quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Meu time

 

Quando eu estava para vir para este mundo não pedi a Deus a habilidade necessária para fazer parte do melhor time do meu bairro.

Mas Ele me deu de sobra:

Esforço.

Coragem para me jogar no chão quantas vezes fosse necessário.

Joelhos e cotovelos tão ralados que nem dava mais para saber até onde vinha uma cicatriz e onde começava outra.

1.86m de osso, pele e cabelo sem fim.

A melhor defesa que poderia ter, capitaneada por um paraquedista

Um moleque franzino para me ensinar como treinar, isto até que o cansaço fizesse minhas pernas tremerem.

Laterais rápidos como um raio

Um Rei no meio para organizar a bagunça.

E um ataque que trazia temor a qualquer adversário.

Dito assim parece literatura.

Mas vivi para ver esse time que todo sábado de manhã cansava de fazer um golaço após o outro.

E eu tinha o meu cantinho predileto.

Debaixo de um travessão e pisando em um lugar onde nem a grama nasce.

Meu time.

Meu orgulho.

PALMEIRINHAS

sábado, 28 de novembro de 2020

HATERS

O primeiro contato emocional que tive com a palavra hate (odiar em inglês) ocorreu quando eu lecionava em um curso. Havia uma aluna com comportamento disruptivo que insistia em falar em português o tempo todo. Para tornar curta uma história longa... ela saiu da sala gritando comigo: “I hate you! I hate you! I hate you!”. Como não constumava levar para casa respondi: “Well, you really know how to speak in English when you want to”.

Hoje, esta palavra é usada para descrever pessoas que buscam a fama com a seguinte técnica:

- Escolha alguém relevante;

- Fale algo absurdo e degradante;

- Bata boca o máximo que puder; e

- Parabéns você acabou de lacrar ou mitar (aqui a escolha da palavra vai depender em qual ponta ideológica você se encontra).

Em resumo, acabou aquela história de que pode haver luz depois de um debate. Isto já se foi há muito. A ideia é ter a palavra final de preferência destruindo a reputação do inimigo. Coisa de adolescente.

Como me meti a dar aulas pela internet já recebi algumas fatias desse bolo. No começo, os dislikes me incomodavam, agora entendo que eles fazem parte do show, pois cem por cento de aprovação somente é obtido  por aqueles cujo público se restringe a robôs.

Como o primeiro hater a gente não esquece ficou gravado o “estudar é para otário”. Só que depois de alguma reflexão cheguei à conclusão de que meu interlocutor está certo. Quem estuda acaba aceitando a responsabilidade de seus resultados e vai acabar sendo mais um pagador de contas e impostos. Não é uma vida para quem é malandro.

Adoraria ter uma proposta razoável que não dependesse tanto de uma ficção de minha cabeça doida e doída. Os clássicos propunham o meio termo, entretanto o caminho do centro deixou de ser razoável. Por aqui o centro virou centrão que é um espaço onde tudo de pior acontece.

Assisto mais um capítulo de Star Trek, e ainda acredito no futuro. Estou cansado de pessoas que propõe uma solução messiânica de um passado glorioso. Chega de esperar por Dom Sebastião. O futuro começa agora com as pessoas que realizam e não com as que odeiam.

Ou seja, a resposta não está no passado, nos extremos ou no meio termo. A única chance que temos é construir o futuro, e quando isto acontece? Assim que eu terminar de escrever e você de ler. Não me odeie por isso.

domingo, 22 de novembro de 2020

Sete deusas

 


“Quisera ter a voz

Para te dizer o que digo”

 

Venha aqui musa que me inspira, para dizer aquilo que não sei falar sozinho, e conte aos quatro cantos o encanto que me encontro.

Use meus braços, lábios e a minha voz para contar uma história feita de música, chão, lágrimas e calor; como quem fala dos quatro elementos.

Conte através de minha história no pulsar de minhas veias como sete deusas encarnaram em uma só mulher.

- Primeiro veio Artêmis com seu jeito de menina. Toquei as suas tranças e nessa dança ouvi o poeta cantar como se fosse todo azul espalhado em seu olhar.

- Hera não era mais que você quando a luz dos olhos meus precisa se casar.

- Depois veio Afrodite pôs fogo em nossa cama e o olhar de quem ama não reflete o drama.

- Athena guerreira e sábia atravessou pelas escolas, mas quem mais aprendeu foi meu coração de estudante e, mesmo que por um só instante entrou em compasso com o seu.

- Demeter também veio embalar nosso filho tão pequenino e a nossa menina: ágil bailarina, até vê-los crescer. Quantas vezes cheguei em casa ouvindo Gonzaguinha a sussurrar: “durma com a criança no seu colo”.

- Perséfone lhe tocou em uma noite de setembro, esse dia eu lembro do rosto feito de cera e beleza. A transmutação acontece e psiquê é quem volta, talvez pela volta que meus joelhos faziam ao pedir para Santa Maria somente com o olhar.

- Héstia se recolhe em sua casa e suas mãos unidas, cura as últimas feridas com uma força que nos alerta.

Sete deusas, sete músicas quatro elementos não são o suficiente para dizer tudo. Então que a quintessência lhe diga o simples, o óbvio, o clichê. Como deve ser qualquer história de amor que se preza.  Então saiba “que te amo, te amo, eternamente te amo”.

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Gladiadores

 

 

Gladiadores são daquelas figuras bem diferentes na vida real e nos filmes. Não há qualquer novidade aqui: eles estão acompanhados por soldados, policiais, ninjas e bombeiros. Como não sei como é ser qualquer um dos outros, fico com os últimos (que no livro sagrado e em meu coração são os primeiros).

