domingo, 28 de outubro de 2012


rain

Conheci alguém que amava a chuva
E com tal intensidade que a chuva
Logo ela
Talvez também se sentia amada.

Sempre tinha a impressão de que
A vida se enchia de luz e cor
Toda vez que chovia
Tal era a luz que emanava
Quando ela dizia:
Que linda essa chuva!

Mais tarde descobri
Que minha irmã
Aproveitava as tardes chuvosas
Para silenciosamente estudar
E isso explicava toda aquela claridade
Mas não o encantamento

Por certo o mesmo pela primeira chuva
Vista por um jovem casal do sertão

Deveriam escrever uma tese
Sobre a genética do amor à chuva

O fato é que depois de tanto tempo
E algumas milhas além
Alguém ainda ascende
Uma luz lá em casa toda vez que chove

CARAVELAS


O que traz o navegante
Que segue a estrela mais brilhante?
Traz prata
Terra e especiarias

Mas traz também
Uma marca
Marca bela e dolorida
De todos marcos onde passou

O que traz o valoroso viajante?
Menos que a metade
Da tripulação

Pelo caminho ficaram
Tanto e tantos
Que é difícil dizer

Ficaram a infância e as ilusões
Mas veio braço amputado
Embalsamado
E a caneta
Que não assinou a própria alforria

O que me trouxe de lembrança?
Um pouco das cores desconhecidas
Dos novos pensamentos já envelhecidos
E dos luares que nunca vi

Mas não esqueça navegante
De trazer o abraço
Dolorido
De tão longo
E seu olhar ainda azul.

Para Paulo Albuquerque

sábado, 27 de outubro de 2012


SEM CERA

            Conhecer o significado das palavras de onde elas vêm e o seu colorido tem sido um de meus passatempos ultimamente.
            Isto, muitas vezes, explica a diferença entre sinônimos. Junito de Souza Brandão, em seus belos livros sobre mitologia grega diz que contemplar é observar templos e, considerar é observar o siderus, ou seja as estrelas.
            Observe que não há sinônimos perfeitos: o colorido das palavras possibilita que esta exausto não seja o simples cansaço, é não ter o último “hausto”, o ar que lhe dá vida.
            Do mesmo modo lembre-se se preocupar quando alguém disser que você está prestigiado, pois esta palavra tem a mesma raíz de prestidigitação que a ilusão oferecida pelos mágicos.
            A palavra que me acertou em cheio foi justo sincero, que vem da expressão sem cera. Esculpir sem usar cera para retoques era a forma dos grandes mestres: eles aceitavam o risco de obras sem retoques, onde suas falhas pudessem ser percebidas.
            Assim sou, quase sempre à beira da simples e pura falta de educação. Pelo fato de oferecer opiniões quando elas não são solicitadas ou sequer relevantes.
            Defeitos à mostra, já que qualquer qualidade em excesso transforma-se em um defeito brutal.
            Podemos repensar isto mas é tarde: meus pais, que nem sempre foram grandes mestres me esculpiram sem cera.  

domingo, 21 de outubro de 2012


CHICLETE DE CANGURU

Não sei como se escreve, mas deve ser algo do tipo kan goo roo; porém, independente da grafia (que deve estar errada!) esta frase significa “eu não entendo”, na língua dos aborígines australianos. E como eles não sabiam inglês isto era o que os colonizadores mais ouviam. Então, os doutos súditos da rainha pensaram que o curioso marsupial que viam naquelas terras assim se chamava.
Por outro lado o Rio de Janeiro recebeu este nome porque a Baia da Guanabara, vista de longe por marinheiros que certamente ansiavam por água doce, parecia um rio.
Podemos concluir que Rio de Janeiro e Cangurus têm em comum enganos históricos. Enganos belos é verdade, no entanto, quero compará-los a um outro nada agradável: vi na TV a imagem de um passarinho que morreu asfixiado por ter bicado uma bolinha de chiclete vermelha.
Há, neste caso também dois enganos: a do infeliz passarinho que não distinguiu o chiclete de uma acerola e; o de um andarilho que deixou acidentalmente (pelo menos assim espero) a armadilha por ali.
Falhas são cometidas o tempo todo, elas nos levam adiante e nos fazem crescer, algumas podem até ser interessantes, outras são simplesmente trágicas.
O problema é que a nossa margem para erros está cada vez menor, pois todos os nossos atos interferem com outras pessoas em um mundo cada vez mais plugado, interligado, interconectado.
Ou seja, se você espirra no Rio (poderia ser Baia) de Janeiro alguém pode ficar gripado em Sidney (e do jeito que a coisa anda pode até ser um canguru).
Então, como diria Gil (que é da Bahia – e que não tem nada a ver com a Guanabara) “se oriente rapaz” (e moça também), há muitas bolinhas de chiclete disfarçadas de acerolas por aí.

