domingo, 19 de novembro de 2017

Tudo que preciso na vida é uma praia e uma água de coco.
Mas quando as tiver, tudo isso me parecerá pouco.

segunda-feira, 6 de novembro de 2017


REDAÇÕES

Dois fatos recentes sobre a redação do ENEM me chamaram a atenção neste final de semana, o primeiro foi a controversa decisão do Supremo Tribunal de impedir que a nota zero fosse cravada para quem opina de maneira ao menos detestável. Isto me põe nas cordas do ringue quanto à possibilidade de ter uma opinião definitiva. Se por um lado certas falas não contribuem em nada para a construção de seja do que for, o direito de ter uma opinião (despreparada, estranha, destrutiva ou simplesmente escrota) é um dos pilares do que deveria ser uma democracia. Mas não é disso que eu quero falar.
O segundo foi o tema escolhido, que fala de inclusão, de respeito ao próximo e de solidariedade. Penso que a banca deveria ter sido um pouquinho mais genérica. Afinal o jovem que não teve a oportunidade de conviver com alguém que tem uma certa dificuldade poderia ser prejudicado lá no final da redação quando se espera dele ser um tanto especifico, como requer os bons manuais espalhados aos quatro ventos.
Sobre surdez só tenho uma história interessante para contar. Tenho um amigo que é tão chato quando joga bola que conseguiu ser expulso por um árbitro surdo. O motivo foi revelado pelo gesto de estender a mão direita para o ar brandindo um cartão vermelho e a esquerda juntar os dedos intermitentemente perto do ouvido mostrando que o Izo estava falando demais.
Só que a surdez que mais incomoda deveria sim ser motivo de exclusão. Se trata da surdez política. Esta tem os sintomas da vaidade e do benefício pessoal em detrimento do interesse público. Se revela quase tão instantaneamente quando da assunção no cargo, já que poder e vinho são dois soros da verdade. Mas também não é disso que eu quero falar.
Sobre lidar com alguém especial mais próximo eu lembraria da minha linda aluna, a Cris, a quem sempre chamei de minha pequena vascaína.
Sim! É sobre ela que quero falar.
Quando recebi pela primeira vez uma prova de suas mãos vi dois fatos reveladores: um coração belamente desenhado sobre o meu nome e todas as questões resolvidas como se fossem regras de três.
Quem não é iniciado em física ou nunca teve aulas comigo provavelmente não sabe o que sempre digo: Meus caros antes mesmo de chutar uma resposta, pense se uma grandeza é linear, quadrática ou cúbica. Se você dobrar as dimensões de um cubo suas arestas vão dobrar, sua área quadruplicar e seu volume será multiplicado por oito.
No dia de entregar a prova, entretanto, lá estava com a camisa do meu time sob o uniforme da escola. Ela me deu um abraço interminável e me disse que era uma boa aluna e esperava por uma nota boa.
Sobre uma perspectiva simplista ela não havia atingido os objetivos do curso, não demonstrando o entendimento pleno do que é física.
Mas vou te contar um segredo desde que você não divulgue para os meus alunos: eu também não sei.

Só sei que desenhei dez corações pertinho do nome dela, que foi uma das pessoas que mais me ensinou o que é ser professor. Ou melhor, o que é ser gente.  

