quinta-feira, 17 de abril de 2025

Saudade e nostalgia

Ando meio cansado de ouvir que a palavra saudade só existe em português. Deixa eu (deixa-me - eu não aguento – pode até ser certo, mas é feio pra cacete!) dizer uma coisinha: NENHUMA PALAVRA SEQUER DE UMA LÍNGUA PODE SER TRADUZIDA TOTALMENTE PARA OUTRA. Imagina, por exemplo, que você nasceu em uma oficina mecânica e todos os seus parentes são mecânicos. Então quando falarem rebimboca da parafuseta vocês vão saber do que se trata, apesar da família de sua namorada em que todos são pescadores não tiverem ideia do que você está falando.

A coisa piora se alguém arrisca a cantada: ‘saudade do que ainda não vivemos”, que poderia até ser fofinho, não fosse dito por um macho tóxico. O tipo de cara capaz de ajudar um amigo (supostamente – olha aí meu jurídico imaginário) estuprador.

Saudade pode ser até única, porém acredito que as palavras têm significados vindo tempos imemoriais, perceba aqui que a origem (em termos de língua e história) fazem com que seja difícil até mesmo encontrar traduções (ou melhor sinônimos) na mesma língua. Saudade não é o mesmo que nostalgia, pois esta tem tudo a ver com dor (olha que a Marisa Monte tem a dela, eu a minha e você a sua), e apesar de saudade doer lá dentro é também fonte de prazer (a cantada já citada que o diga).

Talvez a culpa seja do tal Dom Sebastião. E antes que você me xingue por trazer referências que quase ninguém lembra, trata-se (que vontade de dizer “se trata”!) da história de um príncipe que morreu nas cruzadas. E deixou o povo português chupando dedo com saudades do que nunca viveu. Se ele voltasse e mantivesse os privilégios da corte como todos os outros de antes (e depois) fizeram, ninguém teria saudades. Seria mais uma dor lembrar dele.

Como torço pelo time que tem mais história que presente, observo que o Vasco também sofre desse tal sebastianismo. O problema se agrava com o fato de que nossos reis e príncipes fizeram muito mais que se perder em terras distantes. Foram grandes de fato. Cabe a nós sabermos que hoje usam bengalas ou pelo menos óculos bifocais.

E perdoem a fala etarista, mas deixemos atletismo para atletas e não para jogadores aposentados em atividade. Esse é o mesmo discurso que faço ao dizer que (quase) qualquer um pode ser bombeiro. E estabeleço o seguinte teste: Tenho 113 Kg, se eu me jogar aqui no chão você pode me arrastar por 30m, trajando roupa de aproximação e cilindro? Se a resposta é não sinto muito, fica pra outra encarnação. Há uns 10 anos eu seria capaz disso, hoje não mais. Por isso é que estou na reserva (ou seja, aposentado).

Então não me fale de saudades e de voltas, me fale como preparar quem está por vir, não me diga amanhã você quer sentir saudades como um (bom e) velho samba. Diga que nesse Sanatório Geral vai passar, como neste outro (ainda melhor) samba pra nossas novas gerações.

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Através das lentes

Sem seus óculos, Herbert Viana reclama da ausência.
Sem os meus o manacá de meu quintal é uma pintura de Renoir.

domingo, 13 de abril de 2025

Per capita

Quando saio por aí convidando as pessoas a se inscreverem no canal onde leciono física e matemática é muito comum me dizerem “sou de humanas”, então respondo: “eu também”. Não há nada mais humano que calcular se as provisões vão bastar na estação seguinte, medir o terreno que o vizinho quer tomar ou encontrar padrões.

Sei que tais pessoas não se convencem muito, então resolvi fazer a engenharia reversa para explicar que os textos que você encontra aqui mesmo em meu blog, apesar de parecerem criativos, nada mais são do que a consequência lógica de buscar conexões. Quase a resolução de uma equação.

Basicamente paro para pensar nos temas do dia e suas correlações, por exemplo, vou tentar colocar aqui bem juntinho Vegetti e Carlos Gardel. Porém, isso só vai ter o cheiro de arte se não for óbvio, como o fato de parecerem argentinos, até porque Gardel é francês.

O lance é que estou as voltas com uma nova (para mim) canção chamada por uma cabeça, e ela é difícil pra cacete. Isso me obriga a pensar nela horas a fio. O título me fez desconfiar de alguma relação com as corridas no jóquei, o que se confirmou. A surpresa ocorre quando entendi que a metáfora se estendia a um relacionamento romântico que não foi adiante por pouco ou até pelas sutilezas que fazem o tango uma forma alegre de tornar em dança uma tristeza qualquer.

Apesar de ter dois pés esquerdos e nem tentar me arriscar a dançar, tento juntar minhas mãos, não menos sinistras para reproduzir um tasquinho de tanta beleza. Isso me obriga a ser insistente, então até mesmo vendo o jogo do Vasco continuo teimando em dedilhar as seis cordas. De repente tenho que me conter para não jogar o violão para o alto quando sai o gol de nosso centroavante. E como foi? Lógico que com cada fibra de seu coração, com as pernas, braços, abraços do cabelo ao umbigo, de corpo inteiro, enfim.  Com a alma do menino que torce. Desde a ponta dos pés que insistem e esquecer dos 37 anos até a capital arma do artilheiro. Tudo em uma homenagem ao maior que já passou por aqui, justo na semana de seu aniversário.

