domingo, 30 de dezembro de 2018



Maxo alfa

          O menino devia ter menos do que um quinto de minha idade e um terço de minha massa corporal, mas naquele instante agiu como um gigante. Somente as pessoas mais nobres são capazes de confrontar seus próprios erros, mesmo assim percebi claramente que ele se esforçava para esconder o medo de que eu não acetasse a sua mão estendida em minha direção.
          Então lhe disse que o que ele havia feito estava errado e que eu nunca tinha visto uma garota voltar após um grito de GOSTOSA! E que não é assim que se trata as mulheres. Logo depois apertei a sua mão e também lhe disse que agora sim ele estava agindo como um homem digno, apesar de ainda ser um menino.
              Ser humilde tem tudo a ver com humus, voltar a terra e se por no chão. A terra é mãe, é mater, madeira e solidez. Quando nos pomos nesta posição olhar para o alto que é a nossa única opção . O problema é que muito poucos têm a grandeza de perceber que estão errados, e em tão tenra idade este ato é simplesmente raro, mas isso deve ser ensinado em algum momento, sob o risco de cairmos no paradoxo de Picasso, que nós diz que a experiência só chega quanto não serve mais para porra nenhuma.
            O fato é que muito se cobra em ser cabra maxo e pouco se ensina a ser homem. 
             Na mesma medida deve ser difícil ser panda de qualquer gênero, vi um dia uma reportagem que falava da dificuldade de fazê-los procriar, pois os machos são tão agressivos com as fêmeas que elas acabam os repelindo. O que achei um enorme paradoxo entre seres de uma espécie que nos parecem tão fofinhos.
             Neste contexto o papel do maxo se resumiria a agressão, orgasmo e abandono. E me parece que tem muita gente por ai satisfeita com esse papel.
            Assim como pandas homens são uma espécie em extinção, quem quer manter a palavra mesmo quando isto só nos traz prejuízo, tratar quem é mais fraco com respeito, encarar quem é mais forte diante de uma injustiça ou simplesmente pagar as contas?
           Não precisa, de modo algum matar um dragão ou enfrentar um exercito inteiro, pedir desculpas quando está errado já é um bom começo.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Nomes

Um poeta de verdade disse que a vida dele não se resolveria caso se chamasse Raimundo.
Andando por este vasto mundo, descobri que pontuo tão mal que nem ser chamado de Virgulino resolveria o meu caso!

Para Marcos Duílio,  que se vê louco a catar as vírgulas que deixo espalhadas pelo chão.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Presente do indicativo de um passado imperfeito

Eu juro,
Tu juras,
Nós pagamos com juros.

terça-feira, 6 de novembro de 2018


SOBRE OVOS, CUCOS E SERPENTES

Em meu último texto me referi aos ovos de cucos e dei o assunto por encerrado. Quisera tudo na vida fosse assim em capítulos e fácil de entender. Porém, logo na manhã de segunda-feira, fui surpreendido pela postagem de um aluno esperneando contra tema da redação do ENEM, na qual ele disse ser um absurdo “cair” algo para qual ele não estudou o ano inteiro (!!!???), apesar de todos os seus esforços.
Então cá estou eu, quase que forçado a voltar a tocar novamente um samba de uma nota só.
Ok, mas assim como Jack, vamos por partes.
Pode ser que o seu avô tenha feito um exame de admissão meramente acadêmico, mas eu mesmo que poderia ser avô de alguém tinha que ler revistas e jornais, por saber que temas atuais podem desfilar nos vestibulares.
Dito e feito. O tema do ENEM teve um texto E-N-O-R-M-E, que podemos resumir assim: fala aí sobre fake news. Após resistir a ideia de entregar a redação com uma só frase que seria: “no news is good news”, qualquer aluno teria muito o que dizer, pois não se fala de outra coisa.
Ainda sobre o tema do ENEM observei que há um certo exagero no uso do vocabulário. Algo como a tendência de alguns autores gastar o latim e falar deste jeitão: “cristais dissolvidos pelas papilas gustativas deste derivado da cana de açúcar, têm condições organolépticas agradáveis, apesar do alto grau de dureza”, ao invés de simplesmente “rapadura é doce, mas não é mole”.
Ora bolas! Como se trata de um exame acadêmico, que vai justamente qualificar alunos para galgar o curso superior, não há o que reclamar, daquilo que em condições normais de pressão e temperatura poderia dificultar a vida de alguém. Como exemplo vejo que as atuais bulas de remédios passaram a evitam palavras como “posologia” ou “deambular”, afinal neste caso, todos devem entender minimamente o que estão fazendo. A mesma lógica não se aplica a textos voltados para a formação de uma elite pensante (mesmo assim estou até com medo das famosas postagens com os erros absurdos dos alunos neste ano!).
Quanto ao mal-uso da internet, vou dizer apenas que temos esta ferramenta há muito pouco tempo. Então, pelo menos para mim é natural que muitos ainda não saibam lidar com esta tecnologia. E como tudo que se apresenta em nossa vida, só o tempo vai dizer o quanto vamos ainda amadurecer (ou apodrecer).
Cabe ainda uma reflexão: o avanço tecnológico quase nunca está atrelado a avanços éticos. A combinação destes ritmos nos põe na perigosa posição de uma criança que mal sabe andar, mas por um descuido tem uma faca afiada na mão.
Finalmente, quanto aos ovos de cuco, chegou a hora da explicação. Apesar de qualquer metáfora (ou piada) assim que explicada acaba perdendo grande parte de seu poder (de fazer rir ou pensar).
Cucos não fazem ninhos. Eles entram naqueles construídos por outras aves e substituem seus ovos pelos delas. A consequência pode ser achada em diversas fotos onde pássaros pequenos, coloridos, ágeis ou belos alimentam os desengonçados filhotes de cucos.
Quantas ideias por aí você sai espalhando com a certeza de serem suas, ou serem verdadeiras, ou serem carimbadas por uma agência séria, ou por que pagariam a suposta cura de uma criança que sofre, ou por de virem de alguém como Albert Einstein?
Bem é isso. Entretanto, como deixei uma metáfora quase destruída por uma explicação tão pobre, quero deixar uma outra de presente para vocês. Não é algo original, pois já foi alertado por Exupéry e suas mudas de baobá. Então, meus pequenos príncipes, estejam sempre alertas ao chocar ovos que não lhe pertencem, se for de um cuco o estrago pode ser grande o suficiente, imagina de for de uma serpente!

