sábado, 30 de novembro de 2019


Valério não era uma peça de ficção ele era um ser humano como outro qualquer, mas nasceu no tempo errado e no lugar errado. Cada tempo tem o seu absurdo de achar que algo nefasto é normal e era normal alguém ser tratado que nem bicho. Cada local tem o seu jeito de ser absurdo, e o Rio de Janeiro pode ser comparado a Macondo em se tratando de ter um realismo fantástico.
Fugir.
Mas não adianta correr. Se você corre logo vem alguém atrás gritando: “Nego fujão!”. Açoite, viramundo e tudo aquilo que amedrontava tantos outros.
Não.
Deve ser diferente. Andar lentamente, se misturar, parecer livre para ser livre.
Entrou no casarão vermelho. Disse que era corajoso, disse que carregava baldes com água até cair no chão, disse que cuidava dos muares, mas o sargento só levantou os olhos quando disse que era pintor.
Agora ele era Antônio, agora ele era o bombeiro 60. Respondia as ordens do capitão, mas não temia mais os capitães do mato.
Ledo engano. Descoberto, sabia que sua vida de Valério não valia nada.   
Uma reviravolta.
Aqueles que lutavam contra incêndios dantescos e vulcões infernais fizeram de seus peitos férrea muralha. E bradaram tão alto que lá da lua São Jorge ouviu. Quem está aqui é livre!
Não sei em que ponto ele pisou nas mesmas pedras do cais que o Navegante Negro. Só sei que desde então e para sempre o terreno do Quartel Central é sagrado para o Bombeiro Antônio assim como uma igreja é abrigo para refugiados.
Então saiba que este chão também é  sagrado para mim que não tive que mudar de nome para ser um homem livre.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Leocotea

Venha em forma de Fernão Capelo Gaivota.
Teça o linho 
Proteja meu coração 
Estou nu diante de um mundo 
Com velas e âncoras 
Mas hoje só meus braços 
Podem me levar a Ítaca.

quarta-feira, 30 de outubro de 2019


Muito obrigado

Lhe agradeço por ser meu aluno
Sem você não seria professor.
Lhes agradeço por serem minha prole
Sem vocês não saberia que única riqueza de um proletário é ser pai.
Lhe agradeço por ser meu amigo
Sem você a vida seria cinza.
Lhe agradeço por ser meu professor
Sem você perderia a humildade e a grandeza de ser eterno aprendiz.
Lhe agradeço por ser meu guia
Sem você me perderia na noite e ela que é sagrada só seria um labirinto.
Lhe agradeço por ser meu amor
Sem você não teria a benção de ser amado.
Dependo de você como os galos precisam da alvorada para tecer uma nova manhã.
Sou um individuo
Pois não posso ser dividido de você.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019


O Trickster
Discordo de quase tudo que um grande amigo diz, torcemos por times rivais, temos visões bem diferentes do que vem a ser ciência e política. Sou teórico, ele prático. Gosto de tapioca e ele de cazuela. Rimos o tempo todo.
O que forja uma amizade assim? O tempo... Não! Não é só isso, talvez a história. Então, vou contar algumas.
Esse cara veio para o Estádio de Mário Filho acompanhando o Colo-Colo, mas se apaixonou pelo outro time e simplesmente resolveu ficar, enquanto todo o resto da turma voltava para Santiago. Tinha uns 18 anos e só não passou fome frio devido a bondade de desconhecidos e de uma incrível capacidade de aprender muito rápido.
Adiciono a esta equação improvável ao seu jeito meio Carlitos. O que mais uma vez nos coloca em lados opostos no tabuleiro da vida, já que eu sou super quadrado.
Para você entender a capacidade do meu amigo em dar nós em pingos de éter, lá vai mais uma história.
Ele já estava uns vinte anos no Brasil e resolveu ver mais uma partida da Libertadores, comprou ingresso para a geral do mesmo Maraca só que desta vez não foi com seu uniforme rubro-negro. Já nos corredores do estádio procurou um guarda e disse: “Por favor señor, ¿dónde están los otros chilenos?”, cadê seu ingresso? – o guarda retrucou. “no entiendo”. “La tarjeta” falou outro guarda.” “La perdí” encerrou tristonho. E lá foi ele acompanhando o funcionario que por precaução lhe deixou na área vip, onde estavam outros conterrâneos. Bebeu um bocado de vinho, se divertiu demais, mas não pôde comemorar os gols de seu time.
Entre risos e histórias lá vai ele desfilando com seu coração generoso e sua mente atenta. E assim lá vamos sempre as turras disputando quem fala mais alto. Desce um chopp, mais uma teoria da conspiração. Mais dois, quase saímos no tapa para dizer qual é a forma do nosso planeta.
Concluo que diferenças inconciliáveis somente podem sobreviver nos braços de uma grande amizade.
E em verdade vos digo, é na dificuldade que se revela um amigo!



