domingo, 31 de julho de 2022

Pandas fofinhos e bichos escrotos

Um dos culpados de criar expectativas irreais em relacionamentos foi o tal do Walt Disney. A Coisa tá lá, é uma fera, grosseiro, mal-educado e sem nenhuma consideração; mas vai lá que com um doce beijo ele vai se transformar em um príncipe. Do outro lado tem o tal do Billy Joel que vai dar esperanças para os caras da periferia e que está tudo bem em, ao menos, tentar alcançar uma Uptown Girl.

Parece que estamos no mesmo paradoxo que os pandas. Sim aqueles (não) ursos fofinhos. Quem vê de longe pode achar que é só love. Todavia, sua corte é muito violenta, chegando a redundar na rejeição mútua.

Assédio.

Até há pouco achava que só acontecia em um sentido da relação, contudo criaram o conceito de sugar dad, e lá vou eu, quase sessentão, ter que explicar que não estou na pista. Para mim a solução é fácil, extremamente fácil. Se no primeiro toque a pessoa se toca, tudo bem, podemos ser amigos. A repetição logo se transforma em block nas redes sociais.

No coletivo, a coisa é muito mais complicada.

A tal música do Billy Joel normaliza a aproximação de um mecânico entulhado de graxa com uma verdadeira graça, um ícone da alta sociedade. E quem não se encantaria? Só que a relação entre castas é impensável. O palácio de Versales explica isso muito bem com suas salas interligadas, onde (em tese) qualquer cidadão poderia falar com o rei, porém você só poderia passar para a sala adiante se soubesse o protocolo correto, armamento de uso exclusivo de bispos e cavaleiros.

Durante a história muito aconteceu. Havia uma solução simplória: clava na cabeça e arrastar pelos cabelos. Depois uma social:  casamento arranjado. Ainda depois outra quando a burguesia chegou chegando: a corte (Jane Austin que o diga). Ainda há pouco uma solução masculina e bem-humorada para isso tudo: a tal da cantada, que era muito apropriada para o patriarcado. O problema é que a coisa fugiu do controle e o tal do “qual é o endereço do cachorrinho?” virou: “gostosa”, e minutos depois... bem deixa pra lá.

Não proponho que devemos dizer algo como “Tu és divina e graciosa, estátua majestosa, do amor por deuses esculturada”. Como sou de uma certa geração tenho como linha de corte tratar a garota de quem a gente gosta de mina. Se ela não é preciosa para você porque começou esta confusão toda?

Como é você que está na caça hoje em dia passo o bastão. Sem querer propor qualquer tipo de solução, mas pensem rápido. Os pandas estão em risco de extinção.

quinta-feira, 28 de julho de 2022

Acorde

Antes de começar muita gente me falou que eu iria gostar, afinal as relações com matemática são não menos que óbvias. Sim, se trata de uma escala logarítmica, e as implicações ligadas a acústica logo me remeteram a perceber frequências, comprimentos de onda, tração, ondas estacionárias e tudo mais que não vou falar aqui para não afugentar você que odeia exatas.

Sei que em minha defesa bem que poderia dizer que calcular, medir, prever e todas as coisas correlatas são atos humanos, então também sou de humanas.

Saio pela tangente (seno divido pelo cosseno – pensando bem esquece isso) e só vou me concentrar em uns poucos números, bem comuns por sinal. Que são 3, 4, 5, 7 e 12.    

Vamos a eles.

Provavelmente se você não tem nenhuma formação musical e lhe perguntarem quantas são as notas provavelmente vai responder sete, pode até ser que cante aquela musiquinha que aprendeu ao ver a Noviça rebelde, caso seja de minha geração. Sete não é um número qualquer, simboliza nada menos do que perfeição, em uma interpretação mais recente podemos até dizer que é a santíssima trindade reinando sobre os quatro pontos cardeais. Isso explica o porquê de haver sete dias na semana, sete virtudes canônicas, sete pecados capitais, sem contar a conta de mentiroso.

