domingo, 14 de agosto de 2022

Sobre arames farpados e cercas elétricas

 

Obviamente vou falar sobre personagens fictícios. Queria muito que não houvesse pessoas assim. O problema é que a vida teima em copiar a arte, mesmo assim sonho por um dia em que esta ficção jamais ultrapasse meus medos e minha pobre literatura.

O fato é que o Velho odiava ver crianças pisoteando o pasto, o problema é que havia um córrego, nos córregos rãs são gratuitas e o banho é livre, impensável para quem pagou duzentos contos de reis para ter exclusividade daquele pedaço de terra.  

Arranha gato. A planta é tão espinhosa que nem os felinos, tão pequeninos se arriscavam em passar.

Paz. Paraíso particular. Pois assim devem ser os paraísos. Quem poderia imaginar que seu deus único pudesse abrir espaço para povos idólatras e pagãos. Ele tinha a chave do tempo e quem não rezasse na mesma cartilha deveria ter o destino das chamas ou pelo menos um frio glacial, nas penas eternas guardadas para os infiéis.

Pais ricos. Filhos nobres. Netos pobres.

A tradição era importante. O neto do Velho não herdou as mesmas riquezas, mas eles vivam em um lugar de faz de conta, impensável na realidade. Um reino distante onde propriedade tem valor, trabalho não. Logico que em um lugar assim o que é herdado não pode pagar imposto. Só assim ele ainda podia comer ovo e arrotar caviar. Bradando a cada vez que bebia a mesma aguardente dos escravos que preenchiam as velhas garrafas de whisky coisas como “quem manda nesta piiiiiiiii sou eu”.

A última queimada, forma muito mais barata de manejar o pasto, destruiu a cerca centenária.

A solução barata veio em forma de voltas e voltagem. Uma cerca que ainda afastava os moleques em busca de rãs e diversão gratuita.

Pais ricos, filhos nobres, netos pobres, bisnetos eletrocutados.

O pior de tudo foi ter que ouvir a música predileta do menino em sua despedida “toda gente cabe lá...”

Lá aonde? Em Shangri-La que não é!

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