REDAÇÕES
Dois
fatos recentes sobre a redação do ENEM me chamaram a atenção neste final de
semana, o primeiro foi a controversa decisão do Supremo Tribunal de impedir que
a nota zero fosse cravada para quem opina de maneira ao menos detestável. Isto
me põe nas cordas do ringue quanto à possibilidade de ter uma opinião definitiva.
Se por um lado certas falas não contribuem em nada para a construção de seja do
que for, o direito de ter uma opinião (despreparada, estranha, destrutiva ou simplesmente
escrota) é um dos pilares do que deveria ser uma democracia. Mas não é disso
que eu quero falar.
O
segundo foi o tema escolhido, que fala de inclusão, de respeito ao próximo e de
solidariedade. Penso que a banca deveria ter sido um pouquinho mais genérica. Afinal
o jovem que não teve a oportunidade de conviver com alguém que tem uma certa dificuldade poderia ser prejudicado lá no final da redação quando se espera dele ser um
tanto especifico, como requer os bons manuais espalhados aos quatro ventos.
Sobre
surdez só tenho uma história interessante para contar. Tenho um amigo que é tão
chato quando joga bola que conseguiu ser expulso por um árbitro surdo. O motivo
foi revelado pelo gesto de estender a mão direita para o ar brandindo um cartão vermelho
e a esquerda juntar os dedos intermitentemente perto do ouvido mostrando que o Izo
estava falando demais.
Só
que a surdez que mais incomoda deveria sim ser motivo de exclusão. Se trata da
surdez política. Esta tem os sintomas da vaidade e do benefício pessoal em
detrimento do interesse público. Se revela quase tão instantaneamente quando da
assunção no cargo, já que poder e vinho são dois soros da verdade. Mas também não
é disso que eu quero falar.
Sobre
lidar com alguém especial mais próximo eu lembraria da minha linda aluna, a
Cris, a quem sempre chamei de minha pequena vascaína.
Sim!
É sobre ela que quero falar.
Quando
recebi pela primeira vez uma prova de suas mãos vi dois fatos reveladores: um
coração belamente desenhado sobre o meu nome e todas as questões resolvidas
como se fossem regras de três.
Quem
não é iniciado em física ou nunca teve aulas comigo provavelmente não sabe o
que sempre digo: Meus caros antes mesmo de chutar uma resposta, pense se uma
grandeza é linear, quadrática ou cúbica. Se você dobrar as dimensões de um cubo
suas arestas vão dobrar, sua área quadruplicar e seu volume será multiplicado
por oito.
No
dia de entregar a prova, entretanto, lá estava com a camisa do meu time sob o uniforme
da escola. Ela me deu um abraço interminável e me disse que era uma boa aluna e
esperava por uma nota boa.
Sobre
uma perspectiva simplista ela não havia atingido os objetivos do curso, não demonstrando
o entendimento pleno do que é física.
Mas
vou te contar um segredo desde que você não divulgue para os meus alunos: eu também
não sei.
Só
sei que desenhei dez corações pertinho do nome dela, que foi uma das pessoas
que mais me ensinou o que é ser professor. Ou melhor, o que é ser gente.
Eu também não concordei com o tema. Mas também...imagina se eles se arriscariam em um tema mais "apropriado" com a atual situação do país?:/
ResponderExcluirQuanto ao zero, também discordo totalmente. Quer dizer que se o camarada, um desses tontos qualquer, escreve dez palavrões na prova, não pode dar zero? Eu, por exemplo, dependendo da circunstância, perderia um ano inteiro, só pra ter a oportunidade de dizer certas coisinhas que eu penso.
E também tive uma experiência parecida com a sua. Mas, no caso, não havia uma "deficiência física", se é que ainda pode se falar isso.
Eu só dei aula 1 ano. Nesse ano, eu trabalhei num Ciep de horário integral. Pela manhã, os alunos estudavam Português e Estudos Sociais. E pela tarde, recreação, Matemática e Ciências. Resultado, quando eu entrava à tarde, os alunos já estavam daquele jeito. Tive um aluno, que era excelente em matemática e Ciências, se não fosse um pequeno detalhe : ele não sabia ler. Sim, isso mesmo. Eu lia tudo, e ele sabia fazer e só tirava dez. Até que um dia, a professora da manhã me perguntou porque ele tirava dez? Ao dizer o que eu fazia, ela deixou de falar comigo. E o meu lindo Tadeu, com 12 anos, na 2a série foi reprovado...foi muito triste. Chorei muito e não sabia o que fazer. Como a escola não tomou nenhuma atitude? Não comunicou aos pais? Não fez nada pra ajudar ele? E eu, o que fiz? Ele era o único aluno que eu tinha que era educado, e não tinha como ídolo, o Escadinha...a escola ficava ao lado do Bangu 1.
Vc escreve de uma maneira muito especial. Parabéns! Muito bom poder recuperar uma amizade. Eu queria um professor assim!
Agradeço a atenção. Fico feliz em saber que sou lido aí na "Zeuropa"
Excluir