terça-feira, 1 de outubro de 2019


Estava fazendo uma tradução simultânea para alguns amigos de uma minhas músicas preferidas. Sabe? Tipo Good Times 98: “Parece para mim que você viveu a sua vida como uma vela ao vento”. Então o pensamento escapou de trem para outra música quase simultaneamente e esta diz: “as velas podem fazer milagres” e soltas assim as duas velas parecem estar trocadas.

Contexto. Não dá para saber o que diz uma palavra sem que ela se torne a pele do pensamento. Esta vela pertence aos Bee Gees em um convite a uma navegação nos ventos da imaginação. A própria palavra canvas (lona) nos remete a força que impulsiona os barcos, um milagre sem santos. Aquela conta a história de uma atriz que se derreteu como a cera das asas de Ícaro e nada tem em comum com qualquer navegação que não seja da própria alma de Elton John iluminada por uma loura platinada.

Ambiguidade. Na primeira vez que vi esta palavra, o livro didático trazia dois exemplos: “matou o leão o caçador” e “Joãozinho comeu o jantar e a Mariazinha também”. O gozador do autor poderia ter inventado anTRIguidade aproveitando para ensinar o que é neologismo. Mas, como menos é mais a mensagem chegou ao aluno que antes disso não gostava muito de Português.     

Em outro momento traduzi: “Porque o céu é azul. Isto me faz chorar.” Antes de pegar a sua caneta vermelha para me corrigir separando a primeira palavra e substituindo o primeiro ponto por um sinal de interrogação saiba que Lennon e MacCartney preferiram o because ao why e foi isto mesmo que disseram. Mesmo assim caso você queira interferir ao traduzir a frase para alguém basta mudar a entonação e os porquês mudam de sentido como um vetor multiplicado por menos um.

Isso tudo parece inútil, principalmente para alguém que assim como eu ama as exatas. Porém, o culto ao utilitarismo não pode justificar falas como: “a extinção de uma espécie não modifica em nada minha vida”. Segmentamos o conhecimento e aprendemos a valorizar o que pode ser contabilizado. Mas saber que um grande empreendimento foi feito em uma praia, cujo nome significa “pedra podre” poderia ter economizado uns trocados. Então quem é sensato não despreza os que os outros sabem.

Uma língua me abriu horizontes, então estou arriscando um pouquinho de Espanhol apesar de soar como o personagem de uma velha piada o “Pancho Ligerito”. Mesmo assim lá vou eu tropeçando em falsos cognatos que já me colocaram em maus lençóis, mesmo assim vamos em frente.

Misturar línguas para mim talvez não tenha a mesma força reveladora de estudar as matérias que me dizem um pouquinho da opus Dei, mas alegram mesmo os meus piores dias.

Continuo não sabendo para que me servem os micos leões, nem o porquê de as velas pretas não terem sido trocadas antes da chegada de Teseu em casa, o que o fez velar ao seu pai. Será que a Ariadne  estava embaraçada? Todavia, sei que todas estas pequenas loucuras me dão a certeza de que certas metáforas têm muito mais a dizer. Afinal de contas o ambíguo aqui sou eu.



segunda-feira, 9 de setembro de 2019


Nas Ruas de Tiradentes

No tacho requentado
Amendoim torrado, com açúcar mascavo

O cheiro se espalha da janela
Sem tranca ou tramela
Da dona Manoela

O moleque pula
Tão alto e pega
“Não rouba moleque. Pede!”
Ainda ouve ao correr.

