quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Valdemort

 Procurei a etimologia da palavra “análogo” e esperava uma dessas histórias deliciosas nas quais a origem da palavra remete a interpretações complexas e edificantes, me frustro ao saber que vem do latim com a simples explicação de “semelhante a”.


Faz parte. É uma palavra chata mesmo que nos leva a duas expressões sobre as quais tenho refletido muito, que são: “análogo a escravidão” e “análogo ao terrorismo”. E de onde vêm esses dois monstros? E por que não dizemos as palavras assim cruas sem sua companhia chatíssima?


Simplesmente o fato de que escravidão e terrorismo não encontram respaldo legal para explicar algumas coisas que têm acontecido por aí. E acusar terroristas e escravocratas sem dizer que essas pessoas são análogas a escroques pode trazer sérios problemas legais.


Tomemos por exemplo a palavra sequestrar para uma compreensão ágil do que estou dizendo. Recentemente o Maninho me perguntou quanto tempo fica preso alguém que sequestra. Respondi: “umas duas encarnações”, o que não poderia ser menos exato.


Quem sequestra por um dia fica preso por trinta anos, mas quem sequestra por trinta anos não fica preso nenhum dia, pois isso é apenas algo análogo a escravidão.


Filosofar ao invés de fazer direito ou jornalismo nos dá a chance de ir seguindo sem nos preocupar ao dar nomes corretos as coisas que são, do mesmo jeito que nos ensinou Harry Potter. Se tem focinho de porco, pé de porco, rabo de porco, joelho de porco e não é feijoada... só pode ser porco.

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Sobre os remos do Remo

Vejo o letreiro de publicidade que diz:" Não somos melhores nem piores, apenas diferentes ". E quem não quer? Talvez se descobrir como o único filho do distante planeta Kripton, ou ter sido picado por uma aranha radioativa, ou ainda ter uma cicatriz em forma de raio na testa? Quem sabe aquela brincadeira dos seus irmãos mais velhos de que você foi achado em uma lata de lixo no fim das contas apenas comprove que você seja o último da linhagem Romanov?

Quem nunca?

E não adianta tentarem lhe explicar que todo ser humano é especial. Você é diferente. Só que vamos combinar, quem não é? É lógico que vai sofrer bullying em algum momento. Você é ... muito alto, muito baixo, muito gordo, muito magro, fala muito, é muito calado, gagueja, tem um tique nervoso... ou qualquer outra coisa. Na verdade, pouco importa. Você é diferente e vão tentar lhe levar para fazer parte de uma manada.

Imagina se você tem um nome absurdamente incomum e aprende qualquer coisa que envolva lógica com uma velocidade não menos incomum. Pronto: temos um nerd. E junto com o pacote vem todas as outras etiquetas adjacentes incluindo o ego que insiste que você veio de Vulcano.

Um bom remédio para isso é remar, em especial se você é um remo. remo assim, minúsculo mesmo, apesar do corretor ortográfico insistir em lhe sublinhar em vermelho na tentativa de dizer que algo está errado. E tudo isso ocorre quando há uma desconfiança geral em qualquer pessoa que queira lhe ensinar algo. Deve haver alguma ideologia oculta no cara que insistia que analfabetos deveriam ser alfabetizados para se tornarem agentes políticos de sua própria vida. Imagina então quem queira lhe falar que a forma que você pega um remo pode melhorar.

Então já ultrapassamos de longe do quanto o Remo pode lhe ensinar, até mesmo se você é o Remo, mas sim o quanto o remo pode lhe ensinar, pois sem isso a canoa não sai do lugar.

domingo, 18 de dezembro de 2022

Quatro tempos

Os acordes se perdem entre os olhos e as mãos. 

Entre o aço ou nylon, dissonante ou amante, na batida feroz ou no bailar do dedilhado. A difícil pestana que se perde no traste. Em um compasso improvável tudo que começa em um estranho sonido, simplesmente passa a fazer sentido. 
Lá na parede os ponteiros saltam.
As horas correm no braço do meu violão 

sábado, 10 de dezembro de 2022

Edelweiss

Essa música pode ser executada como valsa e faz parte da trilha sonora de “the sound of music”, que conta o bailar de uma rebelde noviça que buscava pelo entendimento de qual sacramento ela deveria buscar para melhor servir a Deus.

Em seu caminho vai ser governanta de sete crianças mimadas que não a aceitam incialmente, para educá-las ela passa a usar as sete notas trazendo a música de volta para aquela família que não sabia o que era a felicidade desde que a mãe partira.

O pai de início também não compreende, mas logo se vê arrebatado pela bela canção que conta a história da florzinha, branca e frágil que toma os campos e fazem com que sintam saudade de uma terra amada.

Essa flor vai trazer uma reviravolta inesperada para o filme, cuja história precede os tristes anos quando o nazismo estava prestes a tomar a Europa, levando toda a trupe a uma difícil travessia dos Alpes para buscar refúgio, onde as flores frágeis como a democracia pudessem ser cultivas sob o Sol, logo lá, para mim e para si.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

O polegar do diabo

 Ganhei um grande presente de um grande amigo. O Assueiro indicou um livro porreta e esse conta a história de quando as modificações genéticas ocorridas ao acaso trazem melhoramentos. Imagino que se você é nerd, como eu e o meu amigo, sempre sonhou em ter algum fator genético peculiar, mas... peraí, a ideia é péssima pois tais diferenças genéticas quase que invariavelmente são traduzidas na vida das pessoas como doenças.