quarta-feira, 31 de outubro de 2018


O SENTIDO DO OLHAR

“Setas indicando caminhos errados
chegar só é possível de olhos vendados”
         
          Viajar em um carro pequeno com cinco pessoas (muito amadas) passando por três países foi um dos momentos inesquecíveis de minha vida. Há muito o que se dizer dessa viagem. Só que agora vou bater uma bolinha bem rasteira e dar passes curtos. Desses que cabeças de área sem muita criatividade dão praticamente o tempo todo, pois só quero falar sobre setas ultrapassagens e sinais na estrada.
          Para começo de conversa, ainda no sul do Brasil, me vi aprisionado em uma ponte estreita sendo forçado a dirigir de marcha ré por mais de 500m. O que pode ser algo fácil para você que sabe muito bem o que faz com um volante na mão. Para mim, foi um tremendo desafio. Suor frio escorrendo no rosto, o temor de um acidente, o olhar grudado no retrovisor, a impaciência dos outros motoristas que vinham em sentido contrário. Enfim, um show de horrores que só poderia ser explicado pelo Capital Inicial. Tudo isso causado por um par de bonitões cujo único dever era levantar alternadamente placas de pare ou siga.
          Já em solo portenho passamos a sofrer com setas voltadas para esquerda por diversos caminhoneiros justo quando a ultrapassagem parecia ser segura. Quando eu e o Francisco comentamos sobre isso com o Miguel ele nos explicou que passou pela mesma situação quando dirigiu no Brasil, até entender que os caminhoneiros brasileiros e argentinos usam sinalizações inversas para dizer se você pode ultrapassar ou não.
          Se isso tudo lhe traz ensinamentos metafóricos, imagina o drama de um brasileiro que tem que dirigir em Londres?
          Eu bem que poderia estar preparado para tudo isso se ouvisse o meu pai.
Em um desses momentos raros em que ele era capaz de combinar uma faceta de sua personalidade, a de Dr. Jekyll, com uma bela pitada de bom humor o cara tinha tiradas sensacionais. Pena que o humor dele era muito mais comum quando ele tomava umas pingas e virava Mr. Hyde.
Eu estava brincando do outro lado da rua quando ele me chamou, olhei para a direita e para esquerda antes de atravessar e receber um abraço. Logo após ele me disse: Remo, não basta olhar para os dois lados para saber se algum carro está vindo, olhe para baixo à procura de submarinos, para trás para não ser apunhalado, mas principalmente mantenha seus olhos nos aviões do céu e para frente para planejar o futuro.
Aqui chega a hora de discordar da bela música que serve de alerta. Não se trata de fechar os olhos, mas saber em que confiar. Se algo buzina alto em seu bom senso a despeito do que lhe dizem é a hora certa de entender se você deve parar, virar para um lado ou para ou outro ou mesmo acelerar, diante de uma decisão consciente. Mas isso depende da sua capacidade de não chocar ovos de cuco e realmente veja o que está fazendo.
          Mesmo assim fui atropelado por um fusca alguns meses depois.  Pelo que me parece não sou o único que poderia ter aprendido um pouco mais com lições tão óbvias.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Minha vida de YouTuber


Cara, as vezes é difícil, como dizem por aí, não está mole para ninguém. O que tem de gente por ai latindo no quintal para economizar cachorro não está no gibi. Então meu novíssimo trabalho é dar aula de graça. Assim vou tentando me inserir na tal da modernidade. E acho que estou ajudando a educar a galera da geração... sei lá qual letra estão usando hoje em dia. Resultado, estou perambulando e fazendo a propaganda de YouTuber.

Achei que iria ser divertido, pois sempre admirei os caras que conseguem vender coisas nas ruas. E no caso específico nos coletivos. Então, tomei coragem e subi no ônibus da faculdade para fazer propaganda do meu recente trabalho como professor intergaláctico, o que ficou mais ou menos assim:
- Bom dia a todos, eu poderia estar matando, eu poderia estar roubando, eu poderia estar abduzindo vocês para o meu planeta (ai faço o símbolo de prosperidade Vulcano); e por falar nisso live long and prosper. Mas, só quero dar umas aulinhas de física e matemática.

Chego em casa umas duas horas depois, ansioso para ver o número de novos inscritos e é aquele que começa com z, e não é “zoito”. Estufo o peito, tento disfarçar a depressão e volto para a rua. E a nova estratégia até faz algumas pessoas rirem:
- Tai o meu canal: é de graça. E de graça até injeção na testa, ônibus errado e convite para festa que já passou.

Outras tantas horas e até vejo o ponteirinho do canal se mexer um pouco.

Vou apelar:
- E aí galera, olha a aula, olha lá. Esse canal não cura erisipela, nem espinhela caída, não traz o seu amor em três dias! Mal olhado e quebranto também não é comigo! Mas as aulas...
Tento disfarçar um certo desânimo com bom humor. Sei que sou novo no pedaço, não no quesito lecionar, mas sim neste lance frenético. E com a ajuda de alguns amigos, até já tenho uma meia dúzia de alunos.

O fato é que para cada três minutos de aula rolam pelo menos duas horas de pesquisa e preparação e como erro para cacete e não quero aquela coisa robótica da edição, tenho que fazer cada aula duas, três, quatro ou até o recorde de doze vezes, até eu achar que os erros não vão prejudicar ninguém. Porque perfeito mesmo, sei que nunca vai ficar.