As pedras do chão
Prosaico mosaico
Tão duras que cortam
As solas que passam.

O pé-de-moleque é doce
Cortado o pé do moleque
É duro o pé-de-moleque


Há um tal de Deus ex machina, um recurso literário comum, por exemplo no teatro grego, e saber disso teria me poupado um montão de lágrimas quando eu era moleque. A coisa funciona assim: o herói é posto em uma situação impossível para na ultimíssima volta do ponteiro ser salvo por algo que nada tem em comum com toda a trama.
Não é, pelo menos para mim, o melhor tipo de literatura. Sou mais adepto de caras como o Jorge Amado que põe as personagens em um tabuleiro qualquer e a partir de uma dinâmica (histórica, social), vão se comportar de um modo coerente com sua estrutura interna, aí teremos algo chamado verossimilhança.
Então você me pergunta, se eu não estou confundindo com o mundo real.
Não! Não! E não!
O mundo real é louco!
Só a arte pode ser coerente passo a passo, isto se não for a história de um super-herói japonês que passa a série toda apanhando e só vai vencer depois de uma luz vermelha se acender. O problema é que nessa altura do campeonato eu já teria ido embora chorando copiosamente, sem saber do final (impossível e) feliz.
 Perdoem-me o clichê, mas se não está legal é porque a história não acabou.
Mesmo assim não tem nada errado em sair chorando no meio do filme. Que as lágrimas façam o seu papel de expurgar o veneno, mas milagres acontecem.
Se você tem dúvida disto jogue uma semente no chão que algo inacreditável pode acontecer.
Mesmo que a gente demore a crer, o fato é que todo o baobá, já foi um dia, uma pequenina semente.


quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Mais uma da Maria Augusta

Só quem viu sabe os caminhos da guerreira.
Uma destas pessoas ao ver tanta luta perguntou:
- Como você mantém a fé diante de tanta dificuldade?
Com um sorriso gaiato ela respondeu:
- Isto foi só uma demonstração do amor de Deus por mim.
Ele tem mó cuidado, então põe o dedo mindinho na minha cabeça. Não é culpa Dele ter a mão tão pesada.

