terça-feira, 31 de março de 2020


Moral da história

Eu estava trabalhando na Defesa Civil na época em que ocorreu a Jornada Mundial da Juventude. Para entender o que aconteceu comigo naquele momento é necessário dizer que nenhum bombeiro é só bombeiro. Como é quase de conhecimento geral, nós temos um trabalho extra para fechar as contas no fim do mês. E dou aulas... até mesmo de Inglês.

Assim sendo recebi uma ligação do gerente do CCAA da, distante e acolhedora, São José do Vale do Rio Preto para eu ser intérprete de um grupo de norte-americanos. O que aceitei com prazer e o fiz representado minha instituição estadual.

Uma das minhas missões era preparar uma carta de boas-vindas.

Antes de terminar esta história, quero contar outra: Dizem que Crasso era um General Romano que abandoou as táticas militares e saiu atacando de qualquer forma. Desde então, seu nome ficou associado a falhas inaceitáveis. Não sei se isto é verdade.  Entretanto, não permitirei que uma insignificância como a verdade possa estragar uma boa história.

A que eu astava contando continua quando digito worm (verme) ao invés de warm (quente, morno – em uma metáfora para acolhedor) ao qualificar os abraços que eles receberiam dos brasileiros.

Antes de formalizar a carta, pedi para o Adalcir revisar, e amigo como ele é, tive o meu erro crasso corrigido e perdoado.

A história acaba aqui. Acredito que não precisa ser mais didático do que isto. Porém não resisto a minha própria verborragia...

Ter a humildade de cogitar a possibilidade de errar é um bom sinal de que você ainda não se encastelou, o que é próprio do ego que aprisiona os incautos.

Ainda há palavras para as quais o corretor ortográfico não é nada corretor.

Nunca! Jamais! Em tempo algum, revise seus próprios textos. Quem erra quase nunca percebe.

E principalmente: tenha amigos, eles sempre são melhores que computadores.

sábado, 28 de março de 2020


JORNADA NAS ESTRELAS
Spoiler alert
leia depois de ver o último episódio de Picard

Chorei duas vezes a morte do meu personagem favorito: a segunda foi junto com todo mundo na despedida de Leonard Nimoy; a primeira foi no escurinho do cinema, quando vi a partida do oficial de ciências. Cena antológica! As pernas bambeando diante de seu melhor amigo ao recitar, com lógica, a ideia de que um deve se sacrificar pelo todo.
A nota cômica fica por conta do fato que eu não conseguia parar de chorar. Quando entrei no ônibus uma senhora me perguntou o que havia ocorrido. Respondi: o Mr. Spock morreu! Ela replicou: é o seu cachorro? Sem saber o que responder, acenei com a cabeça. Então, recebi um abraço que durou até chegar no Meier.
Hoje chorei novamente, compulsivamente, por um belo ator e um personagem morreram no mesmo dia: Picard na ficção e o doce Daniel Azulay.
Dois velhos, justo quando a vida deles é declarada como descartável diante de necessidades econômicas.
É só ficção você vai me dizer. Será? Permita-me divagar um pouco com duas histórias:

- A atriz que fazia o papel da Tenente Uhura conversou com ninguém menos do que Martin Luther King e lhe falou de sua intenção de desistir do papel devido ao seu ridículo retorno financeiro. Todavia, o pastor lhe respondeu que ela tinha enorme responsabilidade com as jovens negras, que viviam a esperança de um futuro no qual a cor da pele delas não importaria. Ao voltar a gravar Nichelle Nichols contou ao Gene Roddenberry que se emocionou ao perceber que o ícone dos direitos civis entendera a sua intenção.