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

e nem tô aí

Acabei de assistir o final de uma palestra brilhante de um baita educador. Didática deve rimar com amor, com dedicação com colaboração.
 Concordo, estamos mais preparados para avaliar, medir, estabelecer quem são aqueles que têm e os que não têm o tal do mérito para subir os degraus das escadas corporativas.
Isso é profundamente válido para as crianças, que aguardam acolhimento e atenção. Meu nicho de trabalho é outro, meu barato são adolescentes e jovens adultos. Estes caras merecem saber que a sua vida não se define por uma nota ruim, ou na repetição do martírio de mais um ano de ENEM.
Concomitantemente já que é para falar de vestibular uma imagem não consegue escapar de minha cabeça doída e doida. Todo ano choro de rir, rio de chorar; mas no fim das contas o que chega é a depressão ao ver a mesma reportagem sobre o aluno que só chega após o portão fechado.
Meu Deus do céu e da Terra, mas será o Benedito! Será que esta criatura não consegue chegar na hora certa, pelo menos no que poderia ser o dia mais importante de sua vida?
Só compreendi o que realmente acontece quando vi o novo filme do Thor (spoiler alert), no qual o Ragnarok seria resolvido com os maiores inimigos de Asgard se destruindo mutuamente. Caraca! Quem sabe mais do que eu sobre a mitologia nórdica em meu vasto conhecimento derivado da leitura dos antigos gibis da Marvel me corrija! Pelo que imagino este evento é o fim do mundo, o motivo pelo qual Odin aceitou perder um olho. Um vale de lágrimas, corpos espalhados no chão, desespero e fim. E Fim. E fim.
Tudo bem eu acho o lance hollywoodiano mó barato! Mas não é o que eu esperava.  
Do mesmo modo eu não esperava que fizessem uma propaganda com o goleiro francês tomando gol de pênalti de todos os brasileiros frustrados pela copa de 98.
Nem mesmo esperava ouvir uma música sertaneja na qual a mulher traída se mostra tão nobre a ponto de dar uma grana para seu futuro ex pagar uma prostituta.
O que estes eventos têm em comum? Um jeito estranho de transformar uma tragédia em algo mais palatável.
Afinal quem disse que eu perdi alguma coisa? Essas uvas não me interessavam mesmo! Isso não foi bem assim. A culpa não é minha. Não fui eu quem errei. Não é tão ruim. O Brasil só perdeu por que vendeu a copa (Zidane esculachou de novo oito anos depois? Quem é Zidane?).
O que esquecemos é que desvalorizar as derrotas imediatamente fazem o contrário. Assim como só entendemos a grandeza de alguém quando nós o perdemos.
As crianças devem ser protegidas da competição selvagem e devem ser nutridas para passo a passo aprender a lidar com um mundo feroz, que vai exigir que um piloto de avião ou um médico não podem errar nunca. Que um errinho de conta de nada derruba uma ponte, um marujo atrasado para pegar um navio é preso por deserção.
Enfim, em algum momento o cara é (ou deveria ser) sacodido pela realidade na qual a gazela e o leão tem que acordar cedo e correr um bocado, sob a pena de morrer seja atacado ou de fome.

Enquanto eu não consigo entender todos os aspectos desse processo, que tal fazer uma vaquinha para dar um despertador para um vestibulando desavisado? 

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Olha, você é aquela
Canção mais singela
Que um dia cantei
Quero, ficar bem pertinho
Sentir o carinho que tanto sonhei
E, ao beijar o seu rosto
Sentir o seu gosto me faz flutuar
Não me negue o seu belo olhar
Quero ter perto de mim
Para sempre seu jeito assim
Em meus sonhos, toda noite está
Sua face de tanto luar

