quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

BR 116

Ela morava em Carmo, eu trabalhava no Rio, justo quando chegamos aos quarenta de vida havia outros quarenta anos entre nós, vinte meu com ela e vinte dela comigo. Seria o momento certo da crise de meia idade.

O roteiro estava fadado a isso, então poderíamos muito bem nos abandonar como tantos casais e findar como a canção que fala do depois. Só que no meio do caminho havia uma pedra. Ou melhor, um estranho desvio que nos afastou de uma trajetória óbvia. Algo que poderíamos chamar de destino.

Começou quando tomei uma punição geográfica. Aqui cabe uma explicação. Ser oficial do Corpo de Bombeiros nos põe sob esse risco laboral. Funciona da seguinte forma: Basta desagradar um superior hierárquico com algo que não dá para enquadrar no regulamento. No dia seguinte o boletim vem com uma transferência para o outro lado do estado.

Sabia muito bem que iria acabar acontecendo comigo, pois sofro de uma patologia estranha que chamo de sincericídio. Funciona mais ou menos assim: uma língua afiada associada a algum neurônio perdido faz com que eu responda mais rápido do que pistoleiros. Em uma dessas situações retorqui a altura uma dessas gracinhas, tipo quinta série, de um Tenente Coronel quando meu ombro só havia uma estrela. O resultado vocês já deduziram nessa altura do campeonato.

Naquele momento só via o lado negativo da história, longe da família e gastando o que eu não tinha era difícil pensar que algo bom poderia acontecer. Então chega uma mensagem no celular: “Vem comigo meu amado amigo, nessa noite clara de verão”, sem pensar muito respondi “seja sempre meu melhor presente”. E foi assim que a mágica se fez.

Deixa-me explicar de outro jeito: Temos uma brincadeira ao brindar com alguns amigos que é dizer: “Às nossas esposas e nossas namoradas”, então alguém sempre vai emendar de bate pronto “e que elas nunca se encontrem”. No meu caso é bem complicado, as duas são a mesma pessoa. É como se eu tivesse encontrado a Batgirl e a Barbara Gordon justo quando fui defenestrado para tão longe. E tudo porque passamos a falar de nossas saudades completando músicas feitas por outras pessoas. Ou seja, a crise que deveria nos deixar longe estando perto, nos aproximou quando estivemos longe.

Lembrei disso ainda hoje quando peguei o celular e vejo a inteligência artificial perguntando se eu queria uma poesia pronta. De imediato penso o quão pobre alguém tem que ser a ponto de não pagar com lágrimas pelas suas próprias rimas. Apago esse pensamento triste lembrando que as palavras de Beto Guedes, Emílio Santiago, Milton Nascimento, Roberto, Herbert Viana, Flávio Venturini, Chico, Djavan, Caetano e tantos outros cultivaram meu amor.

Então se você precisa de uma inteligência qualquer para escrever algo bonitinho para quem você ama está tudo bem, enquanto isso “cuide bem do seu amor” ... “seja quem for”.  

sábado, 22 de fevereiro de 2025

Sobre noviças, música e apitos

Estou as voltas com um longo aprendizado no violão e não há dia que ele não ensine algo. Por exemplo: Edelwiess é em ritmo de valsa e até agora aprendi (ou quase) três versões. Uma cantada, para tristeza de que me ouve. Outra orquestrada, tão simples que até eu toco. E a que estou sofrendo para aprender agora.

Resultado. Lembrei do filme. Simplesmente estupendo. No qual uma freira indecisa ensina para sete pestinhas que para fazer música bastam sete notas. Ai que dó! Na trama ela conhece o viúvo que faz com que ela mude de sacramento e passe de governanta a esposa. Não fique chateado com o spoiler, pois esse filme é de 1965, portanto apenas um ano mais novo que eu.

Como nos bons contos de fadas tudo é só felicidade. Ou deveria ser. O problema é que a abastada família, paradoxalmente não segue seus pares e se opõe com bravura ao nazismo. Assim o “felizes para sempre” ocorre com eles fugindo com uma mão na frente e a outra atrás, ao som de uma belíssima trilha que diz que as montanhas estão vivas ao som da música.

