de 2023

Só mais um dia

 

Dentre as coisas que me meti a fazer no ano passado está o corajoso ato de aprender a tocar violão. Estou à beira dos 60, então esse projeto tem algumas coisas fáceis e outras coisas difíceis, vamos a elas:

Cantar junto é fácil, acertar o ritmo é difícil. Entender com a cabeça a lógica matemática da música tem sido fácil, tocar e achar o tom certo com as mãos é difícil. Encontrar tempo para tocar, agora que estou aposentado é fácil, convencer a Aninha que não tenho nenhuma outra obrigação é difícil. Ter dedos calejados é fácil, lidar com o corpo caloso do cérebro é difícil.

Imagina cantar e tocar em público! Pra mim é fácil, para a Aninha é quase impossível, consequência de tanto óleo de peroba que passei na minha cara ao longo dos anos.

Difícil mesmo é traduzir Yesterday justo na frase em que diz “não sou a metade homem que costumava ser”. Pensa bem... há meia hora eu era bombeiro, um sonho de quase todo mundo que conheci, não importa muito que para mim muitas vezes não passou de uma realidade dura. Simplesmente encarnei o arquétipo. Do mesmo jeito que aqui e agora encarno outro: o do contador de estórias.

Mesmo assim já escolhi mais uma música para aprender. Se fui de Paul Yesterday vou de Lennon tomorrow.

E faço isso porque estou vivo e penso que o dia só se completa se eu aprender algo novo, mesmo que seja apenas um acorde. Concorda?

Ainda tenho que ler o terceiro livro do Patrick Rothfuss, aquele desgraçado que está me enrolando e não publica o “Doors of stone” de jeito nenhum. Ainda vai sair outro filme do Avatar. Uma série nova de Jornada nas estrelas está no forno. Ainda não entendi direito os detalhes do movimento rotacional, imagina então aprender o que é campo quântico!

Talvez seja muito. Amanhã será um novo dia, até lá só quero aprender a tocar imagine. Quem sabe Papai do Céu me concede essa graça?

No fim das contas aqui estou eu, do mesmo jeito que minha mãe estava justo um mês antes de partir quando me disse: ‘tenho muito a aprender”. Também tenho querida, e um violão tem me ajudado um bocado.