quinta-feira, 31 de março de 2022

RUÍDO


Em homenagem Isaac Asimov que contaria essa mesma história com muito mais precisão, simplicidade e beleza.

É maravilhoso reler os grandes mestres, o problema é perceber o quanto escrevemos mal comparados a eles. Por exemplo, acabei de me deliciar com um pouquinho do Asimov ontem à noite. Justo quando tinha um texto prontinho para contar para vocês. Então o velho russo me visita em sonhos, bate no meu ombro e diz solenemente: “é assim que você escreve, senhor Remo, pensei que nesta altura já saberia que o que mancha o papel fica, e daqui a algumas décadas ninguém vai saber o que queria dizer".

O pior de tudo é que ele não deixou nenhum roteiro, algo parecido com as três leis da robótica, que pudessem guiar minhas mãos enquanto os dedos quicam no teclado.

O jeito é tentar explicar para você que vai ler isso aqui daqui há dez anos, ou mais.

Aqui do passado o que conto ocorreu enquanto ainda havia coisas como: telefone, 3G, área de cobertura de operadoras de celular, telemarketing, entre outras coisas que tornavam a comunicação truncada, cheia de chiados; ou melhor:  algo próximo ao impossível.

Nesse contexto recebo uma ligação o celular vibra em rubro: CHAMADA DE SPAM. Mesmo assim resolvo atender. Ouço do outro lado algo que através da estática soou como: “Casa das Pedras, é aí que temos que entregar o ferro?”. Respondo que não, e que não havia comprado nada de material de construção (lembre que do espaço-tempo em que escrevo havia uma tecnologia chamada alvenaria – o que é difícil de explicar pra cacete, ou seja deixa para pesquisar no seu computador quântico depois).

Três minutos depois a ligação se repete: será o Benedito! “Estou ligando para o ddd (pesquisa depois – eu já disse!) certo? Estou querendo entregar o ferro”. Quase mandei posicionar o metal em um local adequado, com uso opcional de lubricantes, entretanto apenas digo que a ligação foi repetida.

A rotina volta ao normal e, depois de alguns outros pequenos contratempos entro, com minha esposa, no meu carro (um veículo a combustão fóssil guiado manualmente) recebo a terceira ligação do mesmo número: “amigo me desculpe, seu nome é Reno ou Breno Nogueira? A letra aqui tá horrível e eu preciso entregar o ferro. Sabe como é a caneta (pesquisa aí...) tá falhando, meu chefe disse que se eu não entregasse o ferro de passar, já sabe né? Vou ter que pagar do meu bolso”.

A Aninha responde: “moço pode ficar tranquilo, a tarde passo aí para pegar o ferro”. Logo ela me explica que deixou o ferro de passar roupas (nem tente entender), em uma loja chamada Casa das Peças, para reparos.

As moléculas de ferro contidas nas minhas hemácias correram desesperadamente para o meu rosto (elemento de número atômico 26 – células anucleadas responsáveis pelas trocas gasosas) em uma reação humana comum diante de tamanha vergonha. Espero que pelo menos isso lhe seja compreensível diante de tantas informações obsoletas.

Tem sido deste modo desde tempos imemoriais; pois tenho certeza de que, assim como Asimov, Ilíada não vai sair de moda tão cedo. Afinal certas coisas da natureza humana simplesmente não mudam.

2 comentários:

  1. Haha estou rindo dos trocadilhos do nome e da peça em questão, acho que o Assimov, veria com muito gosto esse dialogo na praça daquela velha surda rs.

    ResponderExcluir
  2. Muito bom "viajar",e ter a chance de sair um pouquinho desse mundo cinzento,imergindo nas histórias e reflexões das tuas palavras.

    ResponderExcluir