segunda-feira, 18 de agosto de 2025

O pronome neutro

“Senhor Reno”, chama a atendente, “pois não”, respondo sem corrigir. Entro no consultório, sem nenhum propósito de vendeta erro o nome da médica, que me fuzila com olhos verdes e S O L E T R A, a forma correta com a qual devo tratá-la. Se fosse alguém de meu círculo ela já saberia minha resposta padrão.

Quem tem nome estranho deveria estar acostumado. Já fui Rômulo, Ramos, Renê, Breno, Romo e até Rambo. Aprendi a não ligar para isso. Na verdade, chegou a ser uma vantagem quando eu era moleque e nenhum apelido pegava. Já tentaram Terremoto, o que seria muito adequado ao meu jeitinho polido e sereno. Mr Oar, em um Cursinho. Isso tudo sem contar pau d’água, só que na época eu não bebia.

Já falei sobre isso aqui mesmo, mas é estranho ter nome de príncipe sendo um vira lata, basta ter visto qualquer novela da década de 80 para saber que Albuquerque é nome de rico. O bom é que isso tudo deixa uma piada pronta para começar qualquer palestra. Se, por outro lado, uma pessoa realmente se interessa pelo assunto acaba virando uma boa forma de quebrar o gelo, pois ai vou lembrar da lenda da qual veio meu nome e na versão longa desfilar o nome de meus outros irmãos e irmãs o que vai do óbvio Rômulo a inesperada Cleópatra.  Ou seja, está de boa. Mesmo assim pensar nisso tudo justo em uma segunda vai virar tema para a terapia logo mais.

Sei que há pessoas que chegam a entrar na justiça para mudar de nome, afinal ninguém merece ser chamado de Um dois três de Oliveira Quatro, Eustógio ou Riroca. Sobre essas pessoas tenho a vantagem de ter um nome apenas incomum. Então, se você errar tudo bem. E aqui chega o momento de dizer a tal resposta padrão: só a Aninha que não pode errar meu nome.  

Esse assunto todo está mais que batido, só voltou aos meus neurônios depois do jogo de ontem. Sempre chamei o estádio de Morumbi, mas depois do chocolate que demos ontem decidi por um S no final, pois assim é que it (desculpem não sei mais como traduzir esse pronome) quer ser chamado. Uma multinacional pagou uma baba para que assim seja. Não é como uma minoria que paga muitas vezes com a própria vida por se auto referir fora da regra culta da língua de Camões.

Remo Noronha de Albuquerque

PS. Tive que voltar no consultório, pois o farmacêutico não deixou pegar o remédio, ele é um desses raros seres humanos que sabe que vale o que está escrito. Até mesmo desconfio que já foi apontador de jogo.

quinta-feira, 17 de julho de 2025

A pedra e o pássaro

Como sobrevivi a vida de concurseiro, muitos que hoje ainda o são me perguntam como consegui lidar com as matérias para as quais não tenho talento nenhum. Conto que desenvolvi duas formas de escrever: a que faço agora como os bêbados que não têm compromisso nenhum de serem entendidos; e outra para redações e correspondências profissionais. Para esta uso o pouco que aprendi sobre coesão e coerência e um bocado sobre lógica (faz aí o sinal de prosperidade Vulcano), para aquela duas taças de vinho resolvem bem.

Então fiz essa proposta ao meu amigo Baruc, que sabe de verdade fazer e ensinar como funcionam as redações nota 1000 do ENEM, e logicamente a proposta foi gentilmente recusada. Pois o que é para a matemática nem sempre vai funcionar para a língua de Camões. Veja esses dois conectivos OU e E: se eu for explicar basta desenhar o diagrama de Venn e lembrar a teoria dos conjuntos. Se a mesma missão for dada ao Baruc... bem boa sorte para ele.

Isso ficou mais claro para mim justo ontem quando conversei com a caixa do supermercado que relatou que ela cria sua filha para se lançar no mundo, enquanto a mãe dela reclama a constante falta da neta. Ao me perguntar qual das duas estava certa respondi: as duas, e nenhuma ao mesmo tempo. Sei que sem explicar muito chego a uma encruzilhada inescapável que nenhum diagrama pode conter no conjunto dos números reais.

O mesmo pode ser dito da frase “Exu joga hoje a pedra que mata um pássaro ontem”, ou ainda “O paradoxo estendido na areia”. Essas premissas só fazem sentido se o tempo fizer curvas e se o poeta e o esfomeado forem a mesma pessoa. No primeiro caso nem Einstein pode resolver, mesmo que esteja a 300.000 Km/s, no segundo se forem duas pessoas a situação seria rebaixada a uma antítese.

Voltemos aos filhos e suas autonomias.

Se criar fosse uma ciência exata tudo seria mais fácil. Assim poderíamos determinar a medida certa entre a camisa engomada ou repleta de lama. Mas não temos nem de perto o poder de Exu, nosso tempo é linear (pelo menos quando não estamos em alguma fila de espera). Assim ter as crianças perto ou independentes têm um resultado tão preciso quanto saber se a luz vai se comportar como partícula ou se ela vai tirar onda.

Talvez a única resposta seja a construção de uma relação amorosa e honesta. Digo isso mesmo sem acreditar na história de metade da laranja, apesar de ter encontrado a minha.