A parada dura é que como minha única atividade de trabalho depois que me despedi do Corpo de Bombeiros são as aulas particulares, nem sempre estou trabalhando. O fato é que sempre rola aquela época do ano em que os alunos somem e eu corro o sério risco em me viciar nos jogos de celular.
Estou vivo. E o que aprendi pode ainda ser útil para um montão de gente, mesmo que o meu jeito seja assim anacrônico (só velho usa esta palavra!). O resultado é que estou batendo perna, parando as pessoas na rua para tentar convencer a comprar algo que é de graça. E por falar nisso, dá uma olhadela lá no meu canal. O nome dele foi mal escolhido pacas e é REMO NORONHA, e assim ficou por falta de ideia melhor. Bem, já que você chegou até aqui acho também posso pedir sua nova inscrição, mesmo que não seja na boemia, depois de se inscrever compartilha lá, para os amigos se gostar ou para os inimigos se ficou ruim mesmo.

terça-feira, 4 de setembro de 2018

quarta-feira, 22 de agosto de 2018


SOBRE HÁBITOS E MONGES

               Passei boa parte de minha vida sem saber que a batatinha quando nasce espalha a rama sobre o chão, ao invés de espalhar a si própria. Deste mesmo modo pensava que o ditado sobre monges falava sobre o seu despertar na matina (junto com o frade Jaques), rezar de montão e se recolher em uma cela, perdido no silêncio da noite.
               Não conto mais que duas primaveras a partir do momento em que entendi que hábito é a roupa que o monge habita.
               Seja como for, se não é nem a rotina e nem a batina, do que é feito um monge?
               Sei que ontem após uma sofrida partida de futebol, decidi tomar não mais que três copos de cerveja e como minha camisa de goleiro (sim sofro disso apesar do meu corpo mais que semicentenário e o peso de quase mil Newtons), fedia a grama, suor e lama; ocupei meu lugar no Bar do Peixe desnudo da cintura para cima. Neste momento o sonho recorrente desde que fui para a reserva do meu querido Corpo de Bombeiros veio mais uma vez à tona.
               Estava chegando atrasado em uma formatura de gala no Quartel Central, algo como a entrega do espadim ou espada. Quando passo no Corpo da Guarda percebo que estou apenas com um short vermelho, suado e descalço. Tenho que correr às escondidas até os fundos do Casarão Vermelho onde está minha farda.
               Aqui cabe uma explicação, para superar minha mágoa com o insucesso do final de minha carreira, ao ir para a reserva leiloei por um valor simbólico TODAS MINHAS FARDAS e doei o que foi arrecadado para a Associação de Proteção aos Animais. Pensava que esta atitude iria drenar totalmente o meu coração ferido.
               O tempo, que tudo cura, faz hoje que não haja taquicardia com a passagem do trem de socorro completo, com suas luzes espaciais e o ecoar das sirenes, que para mim soam como uma doce canção.
               Entendo que a vida nos força a fechar as portas às nossas costas para abrir outras logo ali na frente. Mesmo que parte de nós fique assim sendo como que arrastada pelo chão.
               Imagino o quanto devem sofrer calados os amigos realmente vocacionados, como o Lira, Alex e Loureiro, só para não sair da vigésima nona.
               O sonho finalmente abandonou minhas noites, após ressaltar o óbvio: continuo vivo e ainda posso fazer coisas muito legais, apesar de treinamento de rapel e o banho de adrenalina que acompanha o entrar em um prédio em chamas, não fazerem mais parte desta lista.
               Mesmo assim se você me ver reagindo de um modo abrupto ao passar de um carro vermelho, saiba que apenas estou abrindo alas para os heróis de uma nova geração que vão passar nesta avenida.

terça-feira, 7 de agosto de 2018


MEDO DE AVIÃO

Você está lá. Você é o tipo de cara que sabe o que Bernoulli disse sobre velocidade, arrasto e sustentação. Não fosse o suficiente, também o que é ângulo de ataque. Sabe ainda, estatisticamente falando, que avião é um bocado seguro. Mas lá vem a aeromoça, fazendo uma mímica acompanhando uma voz gravada. O ritual vai se repetir em inglês e espanhol. As pessoas ao redor estão entediadas, a própria comissária de bordo age mecanicamente.
Não que você seja aquele tipo de cara que vai ter calafrios sem fim, mas uma pequena oração não faz mal a ninguém, não é?
Saiba que eu uso os seus sapatos nesta hora, então vou te dizer o que faço: monitoro os meus pensamentos e percebo o quanto eles estão em descompasso com o que é dito. Pode não ser a melhor distração do mundo, mas quebra um galho.
“Há duas saídas sobre as asas” ... beleza estou no lugar certo, aqui é o lugar mais estável e não precisa sacar muita física para entender isso. Basta ter curtido uma barca Viking de qualquer parque de diversões para saber que o meio da nave é a parte menos excitante.
“Retire os bancos se for necessário flutuar” ... se essa bosta cair no meio do oceano, não haverá muito o que fazer, este tipo de lance vira filme justamente por que é putaqueopariumente improvável de ter um resultado bacana.
“Mantenha o banco na posição vertical”... Ah! Se o Dener soubesse isso, a família dele, o Vasco da Gama e a Seleção Brasileira não teriam tamanha perda. A importância deste tipo de conhecimento sempre me fez discutir com meus filhos e meus alunos coisas como primeiros socorros e o fato de que um cabeçalho dizendo: Habeas Corpus, mesmo que não seja escrito por um advogado, pode evitar que um inocente permaneça preso. O que convenhamos é muito mais importante do que saber de cor qualquer fórmula, breviário ou tabela.
“Durante o pouso e a decolagem” ... se a patacada acontecer durante o pouso o piloto ainda pode tentar arremeter. Perigoso mesmo, apesar do que o senso comum possa fazer parecer, é a decolagem. Se der uma zebra, aí o resultado pode ser uma visita do Zé Maria (para quem não sabe, aquele cara que é só pele e osso, portando uma foice) e Zé Fini.
“Caso a cabine for despressurizada” ... as janelas são arredondadas justamente para evitar o estresse na estrutura, especialmente na despressurização. Não foi um estudo especial que levou a esta conclusão e sim a repetição do chamado erro e tentativa. O que jamais deveria ser desprezado, pois na minha opinião, é o que deveria nos fazer evoluir como espécie. Neste ponto a aviação é uma joia da engenharia, mas o tal do Homo sapiens é horroroso, já que amamos cometer os mesmos erros. A outra conclusão tem a ver com PV=nRT, o que com certeza iria entediar mais que noventa por cento dos meus leitores.
“Coloque as máscaras em você mesmo antes de ajudar a quem necessita” ... é aí que chego à conclusão mais dramática: fui treinado para salvar outras pessoas, mesmo com o sacrifício da própria vida. Nesta lógica, eu prenderia a respiração para por a máscara em uma criança ao lado. O que de nada adiantaria, se eu desmaiasse antes.
Sei que esta lógica de a vítima ser prioritária sempre me ofereceu uma força psicológica e porque não dizer espiritual, um cem número de vezes. Destas, destaco o dia em que, já na reserva do Corpo de Bombeiros, me encontrei preso em um engarrafamento na Linha Vermelha encurralado em um tiroteio. Meus medos estavam à beira de destruir minha racionalidade quando vi três mulheres e uma criança desesperadas. Então lhes disse: deitem atrás do motor do meu carro que é o local mais seguro. Se por um acaso eu não saísse vivo dessa história, pelo menos teria dado um sentido àquela loucura.
O mesmo não vale para situações cotidianas. Emprestar suas ultimas economias para um colega incauto que jogou todas as dele no lixo não resolve a parada de um modo definitivo. Não podemos perder de vista a metáfora do abraço de afogado. Além disso as pessoas procuram os problemas para aprender com eles, então não podemos privá-los das lições que os farão crescer.
Ser solidário não pode rimar com ser otário, assim como dar grana para alguém comprar cachaça não ajuda a ninguém.
Não proponho, de modo algum, desprezo ou falta de empatia, o mundo já está cheio disso, mas da próxima vez que a nave despressurizar, coloque a máscara em você mesmo antes.