Eu vivo só pra te amar

terça-feira, 3 de outubro de 2017

(IN)CERTEZAS

Uma folha em branco deixa de assim a ser quando recebe um carimbo escrito: Em branco.
Se um menino puser uma capa azul ele não vira o super-homem, e caso tenha a infeliz ideia de pular da janela... bem vocês sabem, a lei da gravidade (ainda) não foi revogada.
Quis começar este texto com algumas certezas, pois cada vez menos as tenho.
Não sei se alguém quer me dar um golpe.
Não sei como o universo se organiza.
Mas, posso dizer que tem um punhado gente um pouco mais perdida por aí.
Vi, outro dia um vídeo de um congressista se dizendo preocupado com a colisão de um planeta de nome estranhíssimo com a Terra, e de que forma o Congresso deveria se preparar para o evento.
Caraca! Esse cara não tem uma assessoria mínima? Perguntei a um amigo. Não há ninguém para avisar que ele está pagando um King Kong? Bem... ele disse. Se o cara está perdido assim imagina o naipe de assessores que ele escolhe. Além do mais quem vai correr o risco de bater de frente com a otoridade?
Chega outra informação. Esta já vale a pena. Um cara fez uma pesquisa que delineou que o maior indicador de que alguém vai participar do crime organizado não é a condição social, nem a origem geográfica da pessoa (o que sei de experiência própria, as favelas estão apinhadas de gente decente e trabalhadora!), mas sim da evasão escolar.
O processo seria mais ou menos assim, o guri não vê a escola como uma chance de melhorar de vida, logo se desinteressa. Depois vê seus resultados despencarem. É chamado de burro a torto e direito e direto. Foge da escola. Toca a vida de outra forma.
Bem isso não contempla as falhas de caráter. E elas também existem. Digo ainda que o desempenho acadêmico não tem relação direta com a educação do coração, aquela que outras pessoas preferem chamar de berço. Não uso este termo por entender que há órfãos de bom caráter e filhinhos de papai que não prestam.
Fica ainda a questão que não quer calar, a quem interessa uma escola que não funciona?
Seja como for a escola deveria ser um ambiente acolhedor. E quando assim o é se torna um lugar mágico, mesmo que não seja Hogwarts.
Sei disso porque assim era a Baden Powell, lá em Guadalupe. Guardo com carinho o nome dos amigos: Carlos Alberto (que Deus o tenha), seu irmão, Carlos Augusto, Evandro, Jaceara, as duas Ivanas, Maria, Athaide... Ah! Bons tempos.
Só que não podemos esquecer dos atores principais: eles exigiam disciplina. Contavam histórias. Liam para nós o Homem que Calculava de Malba Tahan ou o Pequeno Príncipe. Desenhavam o mapa mundi, uma célula, um organograma, nos ensinaram gramática e poesia, nos faziam ler Érico Veríssimo. Nos contavam como era o universo, a Terra, e as estações.
Maele, Nolasco, Fernando e o inesquecível Chicão.
Obrigado por não nos deixar pagar mico.
Obrigado por não permitir que a vaidade nos leve a conclusões absurdas, mesmo que a nossa assessoria não nos corrija.
Obrigado por tornar a Baden um lugar melhor que a rua.

Uma geração inteira de Guadalupe agradece.

domingo, 24 de setembro de 2017

SOBRE O BARROS, MARINHO, RICARDO BRANCO, RAMON CAMILO, SIMÃO, PONTES, ALEX VANDER, MAIA, ANÍBAL, WERNER, KEMPERS E PITALUGA.