Entretanto se você já ouviu Ebony and Ivory, pode ter percebido que há teclas pretas marcando aquelas notas que você não conhecia antes, lá no mesmo piano onde o preto e o branco vivem em harmonia (Ah! Senhor, por que não nós?). Subindo a ladeira tem o tal do sustenido depois de cada nota que não termina em “i”. Como são cinco (chagas de Cristo) passamos a ter doze notas (se é que posso chamá-las assim – o melhor é pesquisar – melhor ainda é perguntar ao Ciro, cujo filho mais novo se chama Tom)

Então chegamos a C, C#, D, D#, E, F, F#, G, G#, A, A# e B, justo na hora que você pode querer me bater por não começar com A. Porém se me permitir dizer que o tal do lá é o padrão para tudo, fica mais fácil entender, até porque a música é uma roda de ciranda, fazendo com que alguém possa entrar na dança dando as mãos a quem quiser.

Nem vou dizer que o tal do lá pode ser padronizado com 440nHz, onde n é um número natural, e como a diferença de notas está em progressão geométrica as frequências subsequentes podem ser achadas multiplicando por 2 1/12.

Direi apenas que 12 também significa perfeição, pois enquanto 7=3+4, 12=3x4. Eis o motivo de haver 12 meses no ano, 12 trabalhos de Hércules, 12 signos no Zodíaco, 12 apóstolos, a lista é interminável.

Como só estou tocando violão há quatro meses vou parar por aqui. Parece que vou encontrar outras relações como estas. Nem precisava. Estou me divertindo um bocado só com isso. O que é incalculável.

Remos e rimas

 Chego na aula de canoa havaiana e logo me deparo com uma pergunta bem difícil: “Quem é você?”, já seria complicado dizer o meu nome, ainda mais as sete da manhã, quando nem sempre se está acordado. Poderia até filosofar um bocado. Nisso um cantinho do cérebro grita: “Eita! Pergunta difícil”.

Minha saída é tentar um pouco de humor e poesia: “não sou um Remo que rema, sou um Remo que rima”. A professora ri, e logo muda de assunto se coordenando com seu marido. Ela explica a forma correta de colocar as alavancas na água, enquanto ele dita as devidas normas de segurança.

O tempo todo acho que estão me chamando, as tais alavancas compartilham meu nome, então é remo pra cá, remo pra lá, Remo rema direito, me passa o remo; Remo, presta atenção. Algo muito incomum em minha vida, perceba que tendo um nome desses quase não conheci xarás em minha trajetória.

O ritmo hipnótico me faz pensar no que é efêmero e o que é eterno. Só que não tem jeito o trem dos pensamentos não sai da questão da identidade, não aquela da foto, mas a reflexão do que somos de verdade.

É a velha questão do ser e do estar que se embolam na língua inglesa, só que no falar de Camões permite que se esteja Ministro da Educação, posto que assim não se nasce, nem se permanece.

Sei que já cantei muito por aí: “Somos bombeiros, bravos guardiões...” somos quem, cara pálida? Hoje em dia nem consigo distinguir um extintor de gás carbônico de outro de pó químico seco.

Se você quiser saber um pouco mais de mim, posso até dizer que tenho 58 anos, só que o tempo não me pertence.

Sou aquele tipo de farsa que se diz professor, o fato é que não tenho formação para tanto, e as certezas tão necessárias a essa nobre arte vivem escapando de minhas mãos.

Termino a remada e agradeço ao casal que me ensinou tanto em tão pouco tempo, essa coisa fugidia que tentamos agarrar pelas sobrancelhas, justo por ser careca. Devolvo o colete e o remo, e penso tiraram o remo de mim, porém continuo sendo Remo. Logo percebo que a professora também tem veia poética e sorrindo me diz: “de agora em diante você é um Remo que rema e rima”.

