Deveria estar surpreso pela notícia na TV: “Bombeiro salva bebê por telefone”. Isso se não tivesse conhecido o Corpo de Bombeiros por dentro e lá a gente aprende coisas como: “alguém ainda pode se esforçar outros 30% quando não aguenta mais”; ou “temos que correr para o lado oposto das pessoas que estão fugindo de um lugar quando tudo dá errado”; ou ainda que “somos chamados quando nenhum outro se predispôs a resolver a situação, seja ela qual for”.
Lembro que vi na telinha o mesmo sorriso cativante que
conheci nos meus primeiros anos de profissão, um tal de Nelson, que em nossa
segunda casa se apresentava como Cereja.
Só para vocês terem uma ideia da figura basta dizer
que ele acabou detido simplesmente porque era incapaz de perder uma piada. Um cara
que costumava elogiar os companheiros com um singelo “até que você não é tão
burro, só carrega carroça por diversão” Ou ainda que conquistou o coração de
minha mãe com menos de trinta segundos de papo.
Os Bombeiros de Nova Friburgo tinham em seu bojo caras
geniais em diversos aspectos da profissão. Há um dito que no Corpo de Bombeiros
pode se encontrar do palhaço ao astronauta, então minha primeira impressão logo
o colocou na posição de bufão. Por outro lado, anos depois ele confessou que pensava
que eu teria aprendido a soltar pipa no ventilador e jogar bola de gude no
carpete. O tempo se encarregou de nos mostrar o quanto estávamos errados.
O fato é ao ser deslocado para o famoso “Forte Apache
da Serra” assim que me formei aspirante a oficial eu tinha toda a teoria socada
da minha cabeça. Concomitantemente anos de tropa levaram o meu amigo a ter o
que chamamos de manha, algo que não se conquista em apenas uma manhã.
Um dia após um socorro que não havia sido exatamente
um sucesso perguntei aos componentes da guarnição o que havia ocorrido de
errado, todos outros silenciaram. Cereja, no entanto, nunca foi adepto da ideia
de que quando um superior hierárquico fazia uma pergunta sobre desempenho o
mais prudente seria elogiar. Teve a gentiliza de me chamar em um canto e disse
o que passou a ser meu lema desde então “se quiser ser ouvido fale baixo”.
Só verdadeiros amigos nos ensinam isso. Também posso
dizer que só um sábio é capaz de acalmar uma família enquanto mobiliza um
socorro e explica com um altruísmo gigante o que fazer para salvar o bebê.
Pelo tempo que passou acredito que esse menino deve
estar beirando a adolescência, se eu fosse ele rezaria todo santo dia por um
velho bombeiro que foi instrumento nas mãos de Deus para que ainda tenha o
sopro da vida.