Uma das primeiras coisas que quem está aprendendo inglês faz é falar que as legendas de um determinado filme estão erradas. Algumas estão mesmo. Porém, vocês já pararam para pensar qual é o tamanho do desafio? Inglês é falado muito mais rápido e o pobre do tradutor tem um número limitado de caracteres para usar em cada fala para caber na tela, que ainda por cima deve ser sincronizado com a personagem. Então, me sinto a vontade de dizer: algumas vezes simplesmente não dá.
Vamos por isso em outra perspectiva. Algo que só
poderia acontecer na ficção, em um país imaginário que vou chamar de...
Timoley-Moley, onde havia uma terrível ditadura, mesmo assim, por um motivo
improvável decidem pôr um professor no cargo de Ministro da Educação. Em uma
situação complicada um repórter lhe pergunta como algo estranho poderia estar
ocorrendo em seu ministério. O professor ciente de sua precariedade diz: “Eu não
sou ministro, eu estou ministro”.
Se vira ai espertinho e me diz como esta frase fica em
inglês.
Resumindo: tradutores são sempre traidores, pois não
se pode ser fiel a língua e a ideia ao mesmo tempo, ao se transladar o
pensamento que flui entre culturas diferentes.
Outra coisa é navegar nas águas agitadas da minha aversão
a versões.
Nelas “remember” de “Hey Jude” pode se transformar em
esqueça. Podemos ser lembrados de que o que é imortal não morre no final. Ou ainda
você pode se encontrar em “Xalou” com alguém, seja isso lá onde for.
Obviamente nada impede de, em um raro momento, ouvir o
Beto Guedes realmente traduzir toda beleza de “’Till there was you” . Ou ainda
um vento que passou na voz de Verônica Sabino, salvar uma letra mequetrefe dos
Beatles.
O fato é que, muitas músicas ficam melhores se não
forem traduzidas, como no caso de “Build”, que já incentivou muito dois pra lá
e dois pra cá, ser uma letra que conta como construir uma casa. Ou a melhor de
todas: ver o casal romântico em um beijo capaz de desentupir uma pia ao som de “Rock
and roll lullaby”, cujo tema são as agruras de uma jovem mãe solteira.
Mesmo com todos os avisos corri o risco a ver a letra
de The Blower's Daughter, de tanto que me perturbaram para saber o
paradeiro do vendedor de flores e o que ele ensina aos seus filhos.
E me deparei com esse trecho ai:
“Did I say that I loathe you?
Did I say that I want to
Leave it all behind?”
No qual a mulher amada responde ao poeta:
“Te disse que te desprezo?
Te disse que eu queria deixar
tudo para trás?
É simplesmente algo como o VAR anular um golaço. Pois nesse
contexto o tal do eu lírico é só mais um macho perdido, insensível ao fato de
que a fila andou.
Lá vem pitaco! Doravante passo a cantar esse trecho
assim:
“Did I say that I
love you?
Even though, that I want to
Leave it all behind?”
Que por sinal cabe direitinho na métrica, até porque a
poesia tem asa ritmada.
Isso tudo, no entanto, será mais uma vez uma traição.
Aproveitando a metáfora da terrível arbitragem e seus desmandos futebolísticos.
O que temos é um jogo decidido no tapetão.
Deixo então, a missão de não ser alegre nem triste
para quem é poeta de verdade.
Me sinto muito ignorante ao ler essa brilhante cronica.
ResponderExcluirMuito bom Remo!
ResponderExcluirJá me peguei várias vezes questionando nomes de filmes e suas dublagens sem me dar conta do sacrifício que o tradutor se submete para "encaixar" a fala do ator/atriz com sua tradução.