sábado, 30 de março de 2024

Gatos vivos e mortos

Não são poucas as vezes que me sinto como cobaia nas aulas de Pilates, com alguma força, pouca resistência e flexibilidade zero devo parecer um ratinho de laboratório nas competentes mãos de minha professora. Em um desses dias que ela estava inspirada resolveu perguntar se eu estava morto ou vivo depois de ter, simplesmente, me esculachado. Minha resposta deveria ser um não, mas acabou não sendo mais que um miado.

Aqui me cabe não explicar o significado de gatos vivos e mortos, por não se tratar de uma aula de física e sim uma metáfora. Tento com muitas forças não acabar sendo um professor Pardal, até porque quando alguém me fala que certas situações práticas são consequências quânticas fico com enorme desconfiança de que o interlocutor não tem ideia do que está falando, o que tem sido muito comum nestes tempos de zap-zap.

Isso me leva a uma encruzilhada de ter enorme necessidade de dizer o ao mundo como quero expressar e ao mesmo tempo ter razoável noção de minha própria irrelevância. O problema se agrava quando essa encruzilhada se transforma em uma rotatória da Estrada de São Vicente (não aquela imaginária do Bituca com sabor de chocolate), mas uma aqui mesmo em Araruama onde o hábito de dar preferência a estrada principal se contrapõe a regra de trânsito, o que leva a alguns acidentes. Ficamos perdidos entre a preferência ser de quem se impõe e avança e a prudência de quem para.

Enfim, fico aqui sem uma resposta pronta para você, que já reclamava da confusão causada pelo Bardo ao indagar “Ser ou não ser, eis a questão”. Tudo que posso dizer entre gatos, encruzilhadas, rotatórias e metáforas é: “Ser E não ser, eis a questão”.

sexta-feira, 22 de março de 2024

O Dono do dom

Tenho feito entrevistas de vagas a ser meu amigo, compreenda: a melhor faceta de estar pijama não é o não trabalhar. Trabalhar é bom, apesar de folgar ser melhor. Entretanto, quando se trabalha temos que lidar com pessoas que são verdadeiros “pontas de aterro”. Hoje faço questão de só me cercar de gente fina elegante e sincera. Há vampiros demais no mundo, os meus mandei todos para... Transilvânia.

Tal qual os RHs que circulam por aí também faço uma importante pergunta. Elaborei um bocado para chegar a ela. Pasmem: não é “qual o seu defeito”, pois temo ouvir a palavra perfeccionista, até porque o cargo já foi ocupado pela minha esposa e por um grande amigo. Então não sei se sobreviveria a terceira pessoa do plural.

Pergunto o oposto, para descobrir o que a pessoa tem de melhor, mesmo que isso não se reflita em sua resposta a uma questão que aparece assim quase no susto, até porque boas pessoas são necessariamente responsáveis e consequentemente autocríticas. Observe ainda que a posição de alguém “que se acha” em minha vida também já está ocupada, nesse caso por mim mesmo.

"Sou forte", me diz o atendente de supermercado, obviamente fisioculturista e lutador (nas artes marciais e na vida), acrescentando que usa a força para proteger a quem ama. Bingo! Preciso de alguém assim em minha vida.

O amigo perfeccionista diz que sua virtude é a paciência, e minha menina diz que é sua capacidade de ouvir as pessoas, minha irmã diz que a espiritualidade é seu guia, um amigo genial fala da saudade que quem ama e da grandiosidade do universo, meu melhor amigo se autodefine como um discreto líder, penso que ele não tem espelho para saber que seu sorriso é encantador; sua mãe gagueja e não vê em si mesma a guerreira pioneira que se formou em engenharia na década de 70. Uma amiga do Pilates simplesmente diz que “é do bem”.

Ainda não perguntei para os meus filhos, mas sei que ele tem um enorme senso de justiça e ela uma enorme capacidade de buscar caminhos diante de um mundo que não foi feito para uma menina de1,6m. Minha nora é brilhante os pais e tios dela têm um humor incrível. Meu genro é solidário. Meus irmãos são perspicazes, minhas irmãs guerreiras, meu professor de violão é gentil, a professora de Pilates tem incrível tirocínio, minha nutricionista nos adotou quando mais precisávamos, meus melhores professores generosos, os melhores bombeiros seguem o segundo mandamento.

E você?

Não pense muito, responda com o coração e não com o cérebro. Pode até ser que você descubra ou lembre que Deus lhe emprestou um dom.

Isso é para essa vida, que lhe sirva de guia para atravessar os desafios deste mundo.  

segunda-feira, 11 de março de 2024

Passo de balé

 

Dizem por ai que mitômano tem por origem a palavra mito, não sei se concordo, mesmo que a tal da etimologia diga isso, afinal antenas podem ser parabólicas e captar verdades universais perdidas nas ondas de rádio.

Então me permitam contar: era uma vez uma bailarina...

Ainda pequenina ela aprendeu a andar, pois no colo iria sempre sua irmã ainda menor, assim foi aprendendo a se equilibrar até em fios de cabelos. Talvez seja por isso que até hoje ela ensine a outras meninas e outras bailarinas a compreenderem que não é só Sansão que deve se orgulhar de suas madeixas.

Bailarinas e motoqueiros têm algo em comum, simplesmente caem (ou mentem sobre o assunto), porém a queda diz muito pouco sobre esses seres alados, e sim o modo que sacodem a poeira e dão a volta por cima.

O caminho para a casa da vó não tinha florestas nem lobos (isso não inclui aqueles que vestem peles de cordeiro), nem mesmo a pedra do caminho de Drummond, mas havia uma escada. Não uma escada qualquer: a escada. Diz a lenda que o pedreiro tinha misturado chiclete com banana quando a fez.

Corajosa ela corre na frente para ter mais tempo de ouvir as estórias de quando sua vó fugiu para o circo. É claro que tropeça, e o conto viraria uma tragédia se seu pai também não fosse um misto de acrobata com equilibrista. Bolsa na mão esquerda, caçula na outra mão  esquerda, só lhe restando o pé não menos esquerdo a apoiar o primeiro salto mortal da filha, que gira no ar e crava os pés em terreno seguro. Quase pude ver os jurados levantando uníssonos as placas carregadas de notas 10.

E é disso que são feitas as bailarinas que bailam, que ensinam e que cuidam de suas pupilas sempre as lembrando que elas têm suas próprias ficções.

Assim termino com hipérbole a parábola que tenho na memória, ou seja um mito, uma profunda verdade.

sexta-feira, 1 de março de 2024

Graça

Vejo você assim toda elegante, 
atenta e delicada 
Caminha, dúbia entre passos incertos e o temor do assédio. 
Sei que represento tudo o que teme.
Mas como lhe explicar que meu olhar só traz o espanto de ver seus olhos, pintados com suave sobra verde.
O encanto se repete a cada vez que passo pelo mercado.
E só os peixes sabem desse nosso encontro.
Vestida de branco com suas longas pernas você foge a despeito de meus apelos. 
Voa longe,  com graça, a garça.