621
Estamos
entrando de cabeça na crise do corona, então que não tem faltado é tempo. A cada
dia me ocupo preparando e publicando aulas. Mesmo assim sobra, Chronos deve
estar farto e já devorou tudo o que podia. Então sobra para lembrar de estórias.
As conto para minha gata ela duvida. Acha que tudo vem da minha imaginação.
Aqui
vai mais uma. Esta é tão improvável que hoje ela vai querer me internar. A sorte
é que particularmente nesta há testemunhas.
O
ano foi prolongado entre 85 e 86, tudo faz parte de um amalgama. Não fosse a
Copa do México (outra coisa que faria este biênio se transformar em tri, junto
com 70) eu iria pensar que o calendário teria sido esticado. O preparatório não
havia terminado para nós, a adaptação no calor de fevereiro fazia ferver nossas
botinhas nas manhãs de Jurujuba.
Aprendemos
a responder com nossos nomes de guerra cada vez que o instrutor gritava os números
entre 601 e 620. Éramos finalmente cadetes, havia ali o resultado de uma peneira
que começara com 3300 e tantos candidatos, mas a turma não estava completa.
Todos
nós temos histórias improváveis, muitos quebraram círculos nefastos de pobreza
estudando que nem loucos. Depois tivemos que provar sermos saudáveis, nadar, subir em cordas, não desmaiar sob o sol escaldante, pular muros e carregar
uns aos outros sobre os ombros a correr.
Enquanto
isto o desespero batia fundo em um cara que não estava com a gente (ainda), uns
poucos graus de miopia o separavam do sonho de ser bombeiro. O custo de uma
cirurgia chegava perto da renda de toda sua família em um ano de labuta.
“Vamos
para a rádio.” “Mãe, não adianta. Ninguém vai querer nos ajudar”. Ele retrucou.
“Não desanima. Já fiz promessa para Santa Edivges. Nada é impossível para quem
tem fé”. E lá foi ele.
Contrariado.
Quase posso ver a sua expressão. Sei exatamente como é a face de meu amigo quando
se sente assim e não foram poucas vezes, pois se há algo que pulsa em seu
coração além de um sangue rico é o seu senso de justiça. Acredito que assinamos
uma espécie de contrato quando chegamos aqui, nele não há nenhuma linha que
diga que o mundo é justo, especialmente com os puros de alma.
Ele
sabia, que nestas ligações para o rádio, a maioria das pessoas só queriam fazer
um pouco de publicidade gratuita para os seus negócios. Tudo era uma farsa. No ônibus
entre a rádio e a Clínica lá em Copacabana ele foi enumerando mentalmente todos
os motivos que iriam dar para não o atender. “Quem ligou para a rádio não poderia
oferecer gratuidade”. “Infelizmente, você não se encaixa no perfil esperado...”
O
que encontrou lá na verdade foi um grupo de médicos generosos, que não cobraram
nem pela anestesia.
29
de fevereiro (nem adianta procurar no calendário para saber se 86 foi bissexto,
por favor, não me atrapalhe enquanto eu conto) lá estava ele:
- 621
- Wonder!
Que
maravilha de pessoa!
Foi
exatamente assim que aconteceu.
Não
me pergunte como sei onde era a clínica, ou mesmo qual era a fé que levara os
personagens nesta procissão interminável.
Foi
exatamente assim que aconteceu.
E
tenho o dito.
Se
você não acredita, posso reafirmar com o que realmente vi. Meu grande amigo
cantando nas escadas de um hotel os versos do fantasma da ópera fazendo parar
todos que andavam por perto. Uma figura realmente improvável.
Então,
se o seu sonho lhe parece algo que só pode acontecer na ficção se espelhe no grande
homem no qual eu penso quando falo estas três palavras.
LUTE,
PERSEVERE, VENÇA!
Se é para me fazer chorar você conseguiu.
ResponderExcluirSim! Isto aconteceu!
O Remo poematizou esta passagem da minha vida e eu não tenho palavras para agradecer, pois mais uma vez verti minhas lágrimas com alegria.
Obrigado por me emocionar meu amigo.
Nossa que lindo o Resende lendo em voz alta e eu me emocionando muito ao ouvir o texto com uma história de luta e perseverança à um sonho.
ResponderExcluirParabéns!!!!
É, irmão! Ele tem esse defeito: consegue escrever coisas que conseguem emocionar até homens como nós, acostumados a testemunhar de perto a dor e o sofrimento das pessoas, como as tantas vítimas e seus familiares que atendemos ao longo de nossas carreiras profissionais! Ele é incorrigível! rsrsrs
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