domingo, 30 de junho de 2024

A raíz de menos um

 

- Bicho,  você não vai acreditar! Tô namorando uma mina sensacional.Ela é uma gata, maneira e esperta.

- Mentira, C não pega nem resfriado!

- Não acredita? Olha a foto dela aqui.

- Já sei, recortou de uma revista e fez uma montagem. Cara, tá precisando ir pro Pinel. Todo mundo mandou a letra que ia ficar doido de tanto estudar matemática.

- Juro. Ela não é imaginária que nem a raiz de menos um.

-  Beleza, C tá namorando a mina, mas ela sabe disso?

- Ainda não, tô meio tenso de falar com ela. Acho que quando ela souber disso ela desmancha comigo.

Era bem o tipo de conversa que nós tínhamos frequentemente, entre o humor e o desespero. Afinal quem ia querer os caras duros, magricelos e desengonçados que viviam discutindo sobre o último episódio de Jornada nas Estrelas?

Se a viagem no tempo fosse possível e não causasse paradoxos de fluxo espaço-temporais (algo como - tudo bem você conseguiu voltar no tempo, mas já parou pra pensar que a Terra mudou de posição o suficiente desde então para que você voltasse justo no núcleo de uma estrela?) eu falaria pro cara de 14,15, 16,17 ou 18 pra ficar calmo que a hora iria chegar.

Ontem tirei essa foto dela aí, que não é montagem e nem foi recortada de uma revista. Eu havia acabado de tocar Todo azul do mar em homenagem a ela e aproveitei um segundo de distração para mostrar ao mundo que a garota realmente existe. Para completar a história ainda teve a audácia de dizer que não gostou da foto, pois não estava bonita (meu Deus! Ela não tem ideia do quanto é linda!)

Para o cara de 19 que finalmente a encontrou poderia dizer que More than words só faz sentido agora se pegar o coração dividido (dois átrios e dois ventrículos) e entregar as quatro partes para ela, a tal ponto que matéria, espírito, espaço e tempo mostrassem um único sentido possível para a vida.

Nessa história cada um dos pedaços é que têm o valor de i (se você não entendeu isso assista minhas aulas sobre números complexos), e que i elevado a quarta potência é igual a um, pois é isso que somos.

 

quinta-feira, 27 de junho de 2024

Média 5

Havia duas juradas no programa de calouros. Uma era Márcia de Windsor, a outra era Aracy de Almeida.

Não importava muito o que o calouro fazia, pois o comportamento delas não variava. Márcia balançava as joias e sorria com seus olhos azuis (Pixinguinha que o diga) e bradava: minha nota é dez!

Araci dava um pigarro e vociferava é zero!

Um dia foram entrevistadas juntinhas e o repórter não as poupou da pergunta óbvia.

Araci conta que o faz por pena daqueles que jamais teriam condições de sobreviver a dura carreira artística, as gravadoras, as letras pequenas dos contratos e, aos empresários que só queriam tirar proveito.

Márcia lembra que um dia fora convidada para cantar Yesterday com uma enorme orquestra. Ao subir no palco esqueceu a letra e cantou a melodia inteirinha com um hum-hum-hum sem fim. Foi as lágrimas, pois tinha convicção de sua breve carreira tinha sido cancelada. Só que quando termina destroçada foi surpreendida pelo público que a aplaudiu de pé por uma eternidade.

Desde então, passei a entender que o primeiro passo de qualquer avaliação é avaliar o avaliador.

Hoje mesmo recebo a resposta de uma editora me incentivando a defenestrar um projeto de mais de quarenta anos, pois um livro de crônicas e poesias com 280 páginas ninguém lê.

Ela trabalha com isso e deve ter razão. Mesmo assim, devo declarar que o que conto deve estar crivado de viés e imprecisões, por exemplo, sobre a cor dos olhos da jurada. Afinal a TV lá de casa era em preto e branco.

Então posso até pensar que deve haver exceções pois essa é a página 281.