Até mesmo quando trazem algo único e admirável tais modificações podem tornar a vida do super-herói em uma odisseia, como é o caso do violonista que tinha uma doença impronunciável que tornava suas articulações absurdamente flexíveis. Então apesar dos inconvenientes diários o gênio era capaz de performar e produzir notas impensáveis para os mortais.

Como todo mundo vê os tombos e não sabe a cachaça que os outros bebem era muito mais fácil dizer que a sua habilidade viria de um pacto faustiano com o infame anjo, caído, da luz. Em resumo, ninguém quis saber quantas horas dele foram dedicadas ao violino.

Estou no lado oposto dessa trama, do mesmo modo que insisti em aprender a pegar jacaré apesar de nadar mal pra cacete. O que se resume naquela velha vocação a autodestruição tão comum aos adolescentes. Na mesma vibe tenho passado os últimos oito meses tentando aprender a tocar violão, um sonho antigo que só agora encontrou espaço na minha agenda.

O processo semanal tem sido repetitivo. Nas quintas assisto a aula do professor Renato e fico encantado com a habilidade que se reflete na relação dele com o violão e com a gente, afinal ele é violonista como poucos e gente como a gente.

No dia seguinte é o desespero de tentar reproduzir o que conseguimos sob a portentosa égide (gastei o latim) do mestre. Depois o aprendizado de verdade acontece com horas de bunda na cadeira e no caso específico do violão no contar dos calos nos dedos.

No fim das contas aqui estou eu de novo com a mesma sensação que tive diante da onda de dez pés que me exigiu nadar de verdade mesmo sem saber. Hoje o nome dessa onda é Oceano, uma composição fodástica do Djavan.

Sei que posso morrer na travessia, pois amar é um deserto e seus temores. Mesmo assim lá vou eu habilidade tendendo a zero e teimosia tendendo a mil sabendo que no fim das contas vou atravessar esse oceano, mesmo que seja no nado estilo cachorrinho.  

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Sobre as garotas que vêm e as que passam

Semana passada fui ao dentista, como era a primeira consulta tive que explicar que minha esposa não pôde ir, desculpas aceitas e logo me veio em mente que essa mesma história não passaria em brancas nuvens há 40 anos.

Naquela época eu era um nerd desengonçado e a qualquer momento que eu dissesse aos meus amigos que minha namorada não poderia vir alguém logo perguntava: a garota imaginária?

Essa mesma! Eu fingia que estava tudo certo, quem sabe essa tal garota que povoava meus sonhos era a verdadeira expressão da raiz quadrada de menos um. (ria! Isso é uma piada, mas se você não entendeu assista minha aula sobre números complexos, e não se esqueça de deixar um like e compartilhar).

Naquele tempo eu vivia o paradoxo do panda. Queria ser fofinho, mas o caldeirão de hormônios me empurrava inexoravelmente a condição de macho tóxico (o que leva os tais pandas a constituírem uma espécie em risco, pois os machos, definitivamente, não sabem lidar com as fêmeas). Eu era um ser fadado a extinção caso não encontrasse muito rápido uma solução para o dilema. O que pode explicitado pelo fato de que nunca vi uma garota voltar para dizer que tinha curtido o grito de GOSTOSA! OH, LÁ EM CASA! E dizer: que legal também estou a fim de você.  

Repare que isso era comum na cultura da época, basta ver os programas humorísticos das décadas de 70 e 80 para entender o porquê de não sabermos nos aproximar das meninas sem parecer verdadeiros ogros. Erámos teleguiados por uma cultura que reduzia o feminino a louras burras ou mulatas do 88.

Fui salvo por um velho babava enquanto via passar uma linda jovem, cujo andar sincopado, o tornava depressivo diante da tal garota que nem se dava conta de seu desespero.

Outros o foram pelo programa “Sai de Baixo” que evitou um monte de suicídios no crítico horário do fim do domingo, justamente quando as lojas se fecham e a depressão bate. Era o momento em que a tristeza desvanecia diante da fala: “Poxa que coxa, Magda!” Na mesma catarse que a menina que passa se transforma em música a caminho do mar de Ipanema.

Enfim, a arte nos salva da barbárie.

Sei que meu papel pode parecer o mais difícil de desempenhar. De fato, ser um lobo da estepe, não é para qualquer um. Entretanto, não vou me fazer de vítima das circunstâncias, pois para cara de mais de quarenta que pede perdão por não saber muito bem o que estava fazendo há sempre uma menina com um monte de indicadores em sua direção por saber exatamente o que estava fazendo.

Nos cabe entender que o papel de herói nessa história cabe a elas, cada uma que não ficou adormecida esperando um príncipe otário e foram à luta. É passada a hora de deixar de lado o poxa que coxa, Magda para dizer: poxa que cérebro, Mariza.