quinta-feira, 15 de agosto de 2019


Na mesma bat-hora no mesmo Bat-canal

Para que ninguém ache que sou mais realista do que o rei, admito que já fiz trabalhos escolares colocando o nome de quem nem sequer apareceu na reunião planejamento.
Volto ao velho tema da cola, que pelo jeito está cada vez mais elaborada, aceita, consolidada e até mesmo comercializada.
O fato é que recentemente algumas pessoas têm me procurado para fazer os tais trabalhos acadêmicos.
Fico espantado com isso, o que me põe na posição de um Batman barrigudo.
“Perai” que já, já lhe digo o que isso significa.
Na década de 60 fizeram uma versão televisiva do Cavalheiro das Trevas que tinha tudo para dar errado. O que ouvi falar sobre a série (jamais deixe a verdade atrapalhar uma boa estória!) é de que o diretor ficou puto com o projeto e fez tudo à moda vamos que vamos para se livrar daquela bosta, pois ele tinha coisas melhores para fazer. Os roteiros e as personagens eram tão ridículos que acabaram sendo engraçados. Resultado: um tremendo sucesso. E - Ai de mim - com o direito a falas como: “Benditos dentes escovados três vezes ao dia”.
Bem. Não sou tão anjinho assim e sei que no mundo real as coisas são como são.
Só que não tem jeito, ainda me espanto quando alguém me manda um zap pedindo para fazer “apenas um trabalhinho, que não é nada demais”.
Outro dia uma senhora quase me bateu devido a minha recusa (Ou nem tanto – ainda é um pouquinho difícil me encarar- afinal ela não era nem o Coringa e nem o Pinguim). E tive que explicar umas dez vezes que eu não me incomodaria de fazer o trabalho junto com o filho dela, explicando passo a passo como deve ser feito, só que eu não aceito ser pago para fazer o trabalho escolar de quem quer que seja, sob qualquer pretexto.
Então, meu queixo cai no chão quando vejo alguém postar sem nenhuma cerimônia em uma rede social aberta: “Faço trabalhos acadêmicos”.
Sei que é mais fácil ser ético com a barriga cheia, mesmo assim isso me causa calafrios.
E se quiser chamar alguém de Batman barrigudo aproveita e faz uma fila. Não sou o único que suou frio quando vimos na tv pela primeira vez um Presidente da República afirmar que para ficar no Governo um partido não pode debater e sim votar junto. E isso faz tempo, imagina com o que dizem hoje, estabelecendo que o famoso Centrão conglomera tudo de pior que existe na política, tornando qualquer sacanagem ser coisa normal.
Considerar a possibilidade de ter um olhar inocente para qualquer situação que seja não deveria simplesmente ser um caso para a internação em um hospital psiquiátrico. Cada vez mais percebo que todos os sistemas políticos e estruturas sociais estão à beira da ruína e somente uma reviravolta em nossa noção de valores poderia mudar algo. O problema é que os ponteiros dos relógios não param e não podemos mais justificar os meios pelos fins, o que nos põe em uma sinuca de bico.
Tudo isso me leva de volta a um momento em que um amigo pediu que eu escrevesse uma lauda sobre o Pequeno Príncipe, que ele nem teve tempo de tocar. Como já disse não sou tão anjinho assim e a vontade de expressar (mais uma vez) o que eu gostaria de dizer sobre o amante da Rosa e da Raposa foi maior.
Em minha defesa a outra parte do trabalho foi sobre outro príncipe, o de Maquiavel. Então, eu obviamente não quis, não pude, e não teria como escrever qualquer palavra. Tentei ler este cara umas três vezes, porém mesmo depois de todas as explicações históricas e contextuais minhas ânsias de vômito foram maiores nunca permitindo que passasse da décima página.
Entenda que não tenho estomago fraco para textos sobre luta ou sangue. O Sun Tzu, por exemplo, já me acompanhou por um bom tempo. Até porque, não é difícil respeitar, mesmo que você discorde, um cara que te explica como decidir diante de dilemas e guerras, sejam elas reais ou metafóricas. Afinal derrotar um inimigo em campo de batalha faz parte do show, mas arrastar seu corpo por três dias e três noites diante do reino derrotado nem pensar. Alguém deveria explicar ao Aquiles que atos de guerra podem ser perdoados, atos de tortura jamais.
Há ainda outro fato para ser dito aqui neste texto, mesmo sob o risco de torná-lo uma tremenda colcha de retalhos.
O que vejo em resposta a questões definitivamente sérias não podem mais passar de simples jogadas de marketing ou vistas como oportunidades para lucrar. Toda vez que alguém disser que plantou um bilhão de árvores em um campo de futebol desconfie: o que há de ecobobo, ecobabaca, ecochato, ecoidiota e ecoaproveitador não está no gibi. Mas pode acreditar em todas aquelas pessoas que catam latinhas para sustentar a família.
O que nos resta então?
Se poderia pedir algo para aqueles que virão é que não se perca a perspectiva quixotesca de colocar uma roupa que mal esconde a barriga, uma capa e uma máscara em forma de morcego. Batmans barrigudos estão em falta e o mundo definitivamente carece de pessoas que não tenham superpoderes dispostas a mudar o jogo.



