terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Fibra de herói

Aninha acorda com estranheza e me pergunta por que eu estava chorando. Mostro a foto e respondo entre um soluço e outro “Fique tranquila, querida, é pura emoção transbordando.

Se trata apenas da história de mais um herói de mil faces. Afinal de contas quem não o é? Me socorro do Campbel na esperança de não explicar demais uma metáfora e acabar com sua capacidade respiratória, pois apesar de serem ossos, metáforas são pulmões em sua capacidade de expandir o cérebro e apaziguar o coração. Então direi apenas que cada um deve ser o protagonista de seu próprio filme, tenor ou soprano de sua própria ópera, dançarino em cada ato e dono do próprio nariz.

Voltando ao tema do que é sobre como ser um herói pergunto redundante, pleonástica e repetidamente: quem não o é?

Então lembro da pior crise que em que trabalhei. Mil óbitos! A Serra do Rio de Janeiro um sorvete derretido naquele fatídico verão. Não esqueço da dor de um pai que implorava por equipes de trabalho para achar o corpo de seu menino ecoando no lamento de tantos ais.

Depois do tanto que já vi faço o possível para não acompanhar o que está acontecendo lá na Turquia onde não ficou pedra sobre pedra. Apenas ouço ecos de uma tragédia monumentalmente maior.

São nessas horas que vemos as atitudes humanas extremas, dos atos mais vis até a mais profunda nobreza.

Eis a foto de um herói, exausto, voltando para casa; pois infelizmente sua especialidade de achar gente viva não era mais útil. Sei que parece uma atitude pequena, mas a companhia aérea fez questão de que aquele ser de luz tivesse o melhor tratamento possível depois de tão intensa jornada, pouco importando em qual classe ele deveria viajar. Pois “não é assim que tratamos nossos heróis”.

Seus olhos negros cansados e enternecidos pareciam humildemente agradecer sua volta de primeira classe. Em condições normais esse cara seria preso e colocado no compartimento de carga. Chamo a Chiquita, que interrompe seus latidos no quintal e mostro seu irmão para ela: o herói da história também é um labralatas.  

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

A culpa é do Jimmy

Toda vez que alguém fala sobre isenção eu passo a prestar bastante atenção em qual é a ideologia que essa pessoa professa. Isenção é uma boa desculpa para mascarar fatos inescapáveis. Resumindo: jornalismo isento, juiz imparcial e a mão invisível do mercado são as versões adultas para o Papai Noel e Coelhinho da Páscoa.

Sei que no frigir dos ovos (mexidos é claro) tudo pode cair no fosso da hipocrisia embalado pelos interesses econômicos (quer saber mais sobre política? Não deixe de ler o caderno de economia!). O que foi terrivelmente embalado por uma charge que mostra dois aviões bombardeando uma cidade pobre, porém o que era enviado pelo Governo (Yankee) Republicano tinha uma pintura sóbria, enquanto o Democrata trazia, na fuselagem o símbolo hippie de paz e amor. Mesmo assim a imagem presidencial projetada traria profundas mudanças no quintal deles lá pelo fim dos anos 70.

Um pouco antes disso meu pai dizia que daria cinco anos da vida dele para ver aquele governador (até então quase inexpressivo) a virar presidente. Achei que deveria ser um cara bacana, pois meu velho só largava do jornal quando cada letra havia passado através de seus olhos azuis. Após isso ele bradava: sou ASTRÓLOGO SEI DAS COISAS. Devia mesmo ser assim pois cada uma das previsões se confirmaram.

Não sou isento, pois cada um desses fatos marcaram as nossas vidas. Jimmy correu chão e mudou mundo, o que redundou com a liberdade de meu irmão em 79, a partida de meu pai cinco anos antes de 89 e a impossibilidade de eu terminar o curso de Física na UFF em 84, posto que a grana de minha mãe desapareceu junto com o velho Paulo.

Sabe aquela história de que se uma borboleta bate as asas em Pequim chove em Londres? Pois é, a culpa de eu não ter me formado em física foi do Jimmy. Mesmo assim não tem como não admirar um cara que sabia das coisas, o rapaz que resistiu, pelas suas convicções, a nove anos de cadeia e o democrata que remodelou o mundo com uma mensagem de paz.    

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Hermes e Afrodite

Num 8 de março fui convidado para fazer uma palestra para homenagear as mulheres de minha cidade (tudo bem que não nasci lá – mas tenho um título para provar isso – coisa que meu time deixou de me oferecer por um bom tempo). Tive a ideia de repetir o mesmo texto na faculdade próxima e lá fui (quase que) literalmente atacado por fundamentalistas religiosos.

Já usei esse espaço aqui para falar sobre o risco desse tal fundamentalismo, mas me permitam voltar ao assunto. Se você acha que só fundamentalista quem está enrolado em bombas falando uma língua estanha, por favor compreenda o que digo. É fundamentalista quem: 1 - não compreende que os ensinamentos espirituais são metafóricos, tomando as palavras ao pé da letra; e 2 – não admite que outra pessoa divirja de suas óticas espirituais estabelecendo que só seu caminho é válido.

Outro ponto ao se falar sobre mulheres é o tal do lugar de fala. Quanto a isso deixe me estabelecer duas linhas de defesa: 1 – falo sobre as mulheres como profundo admirador; e 2 – sou um convicto portador de uma ânima.

Ou seja, já passei daquela fase em que dizia que meu lado feminino é zagueiro do Madureira. Até porque o lugar de uma mulher é onde quer que ela queira estar, incluindo a zaga do Madureira.