Sei que vocês esperam por histórias contando os feitos heroicos, mas 99,9% do tempo é de treinamento.

Ou seja, você treina, treina, treina para estar pronto para uma situação qualquer que pode nunca acontecer. E a sociedade agradece se nenhum avião cair, se nenhum ônibus capotar, se nenhuma casa desabar; enfim, se nada der errado. porém aviões caem, ônibus capotam e casas desabam.

Mas, não é sobre isso que quero falar.

Alunos ao redor do mundo todo também são os gladiadores modernos.

Ninguém vai se importar se você não sobreviver ao EAD, de vez em quando o leão ganha o jogo. O importante é exaltar um processo mais barato e funcional e pronto!

Se alguns gladiadores caírem no caminho... Bem, basta apontar o polegar para baixo que o problema some dos nossos olhos!

O importante é sobreviver, mesmo que o Coliseu tenha uma infinidade de armadilhas.

Hoje, a maior delas é a cultura do control C – Control V.

Vou passar ao longo da velha discussão sobre o que realmente é importante saber. Isto, a despeito da sensação inevitável: as pessoas que fazem questão de desprezar as leis de Newton são as mesmas que insistem que a Terra é plana.

Já cansei de falar sobre cola, sobre compra de gabaritos, ou pagar para outras pessoas fazer o seu TCC. Quero falar sobre uma sociedade cheia de pressão por resultados, ela quer, espera, troce, clama e exige: você vai ter um canudo para sobreviver. E mais uma vez o resultado é mais valorizado do que o processo.

Seja como for, o mundo também vai exigir o saber de coisas das quais você não tem a mínima ideia. Sua defesa será  um pouco de marketing e o velho jeitinho, então tudo dá certo.

Por outro lado, avaliar nunca foi a melhor atividade no processo de ensino-aprendizagem. Agora ficou impossível.

Me façam a gentileza de rever todo este problema diante de da perspectiva de quem ensina: vocês estão sendo avaliados por profissionais não menos pressionados, eles têm cada uma de suas aulas gravadas para futura conferência e possível apontar de dedos, cada um desses profissionais tiveram que comprar uma série de bugigangas sem terem como pagar.

Eles também são gladiadores.

Então quem de sã consciência pode culpar quem copia e cola uma prova prontinha para ter a chance de cumprir um prazo impossível, não importando em qual lado que esta pessoa esteja de um quadro negro virtual?

E o que tem isso haver com ser bombeiro, que eu disse no comecinho de meu texto?

Ser bombeiro é não ter o direito de colar: tudo que aprendemos deve estar como dizemos “na massa do sangue”, quando a crise acontece só há duas opções: ou você sabe o que fazer ou alguém morre.

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

A volta da idade média

 

Recebi um contato de um grande amigo de meu filho que disse estar vindo de Minas para nos visitar. Depois do bate papo protocolar, aproveitei para falar com ele sobre a tristeza com a qual observo os profundos movimentos que teimam em nos devolver a idade média. Então ele me respondeu que já não diz mais que a Terra é geoide, em consonância com sua formação em geologia. Depois de uma meia dúzia de sorrisos ele constatou, desanimado, que se seu interlocutor afirma que a Terra é esférica ele já se dá por satisfeito.

Me despedi dele e pensei onde tudo isso começou?

E foi assim:

“Tem mesmo que fazer essa conta sem calculadora?” Ou “Física é chato”. Tem também: “Logaritmos servem para quê?”. Põe na lista também:” para que que vou estudar isso se não vou virar cientista?”

E continua assim: “Basta ter espírito crítico”.

E redunda em: “Essa é minha opinião e pronto”.

Então está armado o cenário.

E lá vou eu tentando explicar que a Terra não é plana, o que seria inconsciente com...

- Fuso horário.

- As estações do ano serem diferentes nos hemisférios.

- A existência de satélites estacionários.

- A força de Coriolis ter diferentes sentidos em cada um dos hemisférios.

- A ocorrência de eclipses.

- E tantas outras coisas que me cansam só de pensar.

Só que nada disso é relevante.

Bom mesmo é desprezar as ciências e todos aqueles que as propagam.

Tomei a única decisão possível para manter a minha sanidade. Não discuto com a raiz quadrada de dois ou com qualquer outra coisa ou pessoa que seja irracional.

Remo Noronha.

Bombeiro por profissão, professor por paixão.

sábado, 3 de outubro de 2020

Solidário ao solitário

 

Vão ter que reescrever aquilo que sabíamos dos planetas, depois de toda a confusão de Plutão descobriram um deles andando solto por aí.

Um planeta que não vive nas barras da saia de uma estrela.

Deve ser bacana e o passaporte desse cara deve ter mais carimbo do que cartório de cidade grande. Só que não! Qual é a nacionalidade dele?

Porém, o choque mesmo veio quando me disseram que é um planeta órfão.

Então, toda minha solidariedade a este incrível viajante. Sei que ele tem alguns milhões de anos, mesmo assim deve ser difícil não ter a mãe por perto. A minha partiu há uma eternidade, mas ainda sinto uma tremenda falta dela.

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Pessoas difíceis


Ela chega meio assim: “Sou sanguínea”. “Sou Complicada”. Ou... “Sou difícil mesmo”.

A expectativa criada é que o mundo se mova, preferencialmente modificando sua trajetória elíptica, para que não haja qualquer colisão.

Pode ser na fila do caixa. Há sempre alguém com uma pressa incomum e com necessidades mais especiais do que quem realmente as têm.

Pode ser no trânsito... e tome fechada.

Pode ser no trabalho. O que vai um pouco além do óbvio “dê poder para conhecer”, na verdade basta entrar em alguma bola dividida. Bolas divididas são reveladoras.