Esta é uma história a ser contada, ela fala sobre a penúltima equipe com a qual trabalhei antes de ir para a reserva. Há obviamente outros nomes de pessoas que deveriam fazer parte deste título; gente importante cujas decisões influenciaram o rumo da história; gente que sofreu perdas incalculáveis com força, fé e dignidade; gente que orgulhou a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros; gente que pode ter contribuído mais que estes amigos que estou citando aqui, dentre os quais os que deram a própria vida.
Mas como sou eu quem conto, conto sob uma ótica profundamente pessoal, pois só quero falar de meus amigos mais próximos e daquilo que fazemos para lidar com o sofrimento daqueles que juramos ajudar.
Hoje parei o carro e buzinei, falei para o Barros “peraí mermão”. Vejo, emoldurado nesta manhã de sol, o sorriso de sempre, aquele que ele exibe quando não está profundamente estressado porque um fato qualquer não se encaixa como uma luva em seu alto padrão do que deveria ser. Muito diferente daquela noite chuvosa em que pensamos que poderia ser o nosso último dia neste planeta.
Chovia, não, não é essa a palavra. A chuva em Petrópolis pode ter tantas origens formas diferentes que a palavra chuva não contém em seu bojo a mínima semelhança do que estava acontecendo. Do mesmo modo que chamar Petrópolis de cidade é uma pequena sacanagem. Petrópolis é muito mais. Petrópolis é o Brasil em miniatura, com sua história ímpar, sua ocupação improvável, sua pujante natureza, e principalmente com seus palácios  convivendo ao lado de suas favelas.
Me deixa recomeçar.
Caía uma cachoeira do céu.
A nossa viatura tinha algo de poderoso, a tal da L-200 tem o coração de um trator, mas pouco ela pode fazer em um engarrafamento. Faltavam poucos metros para entrada da rodoviária, mas pouco importa, poderiam faltar quilômetros que não faria a menor diferença. Quando nós vimos a viatura da Defesa Civil local. Neste momento eu não sabia ainda o que havia acontecido, se soubesse estaria estupefato com a aparente calma do Ramon Camilo.
“Peixe, dá uma moral para a gente poder chegar até a sua base, soube que vocês estão precisando de reforços”. “Deixa comigo Comando”, ele respondeu. E logo chegaríamos lá.
Fui pensando em todo treinamento que tive para colaborar com a organização de eventos de grande porte. Mas o que encontrei lá foi uma equipe que tinha que engolir o choro para continuar trabalhando.
Três deles não voltaram. Ricardo Correia fora arrastado por mais de um quilômetro em um rio de lama, só a história de sua sobrevivência daria um livro. Fernando e Beto, não tiveram a mesma sorte.
No dia seguinte coube a mim explicar o que havia acontecido para a mãe do Beto. Deveria haver alguma lei que proibisse as mães de passarem por isso. Esta deve ter sido a missão mais difícil de toda minha carreira.
O que fazer quando é o herói quem precisa de socorro?
Decidimos ali naquele momento, que só o nosso trabalho poderia honrar a partida deles, e foi o que fizemos, e não foi pouco. Mas não é disso que quero falar, o que digo é apenas que é bom estar entre amigos quando a coisa está feia. Acho que passamos por dificuldades para saber na vida quem são os nossos amigos. E se muito se perdeu, fica este bem precioso.
Passamos por aquela crise e pelos anos seguintes ralando um bocado, lutando e acreditando que poderíamos tornar aquela cidade uma cidade melhor, e este país um pouquinho melhor.
Em um desses dias de luta nos abraçamos e fizemos uma oração, eu havia acabado de ouvir Fernando na interpretação apaixonada do ABBA, então como parte da oração lhes disse: “Havia algo no ar naquela noite/ As estrelas brilhavam, Fernando/ Elas brilhavam por mim por você/ Pela liberdade, Fernando/ Embora eu nunca tenha pensado no que poderíamos perder/ Não há arrependimento/ Se eu tivesse que fazer tudo de novo/ Eu faria, meu amigo, Fernando.”
Então, parei para respirar e disse: essa música é perfeita, mas só há algo errado: o céu não brilhava! Olhei ao redor e continuei: para que a música fizesse sentido deveria haver estrelas, mas elas existem. São vocês.
Muitas pessoas nos dizem que Deus nos usa para fazer chegar sua mensagem, deve ser, pois foi assim que me senti.
Isto nos deu forças para continuar lutando por mais alguns anos. Os resultados podem não ter chegado nem próximo de nossa ambição, porém mais uma vez não há arrependimento. Vivemos em busca da vitória, mas é a luta que dá sentido à vida.
Sei que este texto não deve ser exatamente o que você esperava, fica ainda uma incoerência do tamanho de um bonde: que raio de título é esse?

Bem... estes são alguns amigos que passaram por essa mesma estrada.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017


Shangri-La
“Lá o tempo espera
Lá é primavera
Portas e janelas ficam sempre abertas
Pra sorte entrar”

Este é um texto sob encomenda, não é o primeiro que eu já fiz.
Havia uma rotina na academia, alguns caras do terceiro ano olhavam as notas nas redações do concurso, e como eu havia mandado bem, me transformei em redator oficial para as namoradas dos amigos.
Naquela época havia inventado um sistema. Escrevia para a minha garota e deixava que adaptassem os detalhes tão pequenos de nós dois.
Se assim o fizesse agora para você, diria que a sua vó tinha uma doçura incomum. Que fazia o seu prato predileto como nenhuma outra pessoa seria capaz. Que lhe esperava até altas horas da noite. Que coçava as suas costas como ninguém jamais o fez. Que zangava contigo de vez em quando. Que a memória dela já não era isso tudo. Só que mesmo assim você nunca viu ninguém tocar a vida com tanta sabedoria.
O resto deixaria por conta de sua imaginação. A moldura estaria pronta, mas a aquarela seria sua. Então você ficaria feliz pelo texto que encomendou, pois é assim que acontece com textos encomendados. Mesmo assim, para lhe impressionar bastava por uma imagem bonitinha, com algum Control C /Control V, e todos estariam felizes.
E estava feito.
Assim são as avós.

Mas ela era mais.
Ela era a Jaísa.