Engraçado, na maioria de meus textos não tenho a mínima intenção estética de fazer as palavras combinarem somente pela coincidência de suas últimas sílabas. Quando elas combinam deve ser algo que no mínimo venha a quicar no coração. Também não é por isso que vou sair dizendo por aí que sou remador. Até porque a graça da história toda é estar na busca ao invés de dizer que sei quem sou.

terça-feira, 26 de julho de 2022

Quem manda na minha boca

 Sou o tipo de idiota que usa os próprios textos obscuros como referência, mas se você tem alguma alternativa a: “Guardo comigo as palavras que digo, mas não silencio quando calo” para resumir tudo que você vai lidar até terminar de ler esse texto, diga lá que serei todo ouvidos, porém eu mesmo não consigo pensar em algo melhor. O contraponto vem de “cala a boca Barbara” que repetido diversas vezes remete a Calabar, ou seja, um traidor.

Sempre tive a necessidade de falar, mesmo quando a fala se revelou autodestrutiva o que se resume em outra autorreferência na qual coloco que sinceridade e raciocínio rápido sempre foram minha ruína.

A resposta mais uma vez vem do yoga, hoje mesmo minha mestre, a professora Renata, nos disse: “feche as pálpebras, mas abra os olhos”, ela tem me ensinado muito, pois assim são as professoras. No caso dela tudo obviamente transcende, e por isso mesmo se trata de um ensino transcendental.

Silenciar é totalmente diferente de ser calado, ou de se permitir calar. É chegada a hora de citar outro mestre, o Clóvis de Barros Filho que nos ensina que liberdade não é fazer o que se quer, e sim superar as próprias vontades que nos tornariam meros animais, ou algo assim. Seja como for tenho quase convicção de que ele não ficaria chateado comigo por ter um modo próprio de citá-lo, até porque grandes mestres não se aborrecem que venhamos a ter interpretações próprias de suas falas. Além do mais ele nem sabe que (penso logo) existo.

Então não me calo. Mas silencio quando percebo que o que tenho a dizer em nada vai lhe ajudar a me compreender ou mudar sua visão dogmática de mundo.

terça-feira, 19 de julho de 2022

Metas e formas

 Não sei o quanto disso é verdade, então não classifique o que vou dizer ainda nesse parágrafo como fake News ou pseudociência, mas é dito que TODAS nossas células mudam a cada oito anos.

Como o que digo é apenas uma metáfora solta, não sei se devo concordar com Simon e Garfunkel ou com o Raul Seixas. E fico dividido entre ser uma metamorfose ambulante ou compreender que após mudanças e mudanças somos mais ou menos o mesmo.

Estava mergulhado neste paradoxo quando a resposta improvável veio em forma de pergunta extraída da sabedoria do yoga: uma árvore ainda é uma árvore quando se despede da folha?

Sei que fico assim mesmo em cada véspera de seus aniversários. Já havia anunciado que filhos são folhas e flores e todas outras coisas que o vento leva para longe. Por outro lado, há a memória.

A memória nos une.

Tem o bebê prematuro que nos assustou um bocado.

Tem o molequinho que mal sabia andar, mesmo assim corria na praça de Friburgo dizendo sua primeira palavra que não foi nem papai, nem mamãe, mas pombo!

Tem o carinha que disse que estava tão quente que ia virar um picolé e o boi ia lamber.

Tem o moleque que caiu da bicicleta e aprendeu que deveria voltar a pedalar assim que a ferida fosse lavada.

Tem o cara que me levou para São Januário para contar suas vitórias como concurseiro.

Tem o rapaz que largou tudo e esteve ao meu lado na nossa maior crise.

Tem o homem que se casou com uma linda mulher e se mudou para Europa.

Tem as ligações de telefone intermináveis.

Memória, essa é a resposta. É o que nos faz sermos nós mesmos diante de tantas mudanças. É o que nos oferece régua e compasso para planejar o futuro.