Não sei se ser de uma cidade imperial aguçou minha percepção. Estes tipos de figuras acham que têm um rei na barriga. Agem como quem pisa nos astros distraídas, mas não têm o charme que imaginam. São insuportáveis mesmo.

Já tive que lidar com muita gente assim. Hoje, não mais.

Há quem me pergunte se o melhor da aposentadoria é não ter que trabalhar. O que está longe de ser verdade, principalmente no meu caso, pois os dois trabalhos que tive na vida foram muito mais fonte de realização do que de frustação.

O melhor mesmo é não ter que lidar com malas.

Meus cabelos brancos fazem questão de se cercar de pessoas que me amam, que me enchem de felicidade, que me ensinam, que me estimulam. Um luxo, que não se encontra facilmente no mercado de trabalho.

Então, se você quer ser alguém difícil para mim saiba que não vou fazer questão de bater de frente. Entretanto, vou dar uns passos firmes, pois vetores têm direção, sentido e intensidade definidos. E eles vão me levar onde nenhum homem jamais esteve.

Afinal há algumas pessoas que quero bem... Bem longe.

terça-feira, 15 de setembro de 2020

paisagem

Vejo o céu desbotar em diversos azuis. 
A linha do horizonte, curva de raio imenso separa outros tons de verde do azul que mergulha com o cheiro das gaivotas.
Ouço o vento soprando o alvo de seu cabelo.
Saboreio a luz do dia.
Toco a alma do infinito.
Nada me pertence 
Mar, céu, vento, gaivota...
Sequer a menina.
Mesmo assim o mundo é meu.
Ou pelo menos, neste pedacinho de instante se projeta em minha retina.

quinta-feira, 30 de julho de 2020

sábado, 25 de julho de 2020


LIGAÇÕES
Spoiler Alert (não chega a estragar
 a trama, mas falo da terceira temporada de DARK)
Tenho uma qualidade em comum com algum dos meus amigos: só consigo ser engraçado quando não tento ser. Porém, se conto uma piada o fracasso é quase certo. Acabam fazendo o tipo ‘vou rir para não perder o amigo” ou “vou rir de raiva ou de pena”. Mesmo assim vamos lá:
-         Você sabe o que o Carbono disse ao delegado Benzeno?
-        
-         …..
-         ……
-         Eu tenho direito a quatro ligações!
Cai o pano (bem rápido, já começaram a jogar tomates!)
Esta aí me voltou a cabeça ao ver DARK. A série redefiniu a expressão filha da mãe, pois uma das personagens é filha da filha em toda aquela confusão de viagens ao passado e “paradoxos de fluxos temporais” (acho que é a primeira vez na vida que uso esta expressão em um contexto adequado – quando eu era moleque falava isto ai para acabar com qualquer discussão.)
A cena da mãe-filha-mãe... entendendo a profundidade da ligação delas é no mínimo pungente. Não consigo imaginar nenhuma ligação humana ser mais profunda que o binômio mãe-filha, imagina quando esta relação se amplia.
Assim como o carbono temos direito a várias ligações, inclusive com a mesma pessoa. De fato, as relações começam a enriquecer quando você é amigo de seu pai, professor de seu filho, sócio de seu primo, amigo do padeiro ou confidente do motorista de taxi.
É por isso que a maior dificuldade que o luto traz é entender a perda de alguém que significa tantas coisas para você.
Assim como personagens de um bom livro, as pessoas ao seu redor, passam a ser interessantes quando as relações começam a ganhar complexidades que ultrapassam o óbvio, o maniqueísmo e o estereótipo.
Se você acha que tais relações só aparecem na ficção observe bem em sua própria família como os mais velhos vão paulatinamente mudando de lugar no palco da vida. E quando a sua mãe se transformar em sua filha não esqueça de contar uma boa história para dormir.


quinta-feira, 11 de junho de 2020


Nike foi retratada em um dos livros de Percy Jackson como um ser inquieto. Antes de ser conhecida como uma marca desportiva ela era aquela deusa alada nas mãos de Athenas. Se eu disser o nome romano dela tudo passa a fazer sentido: Vitória.
Neste momento que estamos tendo que lidar com tantas perdas é necessário entender como levantar a cabeça, mesmo quando não chegamos no topo do podium.
Por tremenda coincidência ou por profunda sensibilidade de um DJ ouvi duas belas canções consecutivamente: “Marvin” e “Alone again”. Ambas têm uma batida desconexa com o texto. São histórias profundamente tristes com um compasso desconcertantemente dançante.
Um estranho pensamento me veio naquele momento. O que mais lembro do Pelé são justamente três gols perdidos. A visão de chutar do meio do campo. A defesa do goleiro inglês, prevendo o futuro e pulando para o lado certo, um gato esticado. Ou (muito) melhor ainda foi ver o goleiro uruguaio ficar totalmente perdido naquilo que não foi (nem de longe) um lance de futebol, mas um passo de balé.
Você pode ter todas críticas do mundo ao Edson que ele era antes do nascimento de Pelé, como pode ter a qualquer outro ser humano. Já falar mal do craque naqueles lances é complicado. Nós podemos até saber perder gols, mas não com toda aquela arte.
A competição exacerbada pela deusa alada e suas promessas de louros e medalhas no final não podem deixar que venhamos a perder aquilo que nos faz humanos.
Incontáveis vezes perdemos. Você pode preferir ser exonerado a aceitar uma sacanagem qualquer. Um piloto pode perder um campeonato mundial por ter um adversário batendo nele propositalmente. Cassandra perdeu a sanidade tentando avisar que a cidade estava perdida. Marvin pode estar sozinho novamente, sem os carinhos dos pais e sem colheita para se sustentar. Podemos perder um emprego. Um amor. Até mesmo pai e mãe.
Acredito que há momentos nos quais devemos deixar a Nike de lado e compreender o quanto (e como) perder nos define. Se você não acredita, veja novamente aqueles três gols perdidos volte a conversar comigo.
Mesmo assim não perca a esperança.