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Lendas

Dentre mulas sem cabeça, caiporas, curupiras, Saci Pererê, duendes,  boto tesudo, loura do banheiro,  lobisomem, chupa cabra, caboclo que traz o seu amor em três dias e outras lendas, no que acredito mesmo é em vampiros.

Há pessoas que não querem nada menos do que seu sangue.

sábado, 30 de junho de 2018



MEU CORAÇÃO PULOU

“E pra primeira eu vou subir
Pela segunda vou passar
Na alegria ou na tristeza
Eu nunca vou lhe abandonar.”
- Pai, preciso falar contigo.
- Tô meio enrolado, pode ser amanhã?
- Não. Tem que ser hoje.
- É urgente? A Defesa Civil está em prontidão no Estado.
- É sim. Vamos a São Januário, hoje à noite.
- Tá de Brinks? Tô te falando que estou enrolado.
- Tem que ser em São Januário.
- Tá de saca?
- Não. Só pode ser lá. O que quero lhe dizer é muito importante!
-Ok, você venceu, batatas fritas.
- Eu pago os ingressos, a cerveja é por sua conta.
- Beleza, portão da social às oito e trinta.
- Valeu, te vejo lá.
Assim que entramos no estádio eu lhe perguntei:
- O que é que tá pegando?
- Pai. Passei nas vagas para a Escola Naval.
Naquele mesmo momento o mascote vestido de almirante estava passando na nossa frente.
-Tá maluco, Aspirante? O Almirante está passando em frente! Presta continência! Presta continência!
Quem via a cena não devia estar entendendo nada. Nós dois prestando continência para um bonequinho.
Chegar a esse ponto de estar lado a lado, na mesma torcida não foi assim tão simples. Por três vezes quase lhe perdi para o rival. Na verdade, posso lhe dizer agora não seria problema nenhum. Três dos meus irmãos, meu pai, meu sogro e um monte de amigos também torcem mal. Que Deus os perdoe.
Só para você entender o quanto amo os nossos rivais, apenas lhe digo que ainda espero uma carta de meu pai toda vez que perdemos. Afinal, tudo isto deveria ser apenas uma brincadeira, mas futebol é a coisa mais importante dentre todas aquelas que não têm importância nenhuma.
Quando o Everest foi seu babá você me aprontou dois tremendos traumas: aprender as músicas de nosso rival e ter arrumado um derrame pleural que quase lhe levou precocemente. Naquele dia pedi a Deus: que você torcesse para quem quisesse, mas que Ele não lhe levasse de mim.
Não foi a primeira que você me aprontou. Apressado chegou quase três meses antes, magricelo e sofrido. Como pode um tiquinho de gente assim sobreviver? Só que naquele dia ouvi no rádio a música que sua mãe me indicou, que dizia: “meu coração pulou, você chegou e deixou assim com os pés fora do chão.” Então eu soube que teríamos outras músicas para cantar juntos.
Outro dia você, bem maiorzinho fez uma baita malcriação para sua mãe. Saí do quartel às pressas pensando, "vou quebrar o Play Station em pedaços tão pequenos que não vai dar nem para reciclar". Teimoso que sou, assim o fiz. Chorando de raiva você me disse que iria torcer para outro time.
Um mês sem trocarmos qualquer palavra e a ferida sarou. Se formar seu magnifico caráter teve o valor de um videogame foi um preço irrisório a ser pago.
Logo depois veio a primeira queda, que é a que mais dói, e naquele dia eu lhe disse para virar casaca. Só que a casaca aí já fazia tanto parte de sua pele quanto da minha. Não podemos esquecer que a turma é boa, é mesmo da fuzarca.
Mas isso é só futebol, sua queda veio em uma coluna em forma de S, que lhe trouxe um monte de portas fechadas. Nada de ser marinheiro de guerra, nada de ser marinheiro de paz, nada de ser aviador, nada de ser bombeiro. Mérito não lhe faltou, nem intelecto, nem esforço. Mesmo assim quatro portas se fecharam, mas sei que foram eles que perderam.
Distância e independência, preparatório, faculdade, Alemanha, faculdade de novo, um amor para toda sua vida e agora mais uma partida.
Depois disso tudo fico feliz de poder contar a anedota a todos aqueles que brincam comigo dizendo que lhe forcei a torcer pelo meu time. Respondo dizendo que você teve escolha. Na sua cama uma camisa branca com faixa preta e outra preta com a faixa branca... Pode escolher moleque, e lembra de quem paga a sua mesada.
Só assim pude lhe ter ao meu lado, junto com o Maninho e o Sinclair naquela noite inesquecível. Só assim pudemos cantar o samba enredo da Unidos da Tijuca, lá em Belém diante dos olhos e atônitos dos portugueses. Só assim temos as nossas piadas internas sobre os jogadores ruins. Só assim abraçamos um inglês aos gritos de “I told you” quando o Romário, mesmo velho, calou os adversários. Só assim vamos discutir o resto da vida se foi mérito do Cássio ou orelhada do Diego. Só assim vamos lembrar da Jaísa gritando com a gente. Só assim teremos um terreno seguro em comum, mesmo quando nossas conversas estiverem tensas.
Hoje acabo de saber de seu casamento e de sua preparação para partir de novo. E pela última vez lhe proponho... Vá torcer pelo Porto! Mas, se a ideia não lhe convier carregue a cruz de Cristo de volta à terra que nos fez nascer. Mas seja como for, tenha a certeza que por você tudo o que tenho é um amor infinito.

Para o Francisco, o amor que Deus me deu em forma de menino. Para a Raquel que escolheu dividir seus passos com ele.