Remo Noronha



  

sábado, 20 de outubro de 2012


ORA DIREIS...CERTO PERDESTE O SENSO

Diversos aprendizados nos tornam quem somos no final do dia. Muitas vezes procuramos uma pessoa talhada para um serviço confiando apenas em sua formação. Ledo engano, é fundamental saber por que tipos de experiências de vida que esta pessoa teve, e quais caminhos a pessoa percorreu.
Um exemplo básico é a profissão de bombeiro: é preciso saber correr, subir em muros e árvores, pensar rápido e agir com calma, ou seja os melhores bombeiros que conheci foram moleques um dia.
As vezes julgamos as pessoas sem conhecer sua história, sem perceber o quanto é difícil tomar decisões de cunho ético quando ao seu redor outras pessoas não tem esta preocupação.
Neste mundo, há de tudo: pessoas que perderam tudo, que têm tudo, que tudo querem e, até as que nada desejam para si. Não podemos esperar que elas venham a reagir de um modo igual com estruturas tão desiguais. E as formas nas quais as queremos colocá-las muitas vezes praticamente as mutilam.
Se pudesse escolher uma experiência para ajudar as pessoas a serem melhores pediria a cada um que permitisse ser amado. Em geral o amor está bem ali, ao alcance das mãos, justo pertinho das pessoas que não sabem amar. E isto ocorre por que o amor também é uma trajetória que começa com paciência, evolui na crença de que a pessoa que está ali do lado pode lhe acrescentar algo e, deságua em um abraço.
Tenho feito um exercício muito interessante: simplesmente falo com as pessoas sobre a consideração que tenho por elas assim que tenho a oportunidade. Sendo que muitas vezes esta oportunidade também deve ser construída, como se fosse uma ponte entre  os nossos corações.
Quando você diz o quanto considera uma pessoa, você usa uma palavra que significa observar o espaço sideral, então ela se transforma em uma estrela para você. Quem sabe ao seu redor já haja uma verdadeira constelação sem que você perceba isto.
“Dizem que sou louco por pensar assim” ouço a voz aguda de Nei Mato Grosso, contrapondo a minha idéia de que as pessoas que amamos brilham ao nosso redor, mesmo assim estou certo de que nossas vidas podem ser iluminadas por esta pratica.

sábado, 13 de outubro de 2012


EM NOME DO PAI

Passei por um outdoor que dizia: “Em nome do Pai do Filho e do Espírito da Empresa”, sei que em se tratando de publicidade chocar o consumidor em potencial é uma estratégia para obter a atenção.
Até admito que deve ter dado certo, caso contrário não estaria escrevendo sobre o assunto. E também entendo que com padrões morais cada vez mais flexíveis deve ser difícil chocar alguém, seja quem for.
Em favor da liberdade de expressão também pesa o fato de que as reações às imagens do jornal Dinamarquês foram exageradas, e colocam os chargistas na cômoda condição de vítimas. Se não fosse suficiente, a óbvia constatação de que a violência, além de abominável, é o argumento de quem não sabe argumentar.
O que me incomoda, no entanto, é que temos um arsenal de argumentos bem medidos, a velocidade da produção e a voracidade  do mercado quando se trata de atacar qualquer coisa que possa ser considerada sagrada.
Esta liberdade ilimitada, no final das contas, corrói, a si própria uma vez que o extremo de um fato pressupõe o seu oposto.
Quero, no entanto, dar um testemunho verídico e pessoal sobre o assunto: Lembro claramente do dia em que desprezei com uma frieza calculada um trocador que insistia que eu havia lhe passado uma nota de cinco, ao invés da de dez.
Um pouco antes de saltar do ônibus ele me chamou de volta, tocou minhas mãos e olhando fundo em meus olhos me disse que não havia me roubado: “por tudo que é sagrado!” Não tive escolha e fingi aceitar o que me disse.
No dia seguinte, como que por milagre achei uma de dez no bolso esquerdo.


quinta-feira, 4 de outubro de 2012


O QUE VOCÊ VAI SER QUANDO CRESCER?

“Menininha não cresça mais não
Fique pequenininha na minha canção...
Porque a vida é somente o teu bicho-papão”

Uma idéia me atingiu como um raio: o Jornal Bandeirante é lido em nada menos do que dez cidades de nossa região, então é provável, (mesmo que não muito) que um dos meus doze leitores venha a ser um ex-aluno(a).
Esta é uma relação muito especial para mim, sei que muitos deles são hoje pessoas bem sucedidas e, coisas como um pedido de reconsideração da nota na última prova bimestral uma lembrança tão distante, que provavelmente já foi deletada.
No momento, não sei bem como arrumei um jeito de atuar novamente nas três áreas que me fizeram professor, e para você que não conhece este detalhe de minha atuação leve fé: há pessoas, loucas o suficiente, para se metem a lecionar matemática, física e inglês.
Sei que isto me coloca na mesma condição de um pato. Afinal um técnico de futebol, em uma destas tiradas históricas, disse que seus jogadores deveriam ser capazes de jogar em quaisquer condições (até sob uma forte chuva) assim como patos que são animais aquáticos, gramáticos e voáticos. Porém,  apesar de fazer de tudo um pouco, o pato nada mal, voa mal e anda pior ainda! Quero acreditar que não seja o meu caso, mas todo pato acha que é bom em tudo o que faz.
Sei ainda que dentre fórmulas, teoremas e verbos irregulares o que deve ter ficado foram os sorrisos e lágrimas que compartilhei com cada um de meus alunos. Fui até paraninfo de uma maravilhosa turma nos idos tempos de Colégio Doutor Paulo César, ocasião em que disse aos meus ex-alunos: a resposta certa para a questão “o que você vai ser quando crescer?” é: “vou ser grande”. Espero que cada um deles tenha cumprido esta promessa, pois potencial havia de sobra.
Poderia até dizer para os meus alunos que ainda não ostentam o título de “ex” que desistissem de toda esta história louca de crescer, com os seus vestibulares, suas noites em claro, preparação para o mundo adulto, contas a pagar (ufa!). E lembrá-los de que o hoje eles vivem o melhor momento de suas vidas (apesar de uma espinha ou outra). E crescer nem sempre faz com que a vida caiba em nossos sonhos.
Mas mesmo para estes fica o meu incentivo: sejam pois, realmente grandes!