segunda-feira, 12 de agosto de 2019


MÃO DE PAU

Para quem não sabe sou um tipo que tem um carma tão pesado ao ponto de não nascer grama onde piso. Talvez você também seja assim. Primeiro você tentou ser atacante, mas é um cara grandão e meio desajeitado, então é deslocado para lateral, mas é muito lento. Finalmente tenta a zaga, mas é defenestrado depois da segunda pixotada. Esqueci algo? Que tal o meio de campo? Pensando bem, deixa para lá. Ali é um lugar para desfilar categoria, não é para quem chama a bola de Vossa Excelência.
O que nos resta? Algo, mais ou menos assim: “Bicho pega no gol só esse jogo, o João quebrou o dedão e não temos outro para pôr no lugar”.
Você não sabe nem o que está fazendo, só que tem aquele tipo de coragem própria dos loucos. Além do mais para jogar uma partidinha de futebol você não se incomoda de chegar em casa todo ralado.
Assim está feito.
Mais um arqueiro, guarda-metas, goalkeeper, mão-de-alface, mão-de-quiabo, maluco-do-time, vai-que-é-tua, frangueiro, mão-de-pau, enfim... goleiro.
Esta é a posição mais original e solitária do futebol. Nela lhe dão o superpoder de usar as mãos, mas vão lhe cobrar por cada erro.
Dizem que médicos, pilotos de avião e goleiros não podem errar. Só que todo mundo erra.
No meu caso particular o erro é uma das minhas maiores características. Se faço conta somo um e um para encontrar onze. Se falo a língua pátria nunca sei se uma palavra tem um ou dois erres ou esses. Falo inglês fluente, porém meu spelling é uma desgraça, e não vou ficar espantado se escrevi spelling errado!
Assim toquei a vida, uma exibição de gala aqui, uns frangos ali. Até que finalmente encontrei a pelada que sempre quis: um time de tigres... de bengala, de muleta e até de bom futebol (pelo menos alguns de nós, já jogou bola de verdade). E lá vamos nós para mais um encontro na manhã de domingo.  Logo vai começar a pelada dos veteranos do Carmelo.
É maravilhoso nos divertir com um jogo de futebol com caras que pouco se importam com o resultado, em um jogo no qual dividir uma bola sob o risco de machucar um amigo é impensável.
Ontem foi ainda melhor, chegou um bando de moleques da vizinha cidade em seus brilhantes uniformes azul-escarlate. E não sei se por ironia ou se por amor decidiram torcer justo por mim.
A cada defesa ouvia: GOLEIRO, GOLEIRO, GOLEIRO!
Estava divertido à beça, até o momento em que tomei um frango, algo quase regulamentar da minha vida. Não uma falha qualquer: um gol contra. Levantei pensando em me irritar quando um menino gritou: FICA CHATEADO NÃO VOCÊ É BOM! Então, os outros me aplaudiram.
Quantas vezes você gostaria de ter uma plateia tão linda em sua vida? Há erros de vida e morte, momentos em que uma falha pode estragar algo precioso. Nos demais deveríamos rir e aprender uma lição qualquer.
Quando acabou o jogo fui até a arquibancada para dar boas vindas a minha cidade aos pais e mães que trouxeram aqueles meninos espetaculares. Agradeci profundamente a educação a eles oferecida. Há bens preciosos espalhados no mundo, mas nada se compara ao fato de que as crianças são o melhor do nós.

domingo, 4 de agosto de 2019

Inversões

Parabéns querida
Nesta data para você
Muitas felicidades
E muita vida.

Devo
Não pago
Nego quando tiver.