Tudo isso reaparece em uma terça de carnaval, dia em que estaria pronto a ser agarrado pelos amigos que passam no bloco das piranhas, o que também já virou tradição. Como estou longe, decidi mandar um vídeo mega hilário para um deles, no qual um cara se fantasiou de terno, porém ao virar de costas exibe nada mais que um fio dental atochado em um monte de pelos do bumbum.

Recebo a resposta com um áudio perguntado se eu tinha passado por lá, explico que estou milhas e milhas distante. Outro áudio replica que ele havia sonhado que eu o chamava no portão, coincidência apenas, justo quando minha mensagem chegou.

Coincidência não! Conexão, sincronicidade.

É o encontro de amigos: do velho e do novo, do self com o ego e a possibilidade do reencontro das afinidades e do abrandamento das oposições.

Enfim, espero que você pule muito no carnaval, tenha as catarses que quiser, mas beba água entre uma cerveja e outra e ainda que faça seus encontros entre Hermes e Afrodite. Se possível leve a metáfora para o resto do ano.

sábado, 11 de fevereiro de 2023

Terezinho de Jesus

Parece com a dentição.
Todo homem tem duas chances de se educar.
Uma com a mãe.
Outra com a esposa. 
Se essa vier a ser a missão da filha ... Bem, aí já deu tudo errado 

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Zodíaco

  

“E eu que não creio peço a Deus por minha gente

É gente humilde que vontade de chorar”

É uma daquelas contradições que demanda muita explicação, o fato é quase não opino sobre o assunto, mas se me perguntam sempre digo que sou cético, penso que é difícil alguém de exatas acreditar em horóscopos. Mesmo assim lá estava ele na prateleira implorando: “me compra”. Tal qual um filhotinho de cachorro.

Foi tocar na capa azul e ver as letras em relevo, que o menino que mora em mim quase deu um pulo para fora de meu corpo. E logo lembrei que sempre sonhei que um dia chegaria em que em não teria que regatear para comprar um livro. Se tenho vaidade e ambições ambas são intelectuais.

Resumindo. Lá vim da livraria com um exemplar de Jung e a Astrologia. Estava doido para completar a trilogia que desejava há muito, depois de ler “O homem e seus símbolos” e “Jung e o Tarô” esta seria a sequência lógica.

Hoje leio devagar, meio por preguiça, meio pelo temor da hora da despedida de meu amigo de papel. Começo por Áries, e logo pergunto a Aninha se conhece alguém dessa linhagem. Contenho a ansiedade que me levaria direto ao sétimo signo, mais uma contradição de alguém tão desequilibrado e ansioso.

Interlúdio.

A vida cotidiana me chama, e lá vamos nós para o Pilates. A Val nos recebe com o bom humor de sempre: “preparem-se crianças, hoje tem circuito”. A resposta da vida me atinge como um raio. Fica óbvio que não sou, não passo, não tenho um signo. Da mesma forma que as cartas de Tarô não me pertencem.

Preciso caminhar por todos.

Minha condição humana é individual, portanto, indivisível.

Doze signos, vinte e duas cartas, sete dias da semana e inumeráveis estrelas não são suficientes para dizer quem somos, mesmo assim nada nos impede de pisar nos astros distraídos.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Velhos baianos e novos amigos

Posições políticas têm me afastado de pessoas que conheço a mais de 50 anos, e tem me trazido novos amigos, para simplificar esta fala vou dizer apenas que não me importo nem um pouco com o que você fez na urna passada. Resumindo, para mim tudo bem se você votou no Satanás encarnado, pois o tal do voto secreto é um bem fundamental da democracia. Afinal, isto evita que eu tenha que votar em quem manda no pedaço, seja um coronel do sertão ou o miliciano de plantão, entretanto, se você faz campanha pelo nazifascismo ou qualquer outra coisa parecida me reservo ao direito de me afastar, pouco importando o que você significaria em minha história.

Dentre esses novos amigos quero contar a conversa que eu tive hoje com um cara genial que toca a vida dando aulas química (Deus me livre) pelo mundo a fora.

Hoje refletimos sobre o desprazer comum que temos ao ouvir o tal do funk carioca, o calote na formatura dos alunos TOP, como ajudar a quem quer estudar e a crise humanitária que afeta nossos representantes originários (como você vê não falta assunto!).

O lance é que é foda dar aulas para sobreviver, desde que um tal Sócrates esculachou os tais dos sofistas que recebiam por dar aula é complicado você ter que explicar que não nasceu em berço de ouro e precisa disso para sobreviver. Além do mais, que antes de ter ideais altaneiros você tem que pagar boletos. Pois é, esse amigo decidiu doar parte do seu trabalho para, pelo menos,  um aluno bolsista como quem colhe uma flor no jardim e percebeu que na verdade estava dando água no deserto.

No décimo de segundo seguinte decidimos debater sobre o alto investimento de ONGs com perfil religioso nas fronteiras do país, e como ele saca muita química pude entender o porquê de o tal do mercúrio ter restrições no transporte aéreo.

A conversa desviou para o calote que os alunos de medicina tomaram, no mesmo tipo de festa onde toca funk.

Ou seja, vou precisar de alguns dias para por minha cabeça doida e doída em ordem, para ultrapassar as conclusões óbvias de que meninos usam azul, meninas usam rosa e indígenas miseráveis usam a própria pele sobre seus ossos secos, que não adianta disponibilizar a obra de Mozart nas favelas do Rio se a realidade que produziu o funk não mudar. Mas principalmente que é difícil pra cacete ele ensinar química e eu física enquanto não houver laboratórios disponíveis nas escolas públicas.

Como diria Mick Jagger “I can get no satisfaction, BUT I TRY”.