terça-feira, 9 de junho de 2020


A MENINA E O TREM
Para Adriana Noronha
Uma menina que ainda acredita
Em luas e trens

Assim como o Pinduca da música a menina esperava, ansiosa, pelo trem.
Ela não corria para a estação para acenar como todas outras crianças do bairro. A mágica acontecia bem ali. O trem dos adultos passava do outro lado da rua. O dela passava na parede branquinha da sala.
O trem só passava no fim da tarde, mas era um trem fantasma, que desaparecia se alguém acendesse a luz. Como se ele mesmo fosse assim todo de luz.
Na imaginação dela ele vinha da estação de Santa Luz. Cheio de moças com laço de fita e rapazes engomados do cabelo ao sapato.
O trem maluco, chegava na sua sala sem pedir licença e passava sempre de cabeça para baixo.
Um dia ela brigou com outras duas meninas bem maiores que não acreditaram no que contava:
“Um trem feito de luz passa na parede da minha casa, ele vem de cabeça para baixo. A luz que faz ele vem de um buraquinho na outra parede”
“Mentirosa”, foi a resposta suficiente para puxões de cabelo e até um tapa! Não importava se ela ia voltar com a farda toda amarrotada. Ela podia levar poeira, lágrimas e até sangue para casa, mas desaforo...
Naquele dia o trem parecia dizer para ela com seu colorido crepuscular: Vou passando, vou passando, vou passando, piiiiuuuuiiiii.
O trem vai para a Lua. Chegando vai encontrar a menina sentada num cantinho. Protegida por São Jorge e fazendo amizade com o dragão. Nunca para a viagem. A estação é primavera, outono, inverno e verão.

domingo, 10 de maio de 2020


Acabei de escrever uma homenagem às mães de minha vida. E o que deveria ser leve e bem humorado, findou sendo um texto denso com duas referências a mitologia grega.
Juro não ter sido minha intenção. O escrito fugiu de minhas mãos. Não se trata de usar aqueles recursos pseudointelectuais para terminar discussões. Do tipo: “isto é só um paradoxo de fluxo temporal”. As deusas gregas invadiram minhas linhas, pois elas falam muito em o que é ser mãe.
A primeira referência é de fácil explicação: Afrodite e Psiquê simplesmente reencenam a eterna rivalidade entre sogra (não tem jeito, quem é mãe corre este risco) e nora.
Já o que ocorre entre Demeter e Perséfone leva a nossa conversa para outro nível. Espero que vocês me permitam tanto contar quanto interpretar, me apossando indevidamente das duas vertentes.
Lá vou eu.
Para saber quando o sagrado feminino deixou de ser cultuado é preciso entender o porquê das deusas terem sido substituídas violentamente por seus pares masculinos. A mitologia reflete o mundo, e do lado de cá os homens tomavam o poder, que era antes direcionado a elas, especialmente nas sociedades agrícolas. O que tem toda lógica, uma vez que só uma mulher pode florescer e frutificar.
Cada uma das deusas teve que lidar com um par mais poderoso e menos compassivo.
Neste contexto Demeter era a mãe terra. Só que ela deu o azar chamar a atenção de um dos três deuses mais poderosos, Posseidon (o pai de Percy Jackson, lembra?). Ao fugir ela se transformou em águia, gazela, leoa, pomba e ia conseguindo (o macete seria buscar algo que não se encontrasse no mar), porém, quando virou égua (já ouviu falar em cavalo marinho?) foi violada pelo deus dos mares.
Entretanto, nada a lamentar. A deusa que era mãe de todos passou ter uma filha só dela: Perséfone. Contudo, esta também chamou atenção de um deus, o do submundo. Hades a raptou. A refém, distraída, se sentou à sua mesa e de modo incauto aceitou uma romã.
Feito. O feitiço inquebrantável a prenderia eternamente.
A mãe procurou em cada canto. Quando finalmente soube da sina da menina, pediu a arbitragem de Zeus, que nada pode fazer diante de regras fixas.
- Sou a mãe terra. Devolvam minha filha. Ou nada vai florescer ou procriar.
Quando todos estavam famintos, os três grandes deuses chegaram a um acordo.
Perséfone ficaria parte do tempo sob e outro sobre a terra.
Ela é o grão de trigo.
A história acaba aqui.
Mas há algo ainda a dizer: os três maiores poderes nada podem contra a determinação de uma mãe.  


