MEU CORAÇÃO PULOU
“E pra primeira eu vou subir
Pela segunda vou passar
Na alegria ou na tristeza
Eu nunca vou lhe abandonar.”
- Pai, preciso falar contigo.
- Tô meio enrolado, pode ser amanhã?
- Não. Tem que ser hoje.
- É urgente? A Defesa Civil está em prontidão no Estado.
- É sim. Vamos a São Januário, hoje à noite.
- Tá de Brinks? Tô te falando que estou enrolado.
- Tem que ser em São Januário.
- Tá de saca?
- Não. Só pode ser lá. O que quero lhe dizer é muito
importante!
-Ok, você venceu, batatas fritas.
- Eu pago os ingressos, a cerveja é por sua conta.
- Beleza, portão da social às oito e trinta.
- Valeu, te vejo lá.
Assim que entramos no estádio eu lhe
perguntei:
- O que é que tá pegando?
- Pai. Passei nas vagas para a Escola Naval.
Naquele mesmo momento o mascote
vestido de almirante estava passando na nossa frente.
-Tá maluco, Aspirante? O Almirante está passando em frente!
Presta continência! Presta continência!
Quem via a cena não devia estar
entendendo nada. Nós dois prestando continência para um bonequinho.
Chegar a esse ponto de estar lado a
lado, na mesma torcida não foi assim tão simples. Por três vezes quase lhe
perdi para o rival. Na verdade, posso lhe dizer agora não seria problema
nenhum. Três dos meus irmãos, meu pai, meu sogro e um monte de amigos também
torcem mal. Que Deus os perdoe.
Só para você entender o quanto amo
os nossos rivais, apenas lhe digo que ainda espero uma carta de meu pai toda
vez que perdemos. Afinal, tudo isto deveria ser apenas uma brincadeira, mas
futebol é a coisa mais importante dentre todas aquelas que não têm importância
nenhuma.
Quando o Everest foi seu babá você
me aprontou dois tremendos traumas: aprender as músicas de nosso rival e ter
arrumado um derrame pleural que quase lhe levou precocemente. Naquele dia pedi
a Deus: que você torcesse para quem quisesse, mas que Ele não lhe levasse de
mim.
Não foi a
primeira que você me aprontou. Apressado chegou quase três meses antes,
magricelo e sofrido. Como pode um tiquinho de gente assim sobreviver? Só que
naquele dia ouvi no rádio a música que sua mãe me indicou, que dizia: “meu
coração pulou, você chegou e deixou assim com os pés fora do chão.” Então eu
soube que teríamos outras músicas para cantar juntos.
Outro dia você, bem maiorzinho fez
uma baita malcriação para sua mãe. Saí do quartel às pressas pensando, "vou
quebrar o Play Station em pedaços tão pequenos que não vai dar nem para
reciclar". Teimoso que sou, assim o fiz. Chorando de raiva você me disse que
iria torcer para outro time.
Um mês sem trocarmos qualquer
palavra e a ferida sarou. Se formar seu magnifico caráter teve o valor de um
videogame foi um preço irrisório a ser pago.
Logo depois veio a primeira queda,
que é a que mais dói, e naquele dia eu lhe disse para virar casaca. Só que a
casaca aí já fazia tanto parte de sua pele quanto da minha. Não podemos
esquecer que a turma é boa, é mesmo da fuzarca.
Mas isso é só futebol, sua queda
veio em uma coluna em forma de S, que lhe trouxe um monte de portas fechadas.
Nada de ser marinheiro de guerra, nada de ser marinheiro de paz, nada de ser
aviador, nada de ser bombeiro. Mérito não lhe faltou, nem intelecto, nem
esforço. Mesmo assim quatro portas se fecharam, mas sei que foram eles que
perderam.
Distância e independência,
preparatório, faculdade, Alemanha, faculdade de novo, um amor para toda sua
vida e agora mais uma partida.
Depois disso tudo fico feliz de
poder contar a anedota a todos aqueles que brincam comigo dizendo que lhe
forcei a torcer pelo meu time. Respondo dizendo que você teve escolha. Na sua
cama uma camisa branca com faixa preta e outra preta com a faixa branca... Pode
escolher moleque, e lembra de quem paga a sua mesada.
Só assim pude lhe ter ao meu lado,
junto com o Maninho e o Sinclair naquela noite inesquecível. Só assim pudemos
cantar o samba enredo da Unidos da Tijuca, lá em Belém diante dos olhos e
atônitos dos portugueses. Só assim temos as nossas piadas internas sobre os
jogadores ruins. Só assim abraçamos um inglês aos gritos de “I told you” quando o Romário, mesmo
velho, calou os adversários. Só assim vamos discutir o resto da vida se foi
mérito do Cássio ou orelhada do Diego. Só assim vamos lembrar da Jaísa gritando
com a gente. Só assim teremos um terreno seguro em comum, mesmo quando nossas
conversas estiverem tensas.
Hoje acabo de saber de seu casamento
e de sua preparação para partir de novo. E pela última vez lhe proponho... Vá
torcer pelo Porto! Mas, se a ideia não lhe convier carregue a cruz de Cristo de
volta à terra que nos fez nascer. Mas seja como for, tenha a certeza que por
você tudo o que tenho é um amor infinito.
Para o Francisco, o amor que Deus me
deu em forma de menino. Para a Raquel que escolheu dividir seus passos com ele.
Remo Noronha