segunda-feira, 29 de julho de 2019


Coisas que se aprendem quando temos 10 irmãos

Aprendi que se dois irmãos brigam o melhor a fazer é não tomar partido.
Aprendi que ao se arrumar confusão na rua qualquer irmão vai correr para ajudar, mas se você estiver errado vai tomar cascudo do mesmo jeito assim que chega em casa.
Aprendi que quando você finge que está estudando os seus irmãos mais velhos não mexem contigo, mas o bom mesmo é quando você aprende que estudar é melhor do que fingir.
Aprendi a ser mimado, mas que as pessoas da rua não têm o mesmo cuidado ao lidar com crianças. E esta é uma lição bem difícil.
Aprendi a cantar “Daniel Boone quer café” para incentivar o Maninho a ir à padaria para trazer pão quentinho.
Aprendi a calcular frações bem rápido. Quando só há sete pães para onze irmãos, com forte senso de justiça, nenhum professor precisa lhe ensinar o que são sete onze avos.
Aprendi que quando só há uma TV com tantos irmãos, você nunca vai conseguir ver desenho bem na hora de um filme.
Aprendi que torcer por um time vai fazer você rir e chorar com seus irmãos.
Aprendi que se você jogar bola mal a sua única chance é ser goleiro.
Aprendi que fazer pipas dá mais dinheiro que soltar pipas.
Aprendi que catar latinhas, garrafas e cobre vai lhe dar o suficiente no fim do mês para ostentar e comprar uma coxinha no supermercado.
Aprendi a tratar com respeito as garotas na rua, porque é chato para cacete ter um monte de irmãs bonitas sendo perturbadas por caras sem a menor noção.
Aprendi que ser café-com-leite nas brincadeiras mais pesadas, pode não ser o mais divertido, mas é melhor que voltar para casa mancando.
Aprendi que as roupas dos irmãos logo, logo vão caber.
Aprendi que se você tem um caquinho de vidro no pé é melhor passar pela sua mãe fingindo andar normalmente, caso contrário logo ela vem com uma agulha.
Aprendi um montão de coisas sobre segurança, como por exemplo, passar debaixo de uma escada ou quebrar um espelho dá azar. Mesmo assim, aprendi o que é ter um braço quebrado, um pedaço do couro cabeludo raspado e um monte de cicatrizes.
Aprendi que não é uma boa ideia brincar com giletes.
Aprendi que não se deve escalar o móvel da cozinha para pegar um garfo. Neste mesmo momento também aprendi que óleo quente na cabeça dói para caraca.
Aprendi que quando os meninos fazem 10 anos, eles podem se orgulhar de dormir numa esteira no chão da sala, junto com os outros irmãos.
Aprendi que cama é coisa para crianças e meninas.
Aprendi que é mercúrio cromo e não “mercúrio corno”; mas só depois de uma irmã entender, com uma longa e cuidadosa conversa, que não havia ninguém preocupado em saber o que é infidelidade.
Aprendi que ao se sentar entre a uma irmã e o namorado dela, rapidinho se ganha um trocado para comprar picolé.
Aprendi a ter ciúmes.
Aprendi que família sai na porrada mesmo, mas aí de quem falar mal de um irmão.
Aprendi que quando se mora perto de uma favela não é boa ideia um irmão bater em um traficante no jogo de futebol.
Aprendi que só uma mãe, com a coragem do tamanho de um bonde, poderia fazer um cara que bateu em um traficante voltar para casa em um pedaço só.
Aprendi a falar a língua do P sem que ninguém me ensinasse.
Aprendi que quando você aprende um código secreto você não deve ficar entusiasmado quando alguém fala SO-por-VE-pê-TE-pe. E que basta um pequeno grito de alegria para todo mundo descobrir que você já sabia uma língua secreta que deveria ser exclusividade dos irmãos mais velhos.
Aprendi a amar.
Aprendi que a gente continua amando os irmãos, mesmo quando eles vão embora.
Aprendi que a vida nos oferece outros irmãos, mas nada pode se comparar a ser o mais novo de onze.