- Quando foram fazer a versão mais moderna da Enterprise não havia grana o suficiente para os cenários futuristas. Um produtor, em uma tentativa desesperada levou a equipe a um laboratório de astrofísica na impossível tentativa de convencer os cientistas de gravarem lá. Quando o diretor recebeu a proposta absurda chamou todo staff e pediu que as palavras fossem repetidas. O produtor, envergonhado, se desculpou e repetiu a proposta desanimado. A resposta foi dada com um sim épico emoldurado por vários sinais de prosperidade Vulcano. Todos eram fãs!
Fato. Não sou o único maluco que ama a série e foi incentivado a estudar por ela.
Então, lhes digo com a mesma veemência. A resposta vem da arte. É ela que diz o real valor dos velhos como guardiões de nossa sociedade. Picard, em especial, simboliza tudo o que queremos ver em um líder, que faz da coragem e ética o norte para tomar as decisões coerentes. É óbvio, que ele está disposto a se sacrificar para dar uma oportunidade a outros. Quem tem comando de verdade não tem apego pela cadeira.
Você pode achar que é exagero meu, mas esta série sempre me ajudou a manter a fé de que encontraremos um caminho, apesar da ignorância espalhada intencionalmente aos quatro ventos.
Nestes tempos sombrios que se aproximam arte mais uma vez traz uma alternativa.
Me despeço lhe desejando vida longa e próspera. Porém, mesmo que assim não ocorrer, que seja uma vida rica de valores que ultrapassem a mesquinhez e o egocentrismo. Afinal todos os caminhos levam, inexoravelmente, para a nossa jornada final. O que pode ser diferente é o que faremos até chegar lá.

sexta-feira, 13 de março de 2020

Ciclopes



Vou começar esta conversa com algo que lembro vagamente, do tipo “ouvi o galo cantar, mas não sei onde”. Fala sobre um gigante que pediu a Apolo o dom de ver o futuro. O condutor do carro de Sol concedeu o pedido, mas iria lhe tirar um dos olhos em troca.
Trato feito.
Cada um parte com o que lhe cabia: Apolo leva um olho em suas mãos, já o Ciclope leva o conhecimento de um momento muito particular de sua existência: a própria morte.
Segundo ato (este sei bem de onde veio: é parte da Odisseia)
Em uma de suas peripécias a caminho de Ítaca Ulisses disse ao seu captor que seu nome era Ninguém. E foi assim que arquitetou sua fuga das mãos vorazes de outro Ciclope. Logo após, quando o herói perfurou o olho do ser monocular, este suplicou aos seus irmãos que o vingasse. Só que isto não aconteceu, pois eles lhe perguntaram: “quem o feriu?” A resposta foi... “Ninguém”.
Desta forma é que Odisseu recebeu seu terceiro nome e se transformou ardilosamente em ninguém para seguir o seu caminho.
Terceiro ato.
Eu estava terminando o segundo grau e cansei de ouvir esta charada:
“O que é um pré-vestibulando de bicicleta com um cruzeiro na mão?”
A resposta vinha em coro: “Nada!”
Era um alívio cômico das tensões do dia-a-dia, mas poucas respostas poderiam ser tão verdadeiras.
O tal do Vestibular é um dos últimos rituais de passagem de nossa sociedade. Morremos de pena dos jovens que têm um ano para decidir o resto de suas vidas. Logo nós, reis em terra de cegos, que só temos uma certeza de nosso futuro.
Chegada é a hora de sair de casa, ter maior autonomia, decidir o que mais estudar e andar em caminhos onde não se podem ver pegadas.
Os filhos não podem ser protegidos pelos pais ao atingir 40 ou 50 anos. Em algum momento deve haver uma ruptura, sob o risco de ter que lidar com adolescentes de 60. Infelizmente há muitos por aí.
O estudante deve entender que, para fugir de uma expectativa monstruosa na qual toda a visão de futuro só o leva ao implacável perecer, ele tem que saber o que é ser ninguém. Assim pode construir uma nova perspectiva de pleno desenvolvimento humano, tão essencial quanto ar.
Barro novo e macio que ao girar, sofrendo, é moldado.  
Não sei você, mas estou muito longe de ser a criança mimada e egoísta programada para ter o mundo aos meus pés. Amadurecer tem tudo a ver com destruir o ego.
Isto tudo está longe de ser um sistema perfeito, mas se você não gosta dele, pergunte como os aborígenes australianos fazem para que meninos se transformem em homens.