Isto me obrigaria a lembrar a história que ela se divertia em contar de quando me confundiu com doente mental no dia em que fui me apresentar para a família dela.
Teria que lembrar do bolo feito com frutas e do melhor feijão do mundo.
Teria de usar um vocabulário tão particular, que parecia uma linguagem só dela.
Teria que lembrar que ela ligou para o cursinho implorando para você voltar para casa quando lhe colocamos no alojamento.
Teríamos que gritar como loucos naquele jogo do Vasco contra o Avaí.
Teria que ter duas cachorrinhas a seguindo por todos os cantos da casa.
Teria que ter bolo de fubá (ou bolinho de chuva) para quem quer que chegasse.
Teria que cantar uma música da Dalva de Oliveira, e se fosse o Hino ao amor, nos fazer chorar até não haver mais lágrimas no mundo.
Teria que lembrar que quando quebrou o fêmur ela pediu ao médico que antes cuidasse de seu joelho ralado.
Teria que lhe dizer que você foi o último grande amor dela.
Mas, esquece tudo isto.
Só quero lhe contar uma história.

           Em seu ano derradeiro ela veio morar no Carmo com a gente. E como o alemão que deixa todo mundo doido já tinha se enamorado da Jajá, ela achava que estava em Jacarepaguá.
Depois de tentar explicar várias vezes e tintim por tintim que não era bem assim, desisti. Aqui no nosso endereço era a casa dela e pronto!
E tanto gostou da cidade, e do bairro, e dos vizinhos, e da casa, e do quintal, e da rua, e de estar por aqui; que pediu a sua mãe para botar uma placa dizendo simplesmente: Shangri-La.
Tive que me acostumar com o fato de que ela me oferecia um cafezinho quando eu chegava do trabalho, e perguntava se eu precisava de uma toalha ou se eu ia passar a noite. E era assim que ela me fazia me sentir em casa.
Bem é isso.

Esta história ainda não acabou, por que você sequer pegou no pincel para os retoques.  Talvez queira fechar este texto com o cliché de que uma mulher sábia transforma qualquer casa em um lar, ou até levar o que digo assim, meio que sem fim. Afinal como o Cézar lhe disse: viva a Jaísa que vive em você.


sábado, 29 de julho de 2017

Jerry Lewis

Meu maior ídolo na infância e início da adolescência foi um comediante que contava histórias de um modo doce e inocente.
Sei que copiar ele não me transformou no cara mais popular do bairro.
Cansei de ouvir que se eu ficasse calado poderia passar por inteligente,  ou ao menos não daria a certeza a todos do perfeito idiota que sou.
Mas, já estava gravado em meu coração de que quem não faz perguntas idiotas faz coisas idiotas.
O resto é história.

sábado, 13 de maio de 2017


SOBRE MENINAS E MULHERES

Li não me lembro bem aonde, que os gregos acreditavam que a sociedade do Egito era matriarcal, devido a possibilidade de uma mulher poder ser o que bem quiser, até mesmo faraó.
Imagino o que eles diriam se conhecessem a minha família. Sou cercado por mulheres de grande força, energia e coragem.
Minha mãe, e minhas irmãs foram sobreviventes em um mundo improvável, mesmo quando ousaram se posicionar quando tudo ao redor dizia que se calassem.
Minha linda esposa e suas irmãs, cresceram sob a égide de uma mulher lutadora, que educou uma família admirável dividindo o tempo de seus afazeres diários com um maravilhoso dom de fazer bolos deliciosos para toda vizinhança.
Hoje a herdeira deste cetro, manto e coroa; é um tiquinho de gente que se agiganta quando está na ponta do pé, e decidiu morar tão longe em busca de um sonho possível.
Ser pai de uma menina é viver sobressaltado, entre a rotina inconstante, o temor que um rapaz incauto lhe roube um tesouro, e a compreensão de que alguém pode mexer tanto contigo.
Dentre os sorrisos ficam os pedidos improváveis como de uma pizza de “whateveryouwant”, o cantar de uma velha canção dos Bangles, e o espanto de estar na plateia para descobrir que aquelas aulas de balé que eu pagava eram muito mais sérias que sequer poderia imaginar.
O susto mesmo vem quando ela diz que vai sair de casa para tentar uma vida melhor.
Não faça isto, por favor lhe imploro. Seja sempre pequenininha do tamanho de um botão, e me leve mesmo que seja no bolso.
Mas, não! Isto não é assim. Vá à luta! Por que a vitória pertence a Deus, e a luta é o que lhe cabe, honre aquelas que vieram antes, lembre-se do quanto elas tiveram que abrir mão para que hoje uma menina, como você, possa alçar qualquer voo.