Mães, irmães e outras mães

Começo esta história do mesmo modo que já comecei outra: minha família teve tramas tão entrelaçadas que eu deveria convidar a Isabel Allende para contar os ocorridos. O ponto de partida do que digo se desenvolve quando decido falar de uma vez “o que vivi e tudo o que aconteceu comigo” para minha namorada.
Não queria que as dores e estranhezas pudessem ser, depois, motivo para o que quer que fosse. E foi assim, um verdadeiro choque anafilático. Eu sabia, entretanto, que minhas palavras nos libertariam. Pois é para isto que serve a verdade.
Um detalhe doce, todavia, posso dizer aqui: “querida, você vai ter três sogras!”. O que seria o suficiente para afastar qualquer garota com o mínimo de bom senso. Poderia até pedir emprestado da mitologia grega o relacionamento entre Afrodite e Psiquê, caso este texto tivesse qualquer pretensão mais séria.
O fato é que fui colecionando mães ao longo de minha vida. Hoje entendo que ser o mais novo de uma família tão numerosa elevou pelo menos duas de minhas irmãs sobreviventes à condição de “irmães”.
O rompimento entre filhos e mães sempre tem algo de belo e algo de drama, mas não passarei de uma anedota remetida a outro momento: aquele em que minha sobrinha pergunta a uma irmãe se eu seria o seu filho legítimo. O que não seria possível diante da pequena diferença de idades e só seria explicado devidamente em uma novela mexicana.
A outra irmãe foi morar nos States, em sua luta incansável pela dignidade.
Minha condição de vira-latas se reforça hoje por eu ter uma mãe no céu (ou duas se quiser contar Santa Maria), uma americana e outra mexicana. Também fui adotado pela Glória em sua poderosa ascendência indígena e pela dona Eny, minha mãe pretinha (como ela mesma se intitulava).
Mães são uma força da natureza. Voltando ao Olimpo, pergunte a dois deuses superpoderosos o que é se curvar ante a vontade de Demeter a procurar sua querida semente de trigo.
Uma vida é pouco para honrar estas mulheres fantásticas que povoam este texto e minha vida. Mesmo assim, farei o que estiver ao meu alcance para agradecer por todo amor que elas emanam.

quarta-feira, 29 de abril de 2020


Xyko

No ponto de ônibus, pista lateral da Avenida Brasil, eu via com uma pontinha de tristeza a chegada do ônibus da COESA direto para São Gonçalo. Talvez, percebendo minha decepção Chicão falava: “Deixa este passar, depois eu pego outro”.
Esta cena já era tão comum, que nem sequer causava o espanto esperado. O professor trabalhava em Guadalupe, anos luz distante sua casa. Mesmo assim ainda havia um conto, uma piada, um ensinamento ou apenas um abraço.
Não posso definir isto como dedicação, o que lembro hoje é uma história de amor da forma mais pura. O docente às vezes parecia um guru, como se cada uma de suas sílabas também fosse sussurrado algo como pax et bene.
Vários pares de olhos estavam profundamente fixados nele. Nessas caminhadas para a condução era comum ter a companhia do Carlos Alberto, Carlos Augusto, da Ceara ou quem mais quisesse aprender muito mais que geografia.
As aulas já seriam o suficiente para amar aquele careca grandalhão. Perdemos as contas das vezes nas quais havia tanto humor que o assunto parecia ser secundário. Mesmo assim, aprendemos muito. O cuidado era facilmente observado enquanto víamos mapas (per)feitos a mão. O seu olhar sempre estava atento a turma, pronto para ajudar a qualquer um que precisasse. As avaliações gentis sempre vinham acompanhadas de um elogio ou incentivo.
Um dia, por um motivo qualquer, só eu o levei para o ponto de ônibus, quando vi a placa com o nome da cidade decidi me despedir para não atrapalhar muito. Então ele me convidou para entrar no coletivo e ir conhecer a família dele.
Quando cheguei estendi a mão para a Glória e me apresentei.De um jeito que só ela tem me disse: “então você é que é o famoso Remo? Sabia que já te xinguei muito? Vem comigo para a cozinha e ajuda a descascar a cenoura”. Logo conheci Fernanda, André e Tatiana. Em segundos me transformei no irmão mais velho. Fui tão bem recebido, que senti pena de ir embora.
Dizem que o marido cuida do patrimônio e a esposa cuida do matrimônio, mas quando vi a dinâmica daquele casal incrível passei a entender que para um casamento ser bem sucedido um deve cuidar do outro.
Desde então se passaram quarenta anos. E só posso agradecer a Deus por ter tido alguém que apontou caminhos em momento tão crítico. Bons professores são importantes para a formação dos adolescentes. Grandes mestres são bússolas.
Sou um cara de sorte, fui adotado pelo maior professor que já tive. Um monstro sagrado. Um ícone. Meu querido. Meu velho. Meu amigo.

domingo, 26 de abril de 2020

GAIA



Recentemente me fizeram duas perguntas desconcertantes: se eu sonhava em ser bombeiro e o motivo de gostar tanto de física.
Tudo isto me remete a um dia quando eu tinha em torno de 12 anos e o Mano me chamou para ver um episódio de Star Trek. Space the final frontier, these are... Amor à primeira vista. Naquele dia eu soube queria ser Oficial da Frota Estelar.
Meus amigos queriam ser ricos, jogadores de futebol, famosos, cantores de pagode, namorar todo mundo. Já eu... treinava para fazer o sinal de prosperidade Vulcano com as duas mãos.
Algo me dizia que não teríamos dobra espacial a tempo de eu me alistar na Frota. Mesmo assim, o que custava fazer minha parte? Então, qual deveria a ser minha carreira? A lógica me indicava o curso de Física. A consequência disto foi a primeira leitura de um livro de matemática, sem ninguém para me orientar, durante as férias entre o sexto e o sétimo ano.
Óbvio que no começo foi difícil e cada página deveria ser lida pelo menos umas quatro vezes. Depois a substituição dos números por letras passou a ter sentido, então ficou fácil. Durante o todo o ano seguinte mal a professora acabava de escrever uma matéria no quadro eu já sabia onde ela queria chegar. Foi assim que comecei a construir a injusta fama de aprender sem ter que estudar.
Naquele mesmo ano meu pai passou uma temporada no Rio. Ele era uma versão moderna do Dr. Jekill e Mr. Hyde, um dia bebia até cair, no outro lia um jornal da capo ao fim. Em sua versão médico, me ensinava um bocado sobre ciências humanas. Assim ele também me incentivou a ler de tudo um pouco. Ele adorava ler sobre política nacional e internacional, chegando a me dizer que daria 5 anos de sua vida para ver Jimmy Carter presidente.
O tempo passou e eu estava fazendo o primeiro semestre na UFF, já estava conformado a viajar somente no espaço da minha mente. O ato de me preparar para lecionar física como meio de vida já se desenhava como uma grande paixão, justo quando chega a notícia: “O velho tomou uns tragos para comemorar sua passagem no vestibular e partiu”. Maldito Senhor Presidente dos Estados Unidos, eu odeio este gringo! Não me importa se ele representa uma mensagem de paz...
Forçado a desistir do curso, eu tinha que buscar uma alternativa que me sustentasse em pouco tempo.
Então saiba que não fui bombeiro por vocação, mas por necessidade. Mesmo assim foram trinta anos maravilhosos. E vamos combinar que era um passo muito mais realista embarcar em um Auto Busca e Salvamento do que esperar ser tele transportado para Enterprise.
Hoje leciono para vários rapazes e moças que querem ser cadetes. Em meu íntimo sei que que eles devem ter seus sonhos e lhes digo que o meu se realizou. Apesar de todos os percalços tive uma trajetória pela qual posso me orgulhar.
Sigo minha vida mantendo os ideais de igualdade entre as espécies, busca pela verdade e indo onde nenhum homem jamais esteve. Navego em uma nave que já deu 55 voltas em torno de uma estrela de quinta grandeza, enquanto estou embarcado. Tudo isto perfaz aproximadamente 55x2x3,14x8 minutos luz. Uma distância significativa, apesar de minúscula em se tratando de viagens interestelares. A nave que pilotamos tem recursos finitos e temos que aprender a lidar melhor com ela se quisermos, como espécie, embarcar em outra a tempo.
Seja como for tudo que posso dizer para os demais tripulantes é live long and prosper.