Remo Noronha

quinta-feira, 21 de junho de 2018

IRMÃO SOL, IRMÃ LUA

Onde quer que seus passos,
Seus compassos,
Seus espaços lhe levarem,
Me leva contigo
Mesmo quando eu tiver partido.

No momento em que lhe disser não,
Seja o mundo ou a razão.
Não esqueça de quem muito lhe ama
E sempre será de seu coração a chama.

Assim como tenho uma estrela guia
Que seja eu, seu brilho, no raiar do dia.
Se mesmo assim lhe for pesada a labuta
Lembre que em seu sangue borbulha a luta.



terça-feira, 12 de junho de 2018



MEU AMIGO VAI CASAR

Conheci Filipe na academia. Um dia, ele estava usando uma camiseta que tinha estampado EDUCAÇÃO FÍSICA. Fiz uma selfie nossa e com a outra mão tapei a palavra educação e escrevi na postagem: minha física não tem educação.
O que só era para ser engraçado, acabou nos definindo um bocado. O Filipe parece ser da minha família, só que é bem mais educado do que eu. Canso de dar broncas nele dizendo que ele devia bater de frente aqui, falar uma besteira ali ou arrumar uma confusão acolá.
Paciente e gentil, somente decide me avacalhar quando está no papel de meu personal trainer. Só assim o ouço gritando, mas são coisas como: Vai, vai, vai! Mais uma! Respira. Vamos nessa! E quando faço uma defesa legal, a minha preferida: valeu garoto!
Então, não é difícil entender o porquê de a Jéssica o ter escolhido. Cabe a elas essa escolha, pois são mais sábias. Sim Filipe, essa é minha primeira dica, trate ela como uma joia rara e lembre sempre que essa história de submissão ou de sexo frágil é tudo papo furado de quem não tem o que dizer. Elas são melhores do que nós. E se fomos feitos primeiro como é dito no Livro, é porque o protótipo sempre vem antes do produto final e melhor acabado.
O tempo passou e assim nossa amizade foi crescendo entre defesas e frangos, aulas de inglês e discussões filosóficas, até o ponto de você me escolher para padrinho nesta festa que será, certamente, inesquecível para nós. Como cereja de um bolo de casamento, a data coincide com a do primeiro beijo que a Aninha me deu. Como você bem sabe, vivo todo arranhado, mas não largo minha gata. Assim como espero que você nunca vá se cansar dos arranhões da sua.
Diferente dos padrinhos de batizado, conhecidos como godfathers, os padrinhos de casamento são nomeados como best men (fala sério – melhor homem para quem, cara pálida?). Uma distinção que não ocorre em português. Mas isto é muito significativo, posto que enquanto aqueles têm o dever sagrado de substituir os pais em casos extremos, cabe a estes beber que nem peixes e falar um monte de besteiras no dia do casamento. Porém, como não sei se vou estar sóbrio o suficiente, decidi escrever isto aqui para evitar de falar na hora H. Fica sempre o temor de tropeçar no véu de sua linda noiva, por fogo no bolo ou qualquer outro desastre que sou bem capaz de causar.
Sei que no final me caberia falar algo edificante e doce, para fechar com uma conclusão retumbante. Aqui entraria em cena mais uma vez o velho professor de inglês. Neste momento iria lhes lembrar mais uma vez que a palavra casamento pode ser traduzida de duas formas diferentes, como wedding ou marriage. Mais uma vez uma distinção que não ocorre na língua de Camões.
Wedding se refere a festa, que tenho certeza vai ser linda a despeito de todas as suas preocupações, das quais não cansei de ouvir nos últimos dias e ainda das ausências e dos contratempos. Mas lembre que muitas pessoas amadas estarão aqui para abençoar uma união feliz e duradoura. Será um dia de brilho e gala. Será uma festa, mas não esqueça que basta ter amigos como vocês por perto que já é uma festa.
Marriage se refere ao dia a dia. Se você fosse um cara de exatas e sua física não tivesse educação como a minha, eu poderia lhe dizer que relacionamentos são como senoides ou movimentos ondulatórios. Então, surfe nas cristas e torne os vales curtos e rápidos.
Finalmente é aquela hora que eu devo lhe dar um conselho muito importante: dê sempre razão à Jéssica, nunca esqueça quem é que manda e faça o seu papel de fingir ser mais o forte, caso um dia a barra pesar. Nunca deixe ela ter dúvidas de que ela é a pessoa mais importante de sua vida, construa uma família e jamais deixe que ela sequer pense que um mero cabelo branco vai diminuir o seu amor.
Nos 45 do segundo tempo, apesar do wedding ser super legal o que conta mesmo é o marriage.
Para a Jéssica fica apenas uma lembrança, de que foi o Filipe que me escolheu para dizer estas besteiras, mas que foi ela que escolheu o melhor homem.

Remo Noronha

segunda-feira, 11 de junho de 2018


Sexto GI
Somos bombeiros. Bravos Guardiões
de Nova Friburgo, em meu coração
Com um brado heroico vou o fogo exterminar
Vidas alheias e riquezas a salvar.

