Da Capo
Era 1979. Sétima
série, estava entediado, queria me livrar logo da tarefa, pedi para um amigo
que tinha conseguido agradar a professora com um verso de pé quebrado:
O Rivelino está de bobeira
O Coutinho já disse
Se ele não melhorar
O Zico vai entrar
Isso pensei,
basta falar sobre a Copa do Mundo que ela aceita, mas como é mesmo que se faz
para caber na música de “parabéns pra você”?
Eu não tinha
entendido muito bem como era que se contava as sílabas, mas bastava cantar, se
encaixasse na música ela aceitava e eu poderia voltar a ler “Eu robô” do Asimov
que estava chegando num ponto eletrizante.
Já sei:
O Brasil em primeiro
O alemão em terceiro
E a Copa do Mundo
Temos em um segundo.
- Deixa de ser ansioso, Remo, você
pode fazer algo melhor.
- Mas, professora, encaixa. E o
verso dele que é sobre a seleção a senhora aceitou.
- Aceitei sim. Mas você pode
fazer melhor.
Uns meses antes
eu queimei todas as pontes entre nós. A minha professora de música foi a primeira
autoridade com a qual eu “bati de frente”.
Um grande
amigo chegou atrasado, abriu a porta delicadamente, olhou para ela, balançou a
cabeça e se sentou em sua carteira tentando não fazer barulho. Um camundongo não
seria mais cuidadoso. Então, ela deu uma daquelas broncas que parecem durar
mais de meia hora, para fazê-lo se sentir como alguém de meia tigela. Lá pelo vigésimo
nono minuto me levantei, cerrei os punhos e gritei com ela: NINGUÉM TRATA MEU
AMIGO ASSIM! MAL EDUCADA É A SENHORA!
A coordenadora
de turno estranhou minha chegada em sua sala. Nunca tinha me indisciplinado antes,
mas eu já não conseguia me defender. O projeto de homem que eu era não conseguiu
sair daquela sala, ao atravessar o pátio era um rato e ao chegar na sala uma
barata que só chorava e tremia.
Tentei voltar
ao presente, mas tudo que eu queria era estar em outro lugar.
Um clique na
minha cabeça e lá fui com o texto ainda rascunhado.
O Cruzeiro do Sul
Tem um fundo azul
Que me amara num laço
E me põe no espaço.
Sei que já disse
isto antes, as melhores tramas ocorrem sob a égide dos piores vilões. Por isso
mesmo o que conto jamais seria um texto realmente dramático. A professora era
uma mulher que dedicava várias horas-extra não remuneradas para que a escola tivesse
um grupo de percussão. Muito longe do Darth Vader ou do Lex Luthor.
Um dia, logo
depois de uma apresentação ela se aproximou e perguntou:
- O que você quis dizer com aqueles versos?
Eu docemente respondi:
- Olhe para cima em uma noite estrelada e você mesma vai
saber.
Foi o mais próximo que tivemos de
verdadeiro pedido de desculpas mútuas.
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