Finalmente sei que você pode estar chateado comigo, perdendo tempo com milongas, enquanto a Argentina passa por problemas realmente sérios. Entretanto, ouça bem o que digo: quando perdermos tudo de nossa alma latina e não sobrar nenhum centavo para um aposentado tomar chimarrão em frente a Casa Rosada ainda haverá a arte para dizer quem somos.

Assim quando algum burocrata disser um país está bem devido a renda produzida por pessoa ser o suficiente, não deixe que seu coração de humanas se perder nas contas. E pergunte para quais cabeças vai o capital.

No tango, a cabeça do Gardel está focada na de um nobre cavalo. Hoje a pelota chega na cabeça do Pirata, ontem seria do Dinamite. São essas cabeças que fazem toda a diferença.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Olha a bolinha

Tomei um golpe quando tinha 17, eu havia acabado de passar para a UFF e me achava o cara mais esperto do mundo. Tenho até vergonha de contar, mas sabe aquela das três forminhas de empada, uma bolinha, um prestidigitador, um ator fingindo ser o otário, tudo bem arranjado sobre e ao redor de uma folha de jornal? Imagino que você vai dizer que essa é mais velha que andar pra frente. Só que o cara que achava que ia desvendar os mistérios do universo caiu. Desde então me comprometi a ser cético para nunca mais dar mole.

Só que...

1.     Mandei um pix para um homônimo de meu vizinho. Achei o beneficiário no zap e pedi para que devolvesse. A resposta foi que a conta estava negativada e assim que pudesse...

2.     Coloquei o consultório de dentistas em pagamento recorrente, depois de tentar ser atendido algumas vezes em plena pandemia sem sucesso, cancelei o contrato. Mesmo assim continuaram cobrando, só parou quando cancelei cartão de crédito. Depois de quase três anos entraram em contato informando que tenho uma fatura em aberto.

3.     Mês passado cancelei o cartão de novo, mesmo erro. Só que agora foi com a empresa de segurança.

4.     No início do ano passado cismei que ia fazer uma coletânea com meus contos e poesias. Paguei pela publicação e até agora nada.

Poderia aumentar essa lista quase indefinidamente. Meu melhor amigo cansa de dizer que sou uma versão moderna do Batman barrigudo, aquele morcego que perdia um tempo enorme ouvindo as exclamações de seu sidekick. Coisas do tipo: “santos dentes escovados três vezes ao dia!”. Olha que quando eu via essa série, molequinho, já pensava: por que o Coringa não dá um soco de uma vez ao invés de ficar falando? No fim das contas a Batgirl (essa sim eu torcia para aparecer!) chegava para salvar o dia.

Pensando bem parece que vivo levando aqueles golpes típicos de turistas que pensam estar comprando a última lasca da cruz de Cristo. Estou aqui de passagem, e espero que os golpes que tomo ao menos virem boas histórias de viagem. Porém assumo que está perdendo a graça saber que a qualquer momento vou tomar um golpe, seja de um pedinte ou de um Oficial de alta patente. Por isso já mandei substituir meu sentido aranha por um toque de celular que lembre o tempo todo o que está para vir: “olha a bolinha, olha a bolinha, olha a bolinha”.

domingo, 6 de abril de 2025

O feitiço do tempo

A tal da sincronicidade é algo bem estranho, enquanto estou aqui as voltas com o violão um pensamento incomum faz lembrar de um antigo filme estrelado por Bill Muray. Nele um dia se repete indefinidamente, até que o protagonista desiste de lutar contra sua tendencia de pensar que tudo é tedioso e decide aprender com a insistência de seus dias serem sempre iguais. Aqui cabe explicar que estou também aprendendo a ler uma tal de tablatura, uma simplificação da partitura com diversos números se espremendo entre seis, intermináveis, linhas.

Sei que figurinha repetida não completa álbum, porém algumas delas insistem e reaparecer, no caso da tablatura em particular vira e mexe percebo que estou tocando a mesma linha ao invés de seguir adiante. Então, lá vou eu sofrendo o mesmo que a personagem que nunca acorda para o amanhã. Até mesmo em momentos improvaveis estou com o violão no colo repetidamente dedilhando: polegar, anelar, médio, indicador, polegar, anelar, médio, indicador... Só assim consigo, por exemplo, ver um jogo do Vasco até o fim. Com os sucessivos erros de sempre (sejam meus do Gigante da Colina). Mais tarde vejo no youtube os comentários de André Schmidt, no Blog do Garone, nele ouço que o time mais parece ter saído do filme “O dia da Marmota”.

Agora chega o momento em que você pode se sentir a vontade de reclamar de eu falar de sincronicidade tentando juntar violão e Vasco, youtube e cinema. E perguntar onde tudo isso se encaixa. O fato é que eu e o Garone estamos citando o mesmo filme, que pode ser chamado como o comentarista o fez ou com o título desta crônica.

Como a história se passa em 1993, eu estava sob a influência de Alan Kardec (não o atacante formado na nossa base) me pareceu bem óbvio que a película (outra referência que mostra como essa conversa é antiga, ninguém usa isso para substituir a palavra filme hoje em dia) que tudo era uma metáfora para a reencarnação. Como desisti dessa visão espiritual, cabe lembrar que o que Heráclito disse sobre entrar no mesmo rio.

Enfim, ora penso que se estou tocando o mesmo trecho de uma canção ou estou relendo um livro é sinal de que ainda há, paradoxalmente, algo novo. O risco é de ficarmos presos a círculos que não levam a lugar nenhum. Como já disse Beto Guedes “a lição sabemos de cor, só nos resta aprender.