Minha relação com o quartel de bombeiros de Nova Friburgo começou com um desses acasos incompreensíveis. O fato é que eu havia sido o terceiro colocado de minha turma e isto me oferecia um amplo direito à escolha. Sabia que os dois primeiros queriam ir respectivamente para o Meier e Copa. Então, passei o ano inteiro me preparando para servir na Barra, onde estava o Grupamento de Busca e Salvamento.
Na semana seguinte à formatura recebemos uma folha na qual deveríamos escolher três quartéis e a minha segunda opção foi Jacarepaguá. Mas... o que mais iria escolher? Ora, eu acabara de vir de um fim de semana INCRÍVEL em Lumiar, com direito a música de Beto Guedes e tudo. Então, perguntei a um amigo qual era o quartel mais próximo. Neste momento em que você está lendo, fica claro que nenhuma das unidades da zona oeste abriram vaga.
Hoje, todavia, não quero contar as histórias do que fiz lá. Como canso de dizer, minhas derrotas falam de mim muito mais do que as minhas vitórias.
Este filme foi remasterizado por um zap-zap do Grandini. Lembramos que um dia eu lhe redigi um baita elogio que não deixaram publicar no boletim. Fiquei puto naquela época, mas hoje lembro da história com doçura. Afinal, foi mais um motivo para comemorar o fato de que bombeiros como ele devem ser elogiados sempre.
Também não pude ser campeão das provas profissionais com a minha tropa no ano em que eu era aspirante e, portanto, responsável pela instrução. E pé frio que sou... resumindo, voltamos com a taça de prata. Naquele dia, eu falei para o meu comandante que voltaria para buscar a de campeão no ano seguinte. Só que, por uma dessas voltas do destino, fui transferido para outra seção, mas pelo menos tive o prazer de ver meu time dar a volta por cima.
Também não podia modificar o salário deles ou o meu mesmo, éramos pobres, pobres, pobres de marré, marré, marré. Só para ter um parâmetro meu salário bruto seria comparável preço de uma geladeira compacta.
Também não podia lhes dar fardas novas, o almoxarifado guardava apenas duas mudas para uma emergência e mal caberiam em um anão.
Também não podia lhes oferecer equipamentos no estado da arte. Só que o cuidado que eles tinham com o que tinham era comovente. A Auto Escada Mecânica com décadas e décadas era testemunha desse amor.
Também não podia lhes dar cortesias para eventos que varias outras instituições conseguiam. Quando a tropa me questionava, eu costumava dizer que outras pessoas tinham o que não temos, porque faziam o que não fazemos. Mais uma dessas frases tiradas da sabedoria popular que minha mãe sempre insistiu em me ensinar.
Havia, felizmente, outras coisas que eu podia fazer. Por exemplo, toda vez que as escolas vinham para visitar o quartel, eu chamava o pessoal que ralava e pedia para as crianças para aplaudir os bombeiros. E quando o socorro voltava, eu dizia ao motorista do Auto Rápido que passasse devagar na praça Getúlio Vargas, como se fosse um desfile fora de época, o que também os fazia estufar o peito.
Havia algo mais que eu podia fazer, não estava listado nos valores óbvios como encher alguém de presentes ou dinheiro. Aquele episódio do Grandini me ensinou algo valioso. Desde então, toda vez que um cara fazia algo extraordinário, eu fazia questão de pôr todo o quartel em forma para elogiar na frente de todos. Isso eu podia fazer.
Neste momento, um simples aperto de mão era tudo que eu precisava para fazer homens de valor inestimável chegar às lágrimas.

Remo Noronha

sábado, 19 de maio de 2018


A CIDADE E AS ESTRELAS 

Quem é você ...
Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira,
Oswaldo Cruz e Matriz
Que sempre souberam muito bem
Que a Vila Não quer abafar ninguém,
Só quer mostrar que faz samba também

Estou quase certo de que a referência que vou citar vem de um livro de Arthur C. Clarke (sim, aquele autor que você xingou à beça quando viu n kapa pi minutos de efeitos especiais incompreensíveis de 2001 uma Odisseia no espaço), cujo título encabeça a presente crônica.
O trecho que quero contar é um no qual o personagem principal encontra um cara que é telepata. Logo chega um momento em que ambos se saem de uma cidade. Depois de um silêncio incômodo, o tal do telepata explica que estava se despedindo da namorada.
Quando li isso, pensei: “Caraca! Se alguém soubesse o que penso jamais iria querer ser meu amigo, quanto mais me namorar”. Meu coração nerd quase pulou de desespero ao lidar com a perspectiva. Já me bastavam os decorridos dezessete anos de solidão. E eu não queria de forma alguma quebrar o recorde de Gabriel Garcia Marquez.
Um pouco depois vi algo que não sei se era ciência, bruxaria ou alquimia. Tratava-se de um documentário no qual estavam pesquisando a possibilidade de transmitir o pensamento associado a fala com o seguinte processo:
- Analisa-se a fala de uma palavra comparando com o mapeamento cerebral naquele exato momento.
- Compara-se a intenção da fala da mesma palavra sem que esta seja pronunciada em novo mapeamento.
- A exaustiva comparação de padrões levaria a compreensão de quais ondas eletromagnéticas correspondem a cada palavra, e bingo (só um cara velho pra cacete usa isso neste contexto!), podemos transmitir isso a outra pessoa.
Minha duvida do fato disto ser real ciência não deve causar espanto a ninguém. Não podemos esquecer que há pouco se dizia que fumar não fazia mal à saúde, que pessoas com percepção extra-sensorial poderiam influenciar ações de líderes mundiais, que uma determinada raça era superior ou ainda que a Terra era plana (bem, isso tem gente que acredita nisso até hoje!). E tudo isso assinado, carimbado e selado no pluft, plaft, zum de documentos científicos.
Ao revisitar a ideia de telepatia, a cena agora me passa de um modo metafórico, pois estamos bem próximos disto nas redes sociais. Falta uma tonelada de cera para os sinceros de ocasião.
Lembro muito bem quando discuti com um acadêmico que criticava os excessos da escola tradicional, pois se debruçar em tanto conteúdo era perda de tempo, afinal bastaria ter senso crítico.
É isso que a tal da telepatia nos traz. Hoje podemos criticar qualquer coisa, de preferência xingando todos que pensam diferente no final, mesmo que não tenhamos qualquer conhecimento sobre o assunto.
A resposta a tudo isso poderia ser o dito de que o silêncio vale ouro. Ou aquela velha história das peneiras: a da verdade, a da utilidade e a da bondade antes de falar. Ou ainda das penas largadas ao vento do alto da montanha. Ou simplesmente a anedota de que em boca calada não entra mosquito. Enfim, os exemplos da sabedoria popular são infinitos.
Abraham Lincoln um dia disse que "Às vezes é melhor ficar calado deixando que os outros pensem que você é um idiota, do que abrir a boca e não deixar nenhuma dúvida."  O que me parece muito adequado, pois nunca me arrependi de ter me calado (isso quando consigo superar meu instinto selvagem – sinceridade e raciocínio rápido sempre foram a minha ruína!).
Mesmo assim, se o bichinho carpinteiro me coçar sempre tenho a alternativa de escrever sobre o assunto. E tal atitude me poupa de atribuir a frase citada, aqui mesmo no parágrafo anterior a Bernard Shaw, ou qualquer outro cara. Pois quando escrevemos sempre podemos pesquisar com calma e no meu caso particular perguntar ao Marcos Duílio ou ao Francisco se não estou dando uma tremenda mancada antes de publicar (o que nem sempre faço por pura ansiedade, portanto não atribuam a eles os meus erros – mea culpa, mea máxima culpa).
Outra vantagem de ficar calado é ter um ar de mistério que aumenta muito suas chances de ser bem-sucedido em suas empreitadas amorosas. (Ah! seu eu soubesse disso em 1981).
Este texto mesmo está com mais buracos do que queijo suíço, tem um monte de coisas que eu queria dizer, mas como fazê-lo sem ofender um monte de gente? Quando chega neste ponto o que nos cabe é o silêncio.
E para ninguém achar que não posso falar esta palavra sem o mínimo de doçura aqui vai o trecho de minha canção de ninar predileta: “Silêncio. Ele está dormindo. Vejam como é lindo. Sua majestade o neném”.