quinta-feira, 23 de abril de 2020


621

Estamos entrando de cabeça na crise do corona, então que não tem faltado é tempo. A cada dia me ocupo preparando e publicando aulas. Mesmo assim sobra, Chronos deve estar farto e já devorou tudo o que podia. Então sobra para lembrar de estórias. As conto para minha gata ela duvida. Acha que tudo vem da minha imaginação.
Aqui vai mais uma. Esta é tão improvável que hoje ela vai querer me internar. A sorte é que particularmente nesta há testemunhas.
O ano foi prolongado entre 85 e 86, tudo faz parte de um amalgama. Não fosse a Copa do México (outra coisa que faria este biênio se transformar em tri, junto com 70) eu iria pensar que o calendário teria sido esticado. O preparatório não havia terminado para nós, a adaptação no calor de fevereiro fazia ferver nossas botinhas nas manhãs de Jurujuba.
Aprendemos a responder com nossos nomes de guerra cada vez que o instrutor gritava os números entre 601 e 620. Éramos finalmente cadetes, havia ali o resultado de uma peneira que começara com 3300 e tantos candidatos, mas a turma não estava completa.
Todos nós temos histórias improváveis, muitos quebraram círculos nefastos de pobreza estudando que nem loucos. Depois tivemos que provar sermos saudáveis, nadar, subir em cordas, não desmaiar sob o sol escaldante, pular muros e carregar uns aos outros sobre os ombros a correr.
Enquanto isto o desespero batia fundo em um cara que não estava com a gente (ainda), uns poucos graus de miopia o separavam do sonho de ser bombeiro. O custo de uma cirurgia chegava perto da renda de toda sua família em um ano de labuta.
“Vamos para a rádio.” “Mãe, não adianta. Ninguém vai querer nos ajudar”. Ele retrucou. “Não desanima. Já fiz promessa para Santa Edivges. Nada é impossível para quem tem fé”. E lá foi ele.
Contrariado. Quase posso ver a sua expressão. Sei exatamente como é a face de meu amigo quando se sente assim e não foram poucas vezes, pois se há algo que pulsa em seu coração além de um sangue rico é o seu senso de justiça. Acredito que assinamos uma espécie de contrato quando chegamos aqui, nele não há nenhuma linha que diga que o mundo é justo, especialmente com os puros de alma.
Ele sabia, que nestas ligações para o rádio, a maioria das pessoas só queriam fazer um pouco de publicidade gratuita para os seus negócios. Tudo era uma farsa. No ônibus entre a rádio e a Clínica lá em Copacabana ele foi enumerando mentalmente todos os motivos que iriam dar para não o atender. “Quem ligou para a rádio não poderia oferecer gratuidade”. “Infelizmente, você não se encaixa no perfil esperado...”  
O que encontrou lá na verdade foi um grupo de médicos generosos, que não cobraram nem pela anestesia.
29 de fevereiro (nem adianta procurar no calendário para saber se 86 foi bissexto, por favor, não me atrapalhe enquanto eu conto) lá estava ele:
- 621
- Wonder!
Que maravilha de pessoa!
Foi exatamente assim que aconteceu.
Não me pergunte como sei onde era a clínica, ou mesmo qual era a fé que levara os personagens nesta procissão interminável.
Foi exatamente assim que aconteceu.
E tenho o dito.
Se você não acredita, posso reafirmar com o que realmente vi. Meu grande amigo cantando nas escadas de um hotel os versos do fantasma da ópera fazendo parar todos que andavam por perto. Uma figura realmente improvável.
Então, se o seu sonho lhe parece algo que só pode acontecer na ficção se espelhe no grande homem no qual eu penso quando falo estas três palavras.
LUTE, PERSEVERE, VENÇA!



quarta-feira, 22 de abril de 2020



Da Capo

Era 1979. Sétima série, estava entediado, queria me livrar logo da tarefa, pedi para um amigo que tinha conseguido agradar a professora com um verso de pé quebrado:
O Rivelino está de bobeira
O Coutinho já disse
Se ele não melhorar
O Zico vai entrar

Isso pensei, basta falar sobre a Copa do Mundo que ela aceita, mas como é mesmo que se faz para caber na música de “parabéns pra você”?
Eu não tinha entendido muito bem como era que se contava as sílabas, mas bastava cantar, se encaixasse na música ela aceitava e eu poderia voltar a ler “Eu robô” do Asimov que estava chegando num ponto eletrizante.
Já sei:
O Brasil em primeiro
O alemão em terceiro
E a Copa do Mundo
Temos em um segundo.

