Lecionar para adolescentes nunca foi bolinho e a sala de aula estava especialmente agitada naquela tarde. Era a hora de usar a velha tática de passar uma música dos Beatles, a molecada sempre ficava espantada de uma banda tão velha ser tão maneira. Todavia a escolha de 8 days a week logo mostrou ser uma péssima ideia. Foi simplesmente impossível tentar explicar a eles que o número de dias não se tratava de um erro de digitação ou de aritmética. E que era aquilo mesmo que o Paul queria dizer entre um sustenido e um bemol.
Traduzir é difícil mesmo e quando é letra ou poesia a coisa fica feia. Além do mais devo declarar que tenho aversão a versões, a exceção do Beto Guedes ao perceber que os sinos na colina combinam com o perfume de todas as rosas, ou o Chico salvar a letra mequetrefe de Yes it is com um vento que passou.
Em (quase) todos outros casos não dá para traduzir sem que as ideias, as palavras ou sentido fiquem espalhados pelo chão. A lira rima com surpresa e não se conforma em dizer o óbvio. Então vamos lá: prefiro ser o serviçal de um samurai nos temores de um deserto ao som do zum de um besouro a me deitar sob um coqueiro que dá coco.
Que os olhos sorriam toda vez que alguém diga que o que é imortal não morre no final. Que lembremos da rosa por deuses esculturada enquanto passa a mulher traída que oferece 50 reais para o marido pagar a amante. Que a saudade seja afogada no copo de um bar e não na boquinha da garrafa.
Tudo isso quicou na minha cabeça ao finalmente entender que “todo mundo tem algo a esconder, exceto eu e minha macaca” de uma letra bem desencontrada do Lennon. O fato é que eu traduzia esse trecho usando a expressão “para mim e para minha macaca”. O que obviamente não fazia sentido algum. Pensar com cuidado no contexto salvou o texto, pois isso só ficou claro quando lembrei que que a Yoko era preconceituosamente atacada, e um monte de “gente” se referia a ela como chimpanzé. Então, o autor de Imagine decidiu declarar o seu amor ressignificando as palavras dos detratores. Assim “nada a esconder” poderia se referir ao modo que eles se apresentaram na cama para a imprensa em sua lua de mel.
Outro dia Djavan explicou o colorido de seu açaí, o que considero uma pena enorme. Metáfora e piada não foram feitas para serem explicadas. Se o fossem eu gostaria muito entender o porquê do coqueiro que dá coco tem que dar 50 reais na boquinha da garrafa para o marido imortal, aquele que não morre no final.