segunda-feira, 7 de maio de 2018


SAGRADO

“Sim, todo amor é sagrado”

Recebo de meu irmão, Alexander Noronha, reflexões sobre a espiritualidade dos índios. De minha Prima, Raquel Noronha, o informe de qual é o santo do dia. De minha irmã, Cleópatra Noronha, uma pequena oração emoldurada pela praia de Piratininga. De minha irmã, Mary Albuquerque, as orações de Chico Xavier. De meu irmão, Rômulo Noronha, as graças de um ateu. Recebo de meus amigos; Jorge Basílio, Cenízio, Pires Ferreira e Gilson; lindos textos bíblicos. De minha prima, Adriana Noronha, lindos desenhos de seu filho, que me parecem vir da cultura Iorubá. De minha irmã, Paulinha e seu marido, artista de mão cheia, ensinamentos da mitologia grega. De meu pai a correta forma de rezar o Pai Nosso. De minha mãe uma poderosa oração chamada chagas abertas que sempre me protegeu. Da minha querida tia Nívea, ensinamentos com Perfeita Liberdade. De minha irmã,  Lídia Rivero, uma linda oração em espanhol, que proteje os viajantes. Dos Homens Batistas do Texas e de meu sobrinho Dudu a compreensão de que basta falar com Deus, pois ele é meu amigo. Do Marcos Duílio tantas orações de tantas culturas diferentes que já nem sei qual é a religião dele. De minha amada esposa a admiração pela mulher que se ajoelha diante do sagrado. Dos índios que acolhi no quartel de Nova Friburgo a compreensão de que a espiritualidade vem da natureza.
Então, toda vez que vejo vandalismo nos tapetes de sal. Ou agressões às religiões afro-brasileiras. Ou igrejas católicas roubadas. Ou Igrejas evangélicas pichadas. Ou alguém quebrando uma santa na tv. Ou alguém usar a religião dos outros para os explorar. Ou ainda, alguém justificar uma guerra por ser “santa”. Enfim, qualquer ato como esse se propagar. Meu coração agnóstico se contorce de dor.
Digo que sou agnóstico, pois meu conhecimento é ridículo diante de tanta grandiosidade. Digo por que sou poeira ao vento e minha opinião não é assim tão importante a ponto de justificar qualquer das minhas agressões as suas crenças.
Se é sagrado para você é sagrado para mim.
Remo Noronha

quarta-feira, 2 de maio de 2018


VILÕES

Quando vejo uma trama o que logo observo é o porte do vilão. Caso ele seja linear, simplório ou algo que podemos definir nada mais do que “do mal”, me bate a certeza de que a história não vai ser grande coisa.
Por outro lado, Mr. Smith de Matrix é simplesmente invencível, multiplicável, ágil e articulado. Então, o desfecho lógico é dito pelo oráculo: Neo pode até ser bonitinho e legal, mas vai ter que esperar por outra vida.
Abrindo um par de parênteses do tamanho do mundo, cabe lembrar que o oráculo está longe de ser um vilão, assim como o telefone do filme Atração fatal, trata-se apenas de um mensageiro. Neutro e impiedoso como a verdade, inescapável como a gravidade para quem é defenestrado, inexorável como o destino (favor não confundir com o inimigo do quarteto fantástico).
Smith além de carregar o nome de outro vilão já citado, brilha na nova série da Netflix anunciando precocemente que Perdidos no Espaço (juro que não haverá nenhum spoiler significativo – portanto pode continuar lendo – não sou tão “do mal” assim) se posicionará anos-luz (posicionará mesmo – ano-luz é medida de distância e não de tempo!) à frente da série homônima, clássica e insossa. 
Boas tramas, em geral, trazem personagens complexos, capazes de grandes erros mesclados com atitudes magníficas. Mas a vilã se posiciona muito além das linhas vermelhas que determinam uma espécie de doença mental oriunda de total falta de empatia.
Bem que eu poderia dizer a ela: “você é uma pessoa horrível, com pitadas de psicopatia”, mas há algo que não consegui definir muito bem, aquele velho tempero que nos faz amar odiar uma personagem egoísta e ardilosa.
Sua atuação remete à Éris, a deusa da discórdia, capaz de deixar uma maçã perdida (não no espaço, mas no Olimpo) com a seguinte inscrição: “Pertence à mais bela das deusas”. As consequências foram devastadoras, refletidas em uma guerra quase interminável. Isso só porque esqueceram de convidar a tal da mexeriqueira para a festa.
Qual seria a alternativa? Bem, esta fica para depois. Outras metáforas dizem claramente que certas coisas não têm jeito, basta lembrar a história do sapo que aceitou levar um dependente escorpião nas costas para atravessar um rio. Uma picada e os dois morrem, pois é difícil fugir de sua própria natureza.
Quanto a mim, me despeço dizendo que tenho estado bem mais tranquilo, evitando confusão a todo custo até a hora que um baba... estaciona em fila dupla prendendo meu carro, por se achar dono da rua. Mas assim como a senhora Smith devo declarar: “eu não sou o vilão desta história”.  

segunda-feira, 9 de abril de 2018


RÓTULOS

“Mostrando minha identidade
Eu posso falar a verdade pra essa gente
Como sou da Mocidade Independente”

          Tomei coragem para fazer algo novo: terça-feira começo uma dieta controlada por uma competente profissional. Escolhi este dia da semana por dois motivos:

1.    Segunda seria clichê para cacete:

2.   Preciso fazer compras para suprir o que falta aqui em casa, o que adia o sonho de um abdome trincado (espera aí que fui me escangalhar de rir).