O presente? É ter você em minha vida.

sábado, 16 de julho de 2022

Para quem são Luiz (e para quem não é também)

Um era de direita e sabia o valor do trabalho, um dia disse: “por favor uma esmola para um homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

O outro era de esquerda e sabia o valor do trabalho, um dia disse: “um homem se humilha se castram seu sonho, seu sonho é sua vida e a vida é o trabalho e sem o seu trabalho um homem não tem honra...”

O, O, O, E, E, A. O moleque pôs as pernas no mundo, que era o seu lugar, já naquele tempo estava bem difícil a convivência entre aqueles que pensavam diferente.

E a dor da separação parecia inconciliável, como está acontecendo tanto por aí.

Mesmo assim de um jeito improvável a música os uniu novamente pela vontade de andar por esse país, só pra ver se um dia pudesse ser um dia feliz.

Já naquele tempo, bastava ter um pouquinho de visão para saber que não haveria trabalho para todos. E não adiantava muito fazer um curso de datilografia, pois logo os datilógrafos seriam descartados.

O que diriam hoje? Há gol, há algo, há ritmo, há algoritmo. E cada vez menos trabalho.

O que fazer nesse novo baralho onde quem não é rei logo será descartado?

Talvez, tão sagrado como tudo seja a vida e o reencontro.

A história é essa, não sei como poderia ser contada hoje, mas seja como for respeite Januário.

quinta-feira, 14 de julho de 2022

Fim de um povo idólatra e pagão

Eu passo mal quando leio certas coisas, sou como a personagem de Jerry Lewis que não conseguia estudar medicina pois sentia todas as dores relatadas por seus pacientes. Lembro ter tido dificuldades para ler o manual de mergulho por imaginar cada um dos acidentes acontecendo comigo ou mesmo sentir um tremendo alívio ao fazer as contas de uma questão de cinemática onde um pato escapou de ser atropelado por um avião por muito pouco. Por isso mesmo até hoje não passei da página dez do Príncipe de Maquiavel.

Mesmo assim tenho me imposto um exercício de autotortura e de cinco em cinco páginas venho arrastando a leitura de Escravidão do Laurentino Gomes.

Quando a leitura é metafórica tudo parece mais palatável, a literatura nos faz passear pelo suicídio de jovens em Romeu e Julieta, conta a chacina de uma trupe em o Nome do Vento, conta como uma maçã apodrecida ficou grudada nas costas de um homem que se transformou em uma barata no texto genial de Kafka. O mesmo processo ocorre no humor que nos faz tornar as perdas até aceitáveis. Nem as cantigas de roda escapam da violência: dona Chica é testemunha ocular do atentado sofrido por um felino.

Laurentino não nos dá essa trégua. Cada uma das histórias degradantes e inimagináveis aconteceu sob a égide das instituições de estado e religião, com as bençãos do tal do mercado, este ente impessoal que dá a chance de dizer: o que está acontecendo não é comigo apenas comprei umas ações.

É nesse momento que volto as minhas aulas de história que tentavam tornar a chaga da escravidão como um mal necessário, permeadas de justificativas inverossímeis.

Volto a metamorfose já citada, o primeiro passo para nossas justificativas passa pela coisificação ou desumanização do diferente: o seu oponente não é gente, ou necessita de sua generosa atuação civilizatória, onde você aprisiona um deus único capaz de lhe levar aos pícaros do paraíso e jogar o outro nas profundezas.

Nesse momento lembro das palavras finais de um livro “didático” copiado ipsis litteris por um colega do ginásio, pois é assim que se fazia para tirar um dez. Nele a queda de uma civilização pré-colombiana não ocorreu devido a canhões nem pela gripe trazida pelos europeus, mas pela falta de deus no coração daquele povo inculto.

Não se enganem, é nessa caravela que estamos navegando agora mesmo.