quarta-feira, 17 de julho de 2019




Sobre Pequenos Príncipes e Caubóis de Brinquedo

         Tudo se resume ao fato de que a vida é breve, uma viagem só de ida para o futuro. Assim como no conto do jornalista que encontra o guru (ato falho – quase escrevi guri, mas quem além do nosso menino interior pode indicar o caminho certo?) e se espanta dele ser tão despojado, então pergunta: “Como você vive com tão pouco?”. “Mas, você também, só tem uma mochila” responde com outra pergunta o guru. “Sim, mas só estou de passagem” replica o jornalista. “Eu, também,” encerra o guru.
         Lembrei disso quando informei um grande amigo que estou vazando feito a maré e ele lamentou a minha partida. Os amigos são de tudo o mais difícil de deixar, acredito que por isso o Woody faz questão de que nenhum brinquedo fique para trás. Fica, então, um soluço entrecortado e um olhar para o que passou. Podemos achar que a resposta seja um frio distanciamento de tudo, mas na verdade ela vem da raposa ao explicar ao Pequeno Príncipe de que ao cativarmos uma Rosa ela se torna única.
Já se vão 25 anos de Carmo, mas está claro para mim que este ciclo está à beira de acabar. Deixo a casa enorme, o quartel que comandei duas vezes, as escolas nas quais trabalhei, o café do Amarelinho, o cuidado do meu jardineiro, o jogo de dominó logo de manhã, a praça infinita, o treino no campo do Botafogo, a igreja com torre atrás. Mas o difícil mesmo é deixar memórias e amigos.
Dentre todos de quem mais sinto falta é de um menino que me cativou. Ele é a mistura de um Caubói de Brinquedo e o Pequeno Príncipe. Foi ele quem fugiu das minhas aulas de física para jogar ping-pong, foi com ele que reaprendi a jogar War, foi ele quem trouxe os cachorros para casa, foi ele a quem ensinei que deveria andar de bicicleta mesmo com o joelho recém ralado, foi ele quem proibi de ver Power Rangers para parar de bater na irmã, foi ele quem decidiu a hora de ir embora.
A casa está vazia, não tem mais a oração do Pai Nosso de mãos dadas com todos na mesma mesa, não tem mais discussão de quem é a vez no videogame, não tem mais o ato de colocar todo mundo no carro para ir até a cidade ao lado só para comer misto quente.
Então, peço perdão para os que ficam. Ou melhor ninguém fica. Estamos todos de passagem. E esta certeza me chega quando tomo coragem para ver o mesmo desenho que víamos juntos cantando “amigo estou aqui”. Eu sabia que ia chorar e chorei. O caubói cresceu, foi para longe, encontrou o seu caminho.
Então, assim de repente ele me liga e pergunta “como é ter 27 anos e o que devo esperar?”, é um baita sinal de amadurecimento. Um pouco antes ele iria achar que poderia ter todas as repostas sem perguntar ao seu velho. Digo apenas que a única obrigação que temos é nos tornar nós mesmos nesta caminhada e para isso devemos saber quem somos. O resto... Ora, o resto é só uma viagem curta.




quarta-feira, 26 de junho de 2019


Sobre Guadalupe, Araruama e a vida que segue

“Pandeiro não é absurdo
Mas é o meu nome
Não me chamo surdo
Mas aguento fome”

         Fui embalado por Micheal Jackson e Bee Gees sonhando um dia poder dançar uma lenta em um baile High-fi. Era de se esperar que só gostasse de pop em inglês.
Só que algo mudou. Minha irmã casou com o Ponês e meu irmão casou com a Tuca. E uma das consequências mais importantes, sem contar os lindos sobrinhos, foi conhecer o pessoal da Rua 3.
         Puãn, Kaíko, Deô, Nena, Ceara, Dona Eminha, Solimar, Jefão, Ivana... E o meu querido amigo o Helinho. Talvez nossa proximidade fosse devido a termos quase a mesma idade, mas a verdade é que ele é o cara!
         E como pode alguém aprender a tocar o cavaquinho tão rápido? Ou foi o que pareceu. Assim é o aprendizado dos outros, afinal não é a gente que fica cheio de calos nos dedos. O que cresce mesmo é uma inveja daquelas. Só que ele é tão gente-fina que nem isso poderia estragar a nossa amizade.
         Sendo o dono de dois pés esquerdos e duas mãos esquerdas, não tentei sambar ou tocar sequer o pandeiro, ou qualquer destas outras coisas que cantam quando apanham. Só me arrisquei um pouco ao cantar um bagaço da laranja aqui, um chorinho ali ou um pagode de improviso. E assim ficava lá horas e horas encantado com os poetas, os sons e a dança da genuina cultura popular. Que hoje em dia apanha mais que o surdo, um absurdo!
         Então passei a gostar de MPB em uma época que Gonzaguinha e Clara Nunes faziam da voz um soluçar de dor e de amor, sem deixar de acreditar na rapaziada que segue em frente e segura o rojão.
Tudo isso voltou ao me hospedar em uma pousada que fora um clube de Sargentos. Espartana? Ora, para os caras que tocavam a tropa, já era de se esperar. Todos sabem que soldados recebem o soldo em sal. Acolhedora? Seria preciso um pleonasmo mais que brabo para definir isso: então entre para dentro deste clima.
No sábado ficamos na entrada para ouvir musica da boa e musica da boa... Bem vocês já sabem, é atemporal. Como assim é tudo que é bom.
A Rua 3 invadiu Araruama, não com o samba de raíz, mas na balada da MPB. Boas notas são boas novas, mesmo que a música seja Balzaquiana. Ainda mais se cantadas por uma guria de 10 anos lembrando os acordes do Lulu, Engenheiros ou do Renato Russo, a quem a menina nunca vai ter a chance de pedir um autógrafo.
A diversão se espalhou no violão de um radialista que se revelou um verdeiro show-man. Entramos na batida fazendo a segunda voz. Pode não ter sido a coisa mais afinada que você já ouviu, mas foi muuuuuuito maneiro. Não levantei para dançar (lembra dos dois pés esquerdos?) mas peguei a mão de minha garota falando baixinho “I wanna hold your hand”.
O gerente do pedaço, um cara grandão parecido com o pai do Chris (que todo mundo ama), trazia um mocotó de grudar os beiços. Enchi a cara de vinho. Ri de doer as bochechas e lembrei do lugar que me ensinou a cantar.
É bom saber que ainda tem por aí muita família tocando legal.

