Vou
começar esta conversa com algo que lembro vagamente, do tipo “ouvi o galo
cantar, mas não sei onde”. Fala sobre um gigante que pediu a Apolo o dom de ver
o futuro. O condutor do carro de Sol concedeu o pedido, mas iria lhe tirar um
dos olhos em troca.
Trato
feito.
Cada
um parte com o que lhe cabia: Apolo leva um olho em suas mãos, já o Ciclope
leva o conhecimento de um momento muito particular de sua existência: a própria
morte.
Segundo
ato (este sei bem de onde veio: é parte da Odisseia)
Em
uma de suas peripécias a caminho de Ítaca Ulisses disse ao seu captor que seu
nome era Ninguém. E foi assim que arquitetou sua fuga das mãos vorazes de outro
Ciclope. Logo após, quando o herói perfurou o olho do ser monocular, este suplicou
aos seus irmãos que o vingasse. Só que isto não aconteceu, pois eles lhe
perguntaram: “quem o feriu?” A resposta foi... “Ninguém”.
Desta
forma é que Odisseu recebeu seu terceiro nome e se transformou ardilosamente em ninguém
para seguir o seu caminho.
Terceiro
ato.
Eu
estava terminando o segundo grau e cansei de ouvir esta charada:
“O que é um pré-vestibulando
de bicicleta com um cruzeiro na mão?”
A resposta vinha em coro:
“Nada!”
Era
um alívio cômico das tensões do dia-a-dia, mas poucas respostas poderiam ser tão
verdadeiras.
O
tal do Vestibular é um dos últimos rituais de passagem de nossa sociedade. Morremos
de pena dos jovens que têm um ano para decidir o resto de suas vidas. Logo nós,
reis em terra de cegos, que só temos uma certeza de nosso futuro.
Chegada
é a hora de sair de casa, ter maior autonomia, decidir o que mais estudar e
andar em caminhos onde não se podem ver pegadas.
Os
filhos não podem ser protegidos pelos pais ao atingir 40 ou 50 anos. Em algum
momento deve haver uma ruptura, sob o risco de ter que lidar com adolescentes
de 60. Infelizmente há muitos por aí.
O
estudante deve entender que, para fugir de uma expectativa monstruosa na qual
toda a visão de futuro só o leva ao implacável perecer, ele tem que saber o que
é ser ninguém. Assim pode construir uma nova perspectiva de pleno
desenvolvimento humano, tão essencial quanto ar.
Barro
novo e macio que ao girar, sofrendo, é moldado.
Não
sei você, mas estou muito longe de ser a criança mimada e egoísta programada
para ter o mundo aos meus pés. Amadurecer tem tudo a ver com destruir o ego.
Isto
tudo está longe de ser um sistema perfeito, mas se você não gosta dele, pergunte
como os aborígenes australianos fazem para que meninos se transformem em homens.
Crônica que vem no momento certo para Os dias de hoje com tantos jovens desempregados sem perspectivas
ResponderExcluir