Mas, não se esqueça, que tem um prato de comida e um canto para dormir e sonhar, bem aqui. Mas principalmente, não esqueça o quanto é amada. 

sexta-feira, 21 de abril de 2017

12 canções

1.      Todo azul do mar – Beto Guedes – é a música que me faz lembrar de meu maior amor;
2.      A deusa da minha rua – Newton Teixeira – para a minha mãe, e para todas as mulheres que desfilam sua enorme classe para nosso delírio, pobres mortais;
3.      The long and winding road – Paul MacCartney – que é de uma beleza assombrosa, parece que são anjos que fazem o back vocal;
4.      Imagine – Lennon – o mundo será um só;
5.      Make believe it’s your first time – Carpenters – que empata com o Paul no quesito beleza, e cuja interprete, tristemente, nos lembra de como a fama e a psiquê de uma pessoa podem levar a autodestruição;
6.      Bridge over trouble water – na interpretação poderosa, suada e definitiva do Elvis – aqui a minha homenagem aos bombeiros de todo o mundo, que são a ponte sobre os rios turbulentos e ajudam os que mais precisam quando mais precisam;
7.      Skyline pidgeon – acompanhada pelo piano do Elton John – para o meu filho que não cabe mais no ninho.
8.      Eternal flame – The Bangles – para minha filha que combina talento, voz, expressão e dança; antes mesmo de aprender a andar.
9.      Maninha – Chico Buarque – para os meus irmãos e irmãs.
10.   My love – Paul, novamente – para dançar colado, que é o único jeito que sei fazê-lo;
11.   Fernando – ABBA – para que o som dos tambores nos lembrem de lutar, mesmo quando a luta está perdida, pois é ela que dá sentido à vida;

12.   Canção da América – Milton Nascimento – para meus amigos, os irmãos que a vida me deu de bônus. 

quinta-feira, 2 de março de 2017

SOBRE VERSALHES, GUADALUPE E MARECHAL

“Aqui nessa casa
Ninguém quer a sua boa educação
Nos dias que tem comida
Comemos comida com a mão”

O famoso palácio não tem corredores, cada sala se comunica com àquela adiante. O que parece ser apenas um incômodo arquitetônico tem um claro propósito. Havia uma regra de que qualquer cidadão poderia levar os seus pleitos diretamente ao rei. O problema é que cada uma das salas tinha seu protocolo, e só poderia seguir quem o soubesse. Beleza... a esta altura você já imaginou quem conseguia realmente se por diante da realeza.
Etiqueta deve ser uma coisa muito legal, me lembro bem de quando alguém de meu bairro, entre Marechal Hermes e Guadalupe, chegou com o bizu de que uma fábrica famosa de camisas estava doando jogos completos de times de futebol em troca de cem logomarcas.
Resultado. Criamos uma espécie de milícia que impedia quem quer que fosse de passar na nossa rua sem que “cedesse gentilmente” a etiqueta de sua camisa. Quando completamos uma centena fizemos uma vaquinha para pagar a passagem de ônibus para dois representantes que voltaram com as mãos vazias.
Isto prova de que informações falsas eram passadas com velocidade espantosa pelo mundo a fora muito antes de existir internet.
Mas não é disso que quero falar.
Etiqueta é quando você desliga o som antes de entrar no trem, coloca a mochila na frente, cede seu lugar para a idosa que mal se aguenta, resiste ao impulso de tirar meleca e não tosse na cara da garota ao lado.
Ética é quando você faz o que é certo mesmo que ninguém esteja vendo, porque você sabe muito bem o que está fazendo.
Juntas deveriam ser regras de bem se viver em comunidade, mostrando respeito para com as outras pessoas. Uma boa demonstração disto é a sua capacidade de obedecer às leis de trânsito, pois as ruas não fazem parte do seu quintal.
Então, seu mané, abaixe o farol quando passa pelo outro carro na estrada!
Mas se você usa a etiqueta para impedir que um necessitado de chegar ao rei há algo de errado.
Outro dia deixei o garfo cair. Como fui criado por pai, mãe e dez irmãos juro que fico confuso com este tipo de situação. Um colega que sabe desta minha dificuldade disse que a boa etiqueta seria fingir que nada aconteceu e deixar o garçom pegar.

