sábado, 30 de junho de 2012


PALAVRAS DESAFIADAS

Escrevo o desconexo
E tenho a ousadia
De chamar de poesia.

Não sou ourives
Ou amante das letras
Só que a necessidade de escrever
É tão universal
Quanto a água sob pressão normal
Ferver a cem graus.

Meus versos pobres
Só aprenderam a descontar com as palavras
E até a ortografia, quem diria?
Não resiste ao novo dia

Azar o seu que não tem
Nada melhor para fazer

Mas enquanto eu não couber em mim mesmo
O que digo deve se contorcer
Para caber no papel.

MOMENTOS

Subia a serra e vi um arco–íris tão perfeito que tive que encostar o carro.
Andar nas ruas de Madureira de mãos dadas carregando mini-pasteis de queijo.
Minha mãe dizendo que tinha muito a aprender, justo no mês que ela partiu.
O meu filho rindo de um boneco de plástico, depois de curado da pneumonia.
Ver o rosto de minha filha através do vidro da maternidade.
Meu sogro apertando minha mão antes de me entregar a de sua filha.
Um jogo de futebol, em um campo encharcado, no qual me sai tão bem que meus amigos disseram que eu tinha mandado chover.
Ver as pessoas se abraçando na rua assim que o Brasil perdeu a Copa de 82.
O comício das diretas.
O Barney chamando minha Mãe para jogar WAR, sabendo que ela  iria  praguejar.
Ver o Chicão perder o ônibus de propósito para conversar um pouco mais comigo Carlos Alberto e Carlos Augusto.
Biscoito de chocolate na casa da minha irmã.
Comer pão de sal junto com meus sobrinhos.
Ouvir meu primo gritando comigo para nadar em direção de uma onda ENORME, e chegar nela no último instante possível.
Vir a pé da escola com outros três irmãos.
Ler o pensamento de meu melhor amigo.
Ter estudado em uma  escola municipal até a 8a série com professores maravilhosos e colegas fenomenais.
Ter viajado para montão de lugares.
Conhecer um inglês muito doido antes de saber falar mais do que dez frases, e compreender que ele me  incentivou em um aprendizado de algo para o qual não tenho o mínimo talento.
Dividir espaço com pessoas fantásticas em todos lugares que trabalhei.
São apenas momentos....Não há coesão ou coerência entre eles. Não enxergo uma trama clara nesta colcha de retalhos, apenas mágica. 


CÉLULAS, CELAS E CELULARES

São 22:30h o telefone toca: “Alô”... Do outro lado da linha ouço: “quem ta falando?”... Não sei se há um tratado sobre como se comportar ao telefone. Se houvesse certamente estaria escrito que quem liga se identifica. Ora bolas, se você pegou no telefone e digitou um certo número, há que se esperar pelo menos, que você saiba para quem ligou. Para completar a noite tudo não passava de um engano. Durmo cedo, mas se me estressar acabo desistindo de Morfeu, foi o que aconteceu.
Outro incômodo é aquela brincadeira... “Adivinha quem ta ligando?”, minha resposta sempre é: “não faço a mínima ideia”. Sou simplesmente péssimo neste jogo, e acabo sendo considerado um simples mal educado.
Meus filhos, como todos desta nova geração, se sentem super à vontade ao telefone, Clara que tem 9, vive torcendo para ganhar um celular de presente. Acho cedo. Sei que há jogos e outros parangolés que interessam a ela, só que sou do tempo em que telefone era usado para telefonar.
Anacrônico. É isso que sou.
Não se trata de uma questão de idade. Minha irmã conta dez carnavais a mais que eu, mas já faz tempo que é mais jovem. Um dia ela estava exaltando o seu celular como um objeto de conquista. Jamais poderia ver um monstrengo destes como o símbolo da liberdade de alguém, até que ela me passou a sua posição sobre o assunto.
A minha é proveniente da origem da palavra: nos remete à célula, e esta a cela, ou seja uma prisão. Entendo ainda que o tal do ócio criativo, não passa de uma forma de nos manter trabalhando mesmo quando o expediente já terminou há séculos.
Em certos momentos gostaria de estar menos plugado, não se trata de simples ignorância, mas de um estilo de vida. O fato é que buscamos meios de poupar tempo na mesma medida em que temos cada vez menos deste artigo.
Bem, parece que o assunto poderia merecer mais algumas linhas, só que meu celular acabou de tocar... de qualquer forma te ligo depois...

quinta-feira, 28 de junho de 2012


NARCISO


Via você de longe
Mas nunca lhe toquei
Até porque
Ninguém se toca de fato

Mas se algo lhe impede
De beijar meus lábios
Era transparente

Transparente como seus olhos
Olhos molhados
Molhados de sal e areia

Porém a prata que manchava sua mão
Tocou seus cabelos dourados
Então, toda prata se espalhava
Em sua prisão de vidro

Hoje já não lhe vejo
E você só vê uma imagem
Virtual
De alguém tão parecida
Com quem você já foi
Que nem você percebe
Que não é você
E só alguém com as mãos trocadas
Mas é tudo que você vê.

IMPAR

Busquei ansiosamente
Como quem busca a outra metade
Ao te ver, no entanto,
Percebi que não somos os mesmos tijolos
Mesmo assim nossa arquitetura se encaixa.

Busquei os mesmos ideais
Como quem quer um correligionário
Só que em muitas votações foste sempre oposição
Negociamos até a coalizão.

Pesquisei em muitos laboratórios
Em busca de uma cura improvável
Meu achado foi tua infecção
Que tanto mexe com meu metabolismo.

No supermercado da esquina
Onde queria feijão só havia arroz
E vinho nas prateleiras de cerveja

Larguei meu curso universitário
E em tua hidrografia
Me afoguei
Antes da graduação

Quando cansei de te procurar finalmente encontrei
Até aprender a em ti tudo amar
Mas principalmente as diferenças

Tanto quis uma alma gêmea
Que fui invadido
Por alguém
Impar.

JANELAS

Amplas janelas sobre o mar
Mostram o mundo
Num ir e vir incessante
Rasgando o peito
Em seu voar inconstante.

Rosas, outrora formosas
Caídas refletem no céu
A dor de quem sabe
Olha-las ao léu.

Janelas profundas revelam
Cores opostas que alternam
E dores que velam.

Janelas intensas
Imensas janelas
Janelas que fecham
Para olhos que abrem.

domingo, 24 de junho de 2012

MARES

Sou pacífico
Você atlântica,
Mas quantos pereceram
Pelo Canal do Panamá?
ESPELHO

Com um caramelo na cara
Clara encara uma cara melada.

GÉLIDA

             
No inverno passado
Sentado em um banco vulgar
De uma lanchonete qualquer
Fui aquecido por tuas formas
Níveas... translúcidas
Esvoaçantes

E teus olhos
Cerejas inquietas
Contrastavam com teu rosto de creme
E teu cabelo de chocolate

Quando vou ver a sorte
de te ver só?
Talvez até te direi
Mentiras insanas
Fingindo satisfação
Em só te ver

Um dia, finalmente,
Todos verão
O gelo se derreter
E então
Dedicarei todas as estações
A te sorver.

domingo, 17 de junho de 2012


FOME DISFORME

Não quero a fôrma
Não quero a forma
Disse um dia
Sem saber