- Deixa de ser ansioso, Remo, você pode fazer algo melhor.
- Mas, professora, encaixa. E o verso dele que é sobre a seleção a senhora aceitou.
- Aceitei sim. Mas você pode fazer melhor.
Uns meses antes eu queimei todas as pontes entre nós. A minha professora de música foi a primeira autoridade com a qual eu “bati de frente”.
Um grande amigo chegou atrasado, abriu a porta delicadamente, olhou para ela, balançou a cabeça e se sentou em sua carteira tentando não fazer barulho. Um camundongo não seria mais cuidadoso. Então, ela deu uma daquelas broncas que parecem durar mais de meia hora, para fazê-lo se sentir como alguém de meia tigela. Lá pelo vigésimo nono minuto me levantei, cerrei os punhos e gritei com ela: NINGUÉM TRATA MEU AMIGO ASSIM! MAL EDUCADA É A SENHORA!
A coordenadora de turno estranhou minha chegada em sua sala. Nunca tinha me indisciplinado antes, mas eu já não conseguia me defender. O projeto de homem que eu era não conseguiu sair daquela sala, ao atravessar o pátio era um rato e ao chegar na sala uma barata que só chorava e tremia.
Tentei voltar ao presente, mas tudo que eu queria era estar em outro lugar.
Um clique na minha cabeça e lá fui com o texto ainda rascunhado.
O Cruzeiro do Sul
Tem um fundo azul
Que me amara num laço
E me põe no espaço.

Sei que já disse isto antes, as melhores tramas ocorrem sob a égide dos piores vilões. Por isso mesmo o que conto jamais seria um texto realmente dramático. A professora era uma mulher que dedicava várias horas-extra não remuneradas para que a escola tivesse um grupo de percussão. Muito longe do Darth Vader ou do Lex Luthor.
Um dia, logo depois de uma apresentação ela se aproximou e perguntou:
- O que você quis dizer com aqueles versos?
Eu docemente respondi:
- Olhe para cima em uma noite estrelada e você mesma vai saber.
Foi o mais próximo que tivemos de verdadeiro pedido de desculpas mútuas.

terça-feira, 21 de abril de 2020


Caminhos
“Um, dois, três, quatro
Ser Bombeiro é um barato
Quatro, três, dois, um
Mas não é pra qualquer um.”

Conheci o Assuero em um curso de aperfeiçoamento para gestores de Defesa Civil. Confesso que no primeiro momento me senti um tanto desconfortável. Não é todo dia que encontro alguém que eu considere mais nerd do que eu mesmo. Passado o espanto, fizemos uma amizade tão instantânea como duradoura.
O cara é o sonho de consumo de muita gente. Quem não gostaria de ser bombeiro, médico ou super inteligente? Bem, este grande amigo traz um pacote com as três condições. Além de uma sabedoria provinda de profunda espiritualidade e a alegria de viver a própria vocação.
Com uma pontinha de inveja digo que boa parte de minha vida não segui exatamente meus sonhos. Chega a ser sacanagem dizer isto, tendo tanta história, tanta estrada e tanto a agradecer.
O lance é que nunca sonhei em seguir minha nobre profissão. É como se eu tivesse sonhado o sonho de outros. Concordo que ser Bombeiro é um barato, como diz a canção que repeti tantas vezes enquanto corria com a tropa. Só que tudo isto me faz lembrar da história do estudante universitário que no dia de sua formatura deu o seu certificado ao pai... e no dia seguinte abandonou tudo para ser caminhoneiro.
Este descompasso ficou claro para mim justamente pela indicação, do próprio Assuero, de um livro que me ensinou o significado de DARMA. Que resumindo pode ser algo como “o trabalho de sua vida”. Quando você faz o que deveria fazer os seus caminhos passam a ter sentido. Ficou muito claro, então, que eu já sabia o queria no mesmo instante que vi o Chicão pegar no giz pela primeira vez. Grandes mestres têm este poder.
Mas não tem revolta não, os caminhos da Corporação me ofereceram diversas fontes de alegria e aprendizado. Foi nas fileiras que aprendi o valor da vida, lá também encontrei amigos fantásticos. Entre eles incluo um grande médico que me ensinou que eu sempre quis ser professor.