Quando vi pela primeira vez fiquei encantado, porém uma pontinha de tristeza me tocou sem saber exatamente de onde vinha. Volto pela trilha, tal qual paralelepípedos amarelos (de outro filme) sabendo hoje que apenas reconhecer notas não faz de ninguém um músico, do mesmo modo que assistir uma aula que exalta os baluartes de uma nação não forma ninguém em história.

A melancolia se transforma em terror, apesar de todo colorido da tela que na época era estado de arte (Eita! palavra adequada para o texto!). Pois saber que eles estavam a fugir de um bando de velhos nazistas já estava explicito na obra. Ver o menino de 17 quase chegando aos 18 soprar o apito (que poderia ser de cachorro) é de tirar o sono.

É mais fácil encarnar nazistas em figuras como o Caveira Vermelha, ou algum general decrépito. Ver um belo rapaz tomando essa atitude é mais uma lembrança da triste transformação que pode ocorrer sob as nossas barbas. Meu coração juvenil ao ver a trama lidava com ela como algo resolvido, que jamais poderia recorrer. Hoje penso que assim como Urânio pode se degradar em Plutônio, nossas relações sociais podem trazer de volta nossos piores pesadelos.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

O silêncio e o tempo

 

Em breve meu novo violão estará pronto, investi um bocado quando seria muito mais fácil desistir. Ou melhor, fiz ambas coisas (aqui o corretor insiste em colocar “as” antes de coisas – pode até ser o certo – só que já serei redundante o suficiente sem a primeira carta do baralho) como já foi cantado pelo Renato Teixeira em sua longa Romaria. Mesmo assim sigo com calos e tendinites para provar que treino de verdade.

Recebo a mensagem do luthier, um cara que tem oceanos e firmamentos no nome. No vídeo vejo que o bebê está prestes a nascer. O violão esperado está ficando lindo. Sinto uma tremenda vontade de ir lá correndo. Apesar disso apenas respiro, justo quando tento aprender que as águas de março hão de chegar com todo seu poder destrutivo e paradoxalmente fazer uma das músicas mais lindas que já ouvi.

Sei que tenho que me esforçar muito para quando ele chegar aqui em casa com suas seis cordas, o pinho possa ter um mínimo de respeito pelo meu coração de estudante. Afinal será o instrumento de um profissional nas mãos de um amador, ou até um amado amante.

A tablatura mostra um sinal estranho, através das lentes e uma nascente catarata me lembram um passarinho. Silêncio, ele está dormindo. Vejam como é lindo... Lembro da poeta que me ensinou que a há uma asa ritmada escondida em letras, versos, estrofes e harmonias.

O som do silêncio vem, mesmo assim me esforço para não ficar paralisado e entender que sem ele as penas não se abririam no sabor sincopado que estranhamente combinam vida e arte.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

... all the people...

Volto ao tema das palavras mágicas. O que está longe de Hogwart seus bruxos e o nome que não pode ser dito. Justo o contrário são os vernáculos ensinados nos lares desde a tenra idade.
Palavras mágicas abrem as portas e abraços, suavizam dores, atraem sorrisos e o mais difícil: assumem os erros.
Hoje dentre todas as palavras mágicas quero apenas apontar para as respostas aos agradecimentos.
Aprendi, por exemplo, que gracias pode ter por réplica por um singelo "a ti". Thanks pode vir acompanhado por "not at all", "don't mention it" ou até pelo estranhissimo "you are welcome". Em Portugal você pode dizer "obrigado eu". Se for algo simples "de nada" serve. Ou até um mero aceno.
A novidade fica por conta dessa geração que não cansa de nos surpreender. Juro que não entendi nada diante do primeiro "imagina".
Para mim ficou o mesmo sentimento de quando respondem "encantado" ao primeiro aperto de mão.
Ou seja, mesmo que dita automaticamente a palavra mágica não deixa de ter um profundo efeito de aliança e união. Não se trata somente de etiqueta, aquela ética menor, que muitas vezes só serve para dizer quem manda no pedaço. Palavras mágicas são, desculpem a redundância, mágicas.
Talvez você não ache nada demais. Só que meu coração beatlemaníaco logo completa: "que todas as pessoas venham a compartilhar o mundo inteiro".