Não tive dúvidas. Etiqueta não deveria ser uma ética diminutiva. Levantei e peguei o garfo, afinal sou eu o desastrado da história.

quarta-feira, 1 de março de 2017

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

KAFKA
Pise em cima, ela já não tem as patas de trás e nem marijuana pra fumar.
Construa um muro, mantenha elas longe, a não ser que precise de uma para fazer o trabalho que ninguém quer.
Atire com uma 12, bem na cabeça se ela for uma morta-viva.
Perfure até matar com um espeto de churrasco caso ela use a camisa de outro time.
Arraste de carro até que não lhe reste nada para ser enterrado.
Impeça ela de usar o mesmo elevador.
Mate ela de fome caso estiver obesa.
Pensando bem, jogue uma maçã que vai grudar nas suas costas até apodrecer. Esqueça que era seu irmão que passou por uma metamorfose.
Jogue seu livro sagrado nela, mas só se ela tiver outra religião.
Gás de pimenta e bala de borracha se ousar falar sobre igualdade.
Faça piadas nojentas com ela se a cor da pele for diferente.
Espanque até matar se encontrar uma na noite que use silicone.
Torture até confessar.

É apenas uma barata.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

SER E TER (ou cuidados com o que se tem)
Para ter um carro, é necessário:
- Demonstrar ter acuidade visual;
- Passar por um exame psicológico;
- Passar por um exame médico ou adaptar o seu veículo as suas necessidades especiais;
- Demonstrar conhecimentos básicos de primeiros socorros, direção defensiva, leis de trânsito e física... e o que mais se decidir em cursos nos quais a presença é obrigatória e comprovada pela impressão digital;
- Não ingerir bebidas alcoólicas;
- Pagar taxas anuais para que o veículo seja vistoriado comprovando que o mesmo é seguro;
- Ter extintor, triangulo, macaco e estepe (não esquece a lanterna, é bom ser precavido!);
- Se você usa óculos lenço de papel é recomendável;
- Pagar taxa de seguro obrigatório, e diz o bom senso que devemos pagar ainda outro... vai que...
Para ter um filho:
- Vocês sabem muito bem que basta fazer uma só coisa e esquecer o equipamento de segurança.
Preocupado?
Fica não.
A vó cuida.

Vai lá e faz outro! 

domingo, 12 de fevereiro de 2017

O PODER E O VIOLINO

A máxima que atribuem ao Esperidião Amin de que poder se toma com a esquerda e se toca com a direita, aqui adaptado pela minha falta de gosto por ênclises e mesóclises, fica mais ou menos assim ao contar minha trajetória: porrada se toma quando estamos na contramão.
Só lamento saber disso depois de tanta discussão infrutífera, tanto desgaste, de tantas vezes ser acusado de ser radical de direita pelos meus amigos mais à esquerda; e de radical de esquerda pelos meus amigos mais à direita.
Esta trajetória não é, acreditem, uma forma de procurar me dar bem nos círculos de poder. Me sinto, meio assim, como um Forest Gump ao contrário. Sempre estou do lado errado da história.
A percepção que quero compartilhar é de que o poder tem a capacidade de ensurdecer quem o detêm, especialmente quando o trono se amolda a bunda do soberano. É neste momento que o ritual de beija mão vai apontar quem são os queridinhos do rei, e ai daquele que ousar dizer que brioches não vão matar a fome do povo.
Enquanto isso longe das cortes, vejo a substituição das arenas onde pelejavam leões e cristãos por outra, virtual, onde se acusam mutuamente de ser mortadelas e coxinhas.
O ódio instalado cultuado por frases prontas se estabelece fortemente ao se transformar em ataques pessoais. Uma ideia é o suficiente para que lhe grudem rótulos inomináveis. O fenômeno se agrava quando se parte para a defesa de figuras de nossa recente história que claramente têm discursos desencontrados de suas práticas.
Além disso, fazemos tudo com desesperada pressa, pois a pesar de hoje haver a chance de passar tanta informação quanto se quiser preferimos a rapidez dos bordões. O que não couber em 140 caracteres simplesmente não pode ser dito.
Perdemos de longe a capacidade de discutir ideias e respeitar as pessoas. É muito mais fácil ridicularizar. Somada a nossa tendência de pertencer a um grupo sua vida fica mais fácil se você toma uma posição extrema e exclui quem não concorda de suas redes sociais. O que, aos quarenta e cinco do segundo tempo vai lhe colocar em um lado bem definido do campo do jogo com um monte de zagueiros para lhe defender.

