Como sobrevivi a vida de concurseiro, muitos que hoje ainda o são me perguntam como consegui lidar com as matérias para as quais não tenho talento nenhum. Conto que desenvolvi duas formas de escrever: a que faço agora como os bêbados que não têm compromisso nenhum de serem entendidos; e outra para redações e correspondências profissionais. Para esta uso o pouco que aprendi sobre coesão e coerência e um bocado sobre lógica (faz aí o sinal de prosperidade Vulcano), para aquela duas taças de vinho resolvem bem.
Então fiz essa proposta ao meu amigo Baruc, que sabe de verdade fazer e ensinar como funcionam as redações nota 1000 do ENEM, e logicamente a proposta foi gentilmente recusada. Pois o que é para a matemática nem sempre vai funcionar para a língua de Camões. Veja esses dois conectivos OU e E: se eu for explicar basta desenhar o diagrama de Venn e lembrar a teoria dos conjuntos. Se a mesma missão for dada ao Baruc... bem boa sorte para ele.
Isso ficou mais claro para mim justo ontem quando conversei com a caixa do supermercado que relatou que ela cria sua filha para se lançar no mundo, enquanto a mãe dela reclama a constante falta da neta. Ao me perguntar qual das duas estava certa respondi: as duas, e nenhuma ao mesmo tempo. Sei que sem explicar muito chego a uma encruzilhada inescapável que nenhum diagrama pode conter no conjunto dos números reais.
O mesmo pode ser dito da frase “Exu joga hoje a pedra que mata um pássaro ontem”, ou ainda “O paradoxo estendido na areia”. Essas premissas só fazem sentido se o tempo fizer curvas e se o poeta e o esfomeado forem a mesma pessoa. No primeiro caso nem Einstein pode resolver, mesmo que esteja a 300.000 Km/s, no segundo se forem duas pessoas a situação seria rebaixada a uma antítese.
Voltemos aos filhos e suas autonomias.
Se criar fosse uma ciência exata tudo seria mais fácil. Assim poderíamos determinar a medida certa entre a camisa engomada ou repleta de lama. Mas não temos nem de perto o poder de Exu, nosso tempo é linear (pelo menos quando não estamos em alguma fila de espera). Assim ter as crianças perto ou independentes têm um resultado tão preciso quanto saber se a luz vai se comportar como partícula ou se ela vai tirar onda.
Talvez a única resposta seja a construção de uma relação amorosa e honesta. Digo isso mesmo sem acreditar na história de metade da laranja, apesar de ter encontrado a minha.
Nos resta apenas rezar para que tudo dê certo no final. Ou seja, desejo para você o que aconteceu comigo. Meu filho está a um oceano de distância, mas não poderia estar mais perto de meu coração. Minha filha poderia se chamar Adeline, como a linda canção que estou aprendendo a tocar para ela que é Clara como a luz do Sol, só que essa pedra eu não posso jogar em 1998.