sábado, 12 de janeiro de 2019

SOBRE JARDINS E AMIGOS

Para Wladmir Rollemberg, meu melhor amigo.

Meu melhor amigo passa boa parte do tempo me perturbando, para não dizer simplesmente, que ele me enche... um bocado. Bem, não posso reclamar, pois sou muito mais chato do que ele. Algo como... tem que pagar pedágio para ser meu amigo de verdade. E pelo que entendo a mesma lógica se aplica a ele.

Por exemplo, parece que toda vez que vou visitar ele aparece uma mudança, assim tipo de um sofá gigante que não cabe no elevador e mal passa pela escada, justo quando ele se mudou para o décimo segundo andar.

Não reclamo, ele bem pode dizer que se trata de uma pequena vingança de quando escalei ele para a pior missão da sobrevivência, nos idos de 1987, quando estávamos cursando como cadetes do Corpo de Bombeiros. Acredito que ele só vai saber o porquê de eu o ter escolhido depois de ler este texto, eu simplesmente precisava de alguém que eu confiava para uma missão difícil.

Se você, algum dia, precisar de alguém para fazer uma amarração na sua descida de rapel, que seja alguém que tenha a sua confiança no nível técnico, humano e moral.
Tudo bem, se você não acredita no que digo, se quiser simplifique: para ser meu amigo de verdade tem que pagar pedágio. Mas eu já disse isso, provavelmente vou dizer de novo.

Um amigo, antes de tudo tem que ser gente como a gente.

Gosto de gente em geral, gosto de gente que dá abraço, gosto de gente que sorri a toa, gosto de gente que toma cerveja comigo, gosto de gente que me ensina ou que aprende comigo, gosto de gente que se põe do meu lado quando o mundo diz que não, até gosto de gente que da presentes.

Este último item, não é tão relevante assim, até porque meu melhor amigo tem a incrível habilidade de dar presentes horríveis. A lista é interminável: pijama de bolinha, biscoitos que ninguém mais quer, camisa que não cabe em mim, livros de colorir, alfajor que demorou mais de oito meses para chegar nas minhas mãos e quando veio estava cheio de mofo e um livro horrível que só ele gostou.

Todavia, nada foi tão idiota quanto o tal  do JARDIM ZEN.

Assim que abri a caixa, falei para ele... maneiro, agora cadê o presente de verdade?
Não consegui esconder minha cara de decepção quando ele me explicou que era aquele mesmo.

Mas como já disse, para ser meu amigo tem que pagar pedágio, três meses depois tive o prazer de ver a cara de bunda dele quando abriu uma caixa, e lá estava um LINDO JARDIM ZEN, como presente de aniversário para ele.

O resultado dessa história é que já faz uns dez anos que passamos um para o outro o mesmo presente de aniversário.

Neste ano o presente veio um pouco atrasado, precisei de meu melhor amigo para segurar uma daquelas barras para as quais Deus inventou os melhores amigos.

Já havia passado, o meu aniversário um mês e meio, então desta vez ele realmente me surpreendeu com um LINDO JARDIM ZEN.

Tem nada não, fevereiro o jardim volta para a casa dele, neste interminável movimento ondulatório entre Carmo e Niterói.

Vamos rir um bocado quando ele abrir a caixa.

A cerveja é por minha conta.