Paulo Afonso matou a charada, com seu jeito bem-humorado de ver o mundo: “Remo, para com isso, os políticos brasileiros são ambidestros, batem com a direita e a esquerda, cruzam, cabeceiam e fazem o gol, apitam invalidando e depois correm para o meio de campo. Uma hora depois da confusão mandam mudar o replay e tudo vai parar no tapetão.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017


CAVALEIRO MARGINAL

Na janela lateral do cara lá de Marechal, quando eu falava longe de Honório... ou algo assim, era como Everest cantava Beto Guedes em uma parceria inesperada. Óbvio, que esta música acabou ganhando nova dimensão, a bela representante do Clube da Esquina ficou, para mim, com a cara do meu irmão.
Já a admiração que meu sogro tinha pelo Alceu Valença teve um quê de mistério. Feliz da vida, ele agradecia pela lembrança daquele pessoal de sua juventude. Eu ficava no vácuo, até que a bruma leve das paixões que vem de dentro, tantas vezes assoviada, mostrou a sua versão surpreendente: a turma alegre da estação de Engenho de Dentro.
Este é um assunto interminável:
Djavan nunca passou por um deserto amarelo.
Erasmo Carlos não estava te mandando chamar Dirceu.
Elis não te compara com um bife quando fala que você ama o passado.
Quando Claudio Zoli estava homenageando B.B. King, não pensava em tocar com roupas de banho femininas.
Nem o namorado da andarilha Beth Carvalho, na verdade um monarca, se tratava de um homossexual.
O gaiato do Herbert Viana não entrou de caiaque num navio.
Se você duvida que alguém possa cantar assim dá um google que outros exemplos aparecem rapidinho (ou você acha que eu lembrava de todos estes?).
Podemos esticar este papo um pouco mais: o famoso zagueiro zagueiro teve seu nome derivado de uma interpretação errônea do Roberto que falava sobre o divã.
Isto não ocorre por acaso, quando nós começamos a estudar as teorias sobre as nossas práticas em sala de aula podemos finalmente entender que as pessoas podem ser entre outras coisas auditivas, visuais ou sinestésicas. Isto explica o porquê de alguns alunos, que têm um bom inglês, não entendam nada por telefone.
Bem, está dito. Atire o pau no gato quem nunca cantou errado. Eu mesmo passei boa parte da minha vida pensando que mantissidão era uma palavra que deixava as pessoas nas nuvens, como que em um lugar calmo, de serenidade e paz. Lençóis de cetim onde amantes se dão.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

ELE PÕE OS OLHOS GRANDES SOBRE MIM

Sou contra.                   
Apesar de me tocar profundamente não dou um centavo a crianças na rua. Sempre há um adulto se aproveitando deste tipo de situação. Elas deveriam estar na escola e ponto (final, de exclamação e de vista).
As pessoas bem-intencionadas colaboram com uma relação escravocrata.
Quanto piores forem as condições das crianças e quanto mais miseráveis apresentarem, maiores as chances de que seus carcereiros lucrem.
Lá se vão eles pelas ruas, com cabelos colados, mãos sujas, feridos, surrados, maltrapilhos.
Dá uma dó tão sustenida que eu não caibo em mi.
Aí para aquele molequinho do lado da minha mesa na loja famosa de hambúrguer grelhado, como que sabendo que não sou dali, não habla nada... nem eu. Só fica meio assim se esforçando para ficar de pé. Não sabe andar há muito mais do que a metade de sua vida.
Finjo olhar para o outro lado.
Pego o saco.
Estendo a mão para fora de meu campo de visão.
Só assim penso que eu mesmo não sei o que estou fazendo.

Em minha defesa: tô gordinho mesmo, e aquelas papas fritas deviam ter toneladas de calorias.