Dentre os fatos que preciso aprender, tenho agora a necessidade de ler os rótulos para saber o que estou comprando.
Devo assumir que já tive muitos.
Minha certidão de nascimento traz um nome incomum que sempre me faz explicar um pouco da mitologia romana, mas poderia ser pior, não fosse o cuidado do escrivão que corrigiu o RORONHA.
Imagino que tive uma carteirinha de vacinação. O que chama a atenção para o fato de que, no caso dos meus cachorros (que nem sabem o que é pedigree), é a única prova oficial de que eles têm nomes.
A carteirinha de estudante quase dizia com perfeição quem eu era, pois nunca tive coragem de mudar minha data de nascimento para poder ver filmes de sacanagem. O cabelo desgrenhado mostrava meu orgulho de um pé na senzala. Outro motivo de alegria era carregar o nome meus pais, minha única herança. Só faltava dizer que eu era nerd.
A carteira da Universidade Federal Fluminense, que já me livrou de virar estatística no dia em que quatro policiais me pararam em um beco apontando armas na minha cabeça, mostrava um eu alternativo na busca da compreensão da ciência que nos ensina a linguagem de Deus.
Mas, de todas as carteiras, a que mais me acompanhou foi a “casquinha de siri”, aquela vermelha que diz qual é minha patente no querido Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro. Hoje esta anda escondida em uma gaveta, por temor de que algum bandido decida que assassinato seja pouco para um cara que já subiu tanto em favelas para atender pessoas que sofreram com tanta chuva e descaso.
Então, posso dizer que me dói ver ser preso (mesmo que merecidamente), por suposta corrupção, um “ex-coronel”, se é que isso existe. Até então, conhecia apenas a reserva remunerada e a reforma. A tradição jornalística era quando um cara como eu errava, ele logo se transformava na imprensa em oficial de alta patente.

No todo, esta identidade aumenta enormemente minha responsabilidade cidadã. Por mais que eu não queira, sei que ainda represento minha corporação. Por este motivo não tenho, pelo menos na prática, alguns direitos que a maioria das outras pessoas dão como certo. Mas isto é justo, mesmo que essa carteira tenha me custado uma boa parcela da minha juventude e muito esforço. Pois no final das contas, o que fica dela é um ego tremendamente inchado.
Mesmo assim ela não me define, da mesma forma que não o faz a minha composição química, massa, estatura, tamanho da minha barriga (que eu juro que vai diminuir), data de nascimento, cor da minha pele ou o que mais você queira. Tudo isso são apenas visões estáticas do que podemos ser.
 Ainda bem que quando se trata de alimentos, me parece que o rótulo pode ter alguma precisão. Nele podemos saber a quantidade das (malditas) calorias, assim como a presença de acidulantes, aromatizantes, corantes, glúten e todas aquelas coisas que exigem ao menos uma pós-graduação para serem entendidas.
Confesso que será algo quase novo, pois sempre li o que está no produto que mais gosto de comprar: água, lúpulo e malte. 
Remo Noronha

sábado, 31 de março de 2018


SOBRE FILHOS E CALOPSITAS

Cães, gaviões e gatos. Sempre haverá um risco insuportável e algo a nos dizer que a gaiola é sempre melhor.
Calopisitas  são frágeis, as suas únicas defesas são as asas que teimamos em podar. Mas há um jeito certo, uma técnica infalível, uma medida para dizer como se usar tesouras em um par de asas. Isso teoricamente, e só serve para calopisitas. E mesmo assim há controvérsias.
Entre a segurança das gaiolas e o céu e as árvores há uma infinidade de possibilidades.
Sua miríade de cores e de sons nos dizem que há uma infinidade de formas de dar certo (ou errado).
Cuidado e atenção, o acompanhar dos voos, o ensinar dos cantos. Ombros para terem onde pousar.
No mais sobra apenas uma oração, um bater de asas o olhar para um infinito azul que pertence apenas as aves.
Remo Noronha

PS.: Só quem escreve e publica sabe o que é a neurose da revisão.
Só nós que temos a coragem de sermos poetas, Xamãs modernos, sabemos o quanto dói e o que é ser açoitado por gramáticos dramáticos, esse eu insisto. Será fruto somente de minha emoção, pois assim são as calopisitas. Sem retoques e sem segundas chances.

terça-feira, 13 de março de 2018



Despedida
“Deixa balançar a maré
E a poeira assentar no chão
Deixa a praça virar um salão...”
Uma profissão me escolheu.
Por ela já passei fome e frio. Confesso que ainda me arrepio.
Tive que aprender muito para poder começar, principalmente o que é companheirismo e o que é luta. Depois aprendi quando deveria ensinar.
Treinei à exaustão.
Já trabalhei tantos natais que não os sei contar mais.
Já entrei em esgoto.
Fui mordido por um cachorro.
Já ri tanto no alojamento que quase desloquei o queixo.
Já dei muito trabalho para o meu anjo da guarda. Mas já vi um anjo mais sofrido, aquele que permitiu que uma moça saísse ilesa sob um ônibus capotado.
Já pensei que vivia alguém saudoso ao sentir o meu próprio pulso.
Já convidei para jogar futebol um cara que tinha quebrado as pernas em uma colisão.
Já vi pequenos milagres o suficiente para saber que podemos ser as mãos de Deus. E também que tudo só pode dar certo se Ele assim o quiser.
Quebrei a porta de um apartamento, quando o incêndio era em outro.
Já pranteei amigos que partiram trabalhando.
Vi tanta chuva que pensei que meu dia tinha chegado.
Já comemorei uma promoção pendurado de cabeça para baixo em um barranco, presente de uma tropa que provou o quanto me considerava.
Essa mesma tropa me ensinou mais em um ano do que jamais poderia aprender em três de academia.
Já fiquei com um lado só do rosto bronzeado.
Parei um instante infinito dentro de um prédio em chamas para olhar para a grandiosidade do fogo que tudo arde. Então entendi porque trago uma fênix no peito.
Já me vesti de gala, de brilho e estrela, mas do que gostava mesmo era do brim.
Vi tanta dor que eu não sei como fiz para suportar.
Mesmo assim vi o olhar de gratidão.
Por isso sei que o bombeiro é de todos o soldado mais amado.
Feito de fogo e de chuva. O barão da ralé.
Mas me perdoem aqueles que o serão para sempre. Pois hoje, depois de tanta água sob a ponte; peço minha licença derradeira, mesmo que não a seja por inteira. Afinal onde houver dor que haja solidariedade.
Mas finamente fecho as portas às minhas costas para abrir outras à frente.