Nos resta apenas rezar para que tudo dê certo no final. Ou seja, desejo para você o que aconteceu comigo. Meu filho está a um oceano de distância, mas não poderia estar mais perto de meu coração. Minha filha poderia se chamar Adeline, como a linda canção que estou aprendendo a tocar para ela que é Clara como a luz do Sol, só que essa pedra eu não posso jogar em 1998.

terça-feira, 1 de julho de 2025

TEMP(L)O

O tempo que contemplo

É a medida entre o ínfimo e o infinito

A curva que se faz espaço

O Deus Olímpico que devora

A menina que se assenhora

O futuro que que se constrói com escolha do agora

O espelho que requebra na entropia

O que não pode voltar, sequer um dia

É aquele que nos prega as peças

Peças revividas com papéis diferentes

A mãe, o pai, o avô... em início fim e meio

Até mesmo para o filho que não veio

A areia que desconta

A estrela que desponta

E enfim, a (in)certeza do fim.

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Encontro


Para Flávio, um Rocha que pensa diferente

 

Um é Luís o outro Luiz, nem sei se esses e zês podem ser a diferença entre eles. Por isso digo o que sei: um é filho de Januário, outro de Luís. Um tem sete baixos, o outro o violão. Um nasceu para ser guache na vida, o outro tenta ser um homem direito. Um reclama que uma esmola para alguém são ou mata de vergonha ou vicia o cidadão. O outro diz que um homem se humilha se castram seu sonho que é sua a vida e a vida é o trabalho. E tanto andaram de viés que se afastaram irremediavelmente.

Um dia resolvem que a vida deles é andar por esse país pra ver se um dia há um descanso feliz. Um encontro que aconteceu de fato, a despeito de ser tão improvável.

Sei bem o que passaram. Visões de mundo mais nos afastam do que unem. Penso que o politeísmo de tempos passados bem poderia ser uma solução melhor que se chamar Raimundo. Se Deus é único, quem é o único que sabe quem Ele é, e pode realmente dizer que todos outros são meros teatros burlescos com suas mitologias inverossímeis e improváveis?

Enquanto isso uma boa banda não pode ser só de guitarras, do mesmo jeitinho uma boa ideia guarda em si a probabilidade de estar errada, pois assim não sendo é só mais um fundamentalismo barato. Sei o que não sabes e sabes o que não sei (o que está dito tão fora de registro que nem deveria estar aqui em um espaço informal). Enquanto isso vejo o leão perseguir o antílope, aquele que correr menos não vai saber com termina a história. No fim ambos são grama.

Ontem tomei coragem e liguei. Você tomou coragem e atendeu. Coragem tem origem em coração. Então não posso dizer que discordo de você, pois essa é uma outra palavra que põe cordas no coração, apenas pensamos diferente, e temos muito que aprender juntos.

domingo, 4 de maio de 2025

Coquetel

A idade nos traz doses de ressentimento e gratidão. 
A porcentagem que escolhemos de cada um desses ingredientes faz toda a diferença.

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Saudade e nostalgia

Ando meio cansado de ouvir que a palavra saudade só existe em português. Deixa eu (deixa-me - eu não aguento – pode até ser certo, mas é feio pra cacete!) dizer uma coisinha: NENHUMA PALAVRA SEQUER DE UMA LÍNGUA PODE SER TRADUZIDA TOTALMENTE PARA OUTRA. Imagina, por exemplo, que você nasceu em uma oficina mecânica e todos os seus parentes são mecânicos. Então quando falarem rebimboca da parafuseta vocês vão saber do que se trata, apesar da família de sua namorada em que todos são pescadores não tiverem ideia do que você está falando.

A coisa piora se alguém arrisca a cantada: ‘saudade do que ainda não vivemos”, que poderia até ser fofinho, não fosse dito por um macho tóxico. O tipo de cara capaz de ajudar um amigo (supostamente – olha aí meu jurídico imaginário) estuprador.

Saudade pode ser até única, porém acredito que as palavras têm significados vindo tempos imemoriais, perceba aqui que a origem (em termos de língua e história) fazem com que seja difícil até mesmo encontrar traduções (ou melhor sinônimos) na mesma língua. Saudade não é o mesmo que nostalgia, pois esta tem tudo a ver com dor (olha que a Marisa Monte tem a dela, eu a minha e você a sua), e apesar de saudade doer lá dentro é também fonte de prazer (a cantada já citada que o diga).

Talvez a culpa seja do tal Dom Sebastião. E antes que você me xingue por trazer referências que quase ninguém lembra, trata-se (que vontade de dizer “se trata”!) da história de um príncipe que morreu nas cruzadas. E deixou o povo português chupando dedo com saudades do que nunca viveu. Se ele voltasse e mantivesse os privilégios da corte como todos os outros de antes (e depois) fizeram, ninguém teria saudades. Seria mais uma dor lembrar dele.

Como torço pelo time que tem mais história que presente, observo que o Vasco também sofre desse tal sebastianismo. O problema se agrava com o fato de que nossos reis e príncipes fizeram muito mais que se perder em terras distantes. Foram grandes de fato. Cabe a nós sabermos que hoje usam bengalas ou pelo menos óculos bifocais.

E perdoem a fala etarista, mas deixemos atletismo para atletas e não para jogadores aposentados em atividade. Esse é o mesmo discurso que faço ao dizer que (quase) qualquer um pode ser bombeiro. E estabeleço o seguinte teste: Tenho 113 Kg, se eu me jogar aqui no chão você pode me arrastar por 30m, trajando roupa de aproximação e cilindro? Se a resposta é não sinto muito, fica pra outra encarnação. Há uns 10 anos eu seria capaz disso, hoje não mais. Por isso é que estou na reserva (ou seja, aposentado).

Então não me fale de saudades e de voltas, me fale como preparar quem está por vir, não me diga amanhã você quer sentir saudades como um (bom e) velho samba. Diga que nesse Sanatório Geral vai passar, como neste outro (ainda melhor) samba pra nossas novas gerações.