quarta-feira, 15 de abril de 2020


Em setembro de 2012 o vira-latas aqui pôde se orgulhar de ser o representante do Rio de Janeiro na convenção sobre Defesa Civil e preparação para grandes eventos na Alemanha. Em mais uma prova do que canso de dizer: o Bombeiro é o Barão da ralé.  
Antes de contar alguns detalhes da viagem, cabe dizer que li uma vez que não importa muito o quanto você se prepara: viagens são grandes niveladoras de conhecimento. Um rolé equivale a pelo menos dez livros, em especial se você também está disposto a ler.
A quantidade de fatos ocorridos devido as diferenças culturais se avolumaram naquela semana de outono bávaro. Vou listar alguns:
- Tomei uma bronca homérica por atravessar a rua totalmente vazia quando o sinal estava vermelho... “Mas não está passando carro nenhum!” Me defendi... “Não importa a lei é a lei.”
-  Tive que me desculpar umas quinhentas vezes com a chefe da delegação alemã, uma senhora uns vinte anos mais velha.  Eu perguntei se poderia lhe adicionar no facebook. “Eu poderia ser sua mãe!”... “Concordo, mas saiba que não quero ser seu namorado, só seu amigo!” retruquei.
Para me defender destes desencontros tenho um macete: cada vez que viajo tento aprender as palavras mágicas locais. O que para nós seria algo como:
1.     Por favor;
2.     Obrigado;
3.     Com licença;
4.     Bom dia;
5.     Desculpe; e
6.     Tem hamburguer?
Mas, justo quando fiz uma palestra diante de umas 400 pessoas fiz uma confusão enorme entre o bom dia e o boa tarde, o que fez toda a plateia rolar de rir. Até que foi legal para quebrar o gelo. Mas só soube a besteira que fiz uns anos depois.
Mas o que realmente me marcou foi conversar com dois engenheiros. Eles queriam saber se nós no Brasil nos interessaríamos em comprar um software de altíssima tecnologia. A ferramenta nos ajudaria escolher as melhores localizações possíveis para quarteis de polícia e do Corpo de Bombeiros.
Ali tive um enorme ataque de bom senso, e menti polidamente... a qual gestor não se interessaria?
Seria difícil explicar que o Brasil não é para amadores.
Bem, meus caros, se eu fosse sincero (Lembram Aurora da Carmem Miranda) eu pouparia um bocado de trabalho àqueles brilhantes técnicos. Seria muito difícil explicar para eles que estes tipos de decisões, aqui no Brasil são feitas por políticos.
E políticos... Bem, me perdoem a tautologia: são políticos.


Guardiões.

Bem sei que debalde, muitas vezes, vigia o sentinela.
Há forças que ultrapassam a vontade humana.
Porém, aqui ficarei mesmo que só por obrigação e honra.
Sempre lembro:
A Guarda aguarda na guarda.
Se a Guarda não aguarda na guarda...
A Guarda aguarda no xadrez.

domingo, 5 de abril de 2020

Toca Music and me na doce voz do Michael Jackson, algo antigo, do tempo em que ele ainda não tinha vergonha de ser negro. Mal termina, logo emenda Thank you for the music do ABBA. Penso: duas músicas gêmeas. Não é só isso. Elas quase são eternas.

Já falei coisa parecida. Não dá para comparar o que resistiu ao tempo (Chronos é devorador) com o que é feito hoje.

Falo simplesmente que há músicas que vêm em pares. Outras são eternas.
Ou seja, não dá para cantar Ronda sem emendar com Sampa.

Não dá para ouvir Antônio Marcos cantando Como vai você? sem que o pensamento não escape para em One day in your life na voz, não menos emocionada, de Johnny Mathis.

Observe bem que não estou falando de plágio, como o sofrido pelo Jorge Ben (sem o jor do numerologista) que foi terrivelmente clonado pelo pop star inglês. O que digo é sobre o fato de que certas coisas são universais. O sentimento é o mesmo! Então, entendo o porquê de o Milton Nascimento ter composto Certas canções logo após ouvir Ebony and ivory.

Talvez, só talvez... Platão esteja certo e deva haver um mundo de cristais. Um lugar onde a Mente crie a realidade. Então, alguém vai lá e consegue descrever a sua viagem de um modo razoavelmente próximo. Afinal, não dá para conceber o mundo antes de certas canções.


Então está dito: The long and widding road já fazia muito carro derrapar antes mesmo do Paul rabiscar os primeiros acordes. She já desfilava sua beleza antes de Charles Aznavour entoar a primeira nota. E As águas de março sussurravam sua fúria cíclica nos ouvidos do Tom ao ver a destruição causada pelo Rio Preto.

terça-feira, 31 de março de 2020


Moral da história

Eu estava trabalhando na Defesa Civil na época em que ocorreu a Jornada Mundial da Juventude. Para entender o que aconteceu comigo naquele momento é necessário dizer que nenhum bombeiro é só bombeiro. Como é quase de conhecimento geral, nós temos um trabalho extra para fechar as contas no fim do mês. E dou aulas... até mesmo de Inglês.

Assim sendo recebi uma ligação do gerente do CCAA da, distante e acolhedora, São José do Vale do Rio Preto para eu ser intérprete de um grupo de norte-americanos. O que aceitei com prazer e o fiz representado minha instituição estadual.

Uma das minhas missões era preparar uma carta de boas-vindas.

Antes de terminar esta história, quero contar outra: Dizem que Crasso era um General Romano que abandoou as táticas militares e saiu atacando de qualquer forma. Desde então, seu nome ficou associado a falhas inaceitáveis. Não sei se isto é verdade.  Entretanto, não permitirei que uma insignificância como a verdade possa estragar uma boa história.

A que eu astava contando continua quando digito worm (verme) ao invés de warm (quente, morno – em uma metáfora para acolhedor) ao qualificar os abraços que eles receberiam dos brasileiros.

Antes de formalizar a carta, pedi para o Adalcir revisar, e amigo como ele é, tive o meu erro crasso corrigido e perdoado.

A história acaba aqui. Acredito que não precisa ser mais didático do que isto. Porém não resisto a minha própria verborragia...

Ter a humildade de cogitar a possibilidade de errar é um bom sinal de que você ainda não se encastelou, o que é próprio do ego que aprisiona os incautos.

Ainda há palavras para as quais o corretor ortográfico não é nada corretor.

Nunca! Jamais! Em tempo algum, revise seus próprios textos. Quem erra quase nunca percebe.

E principalmente: tenha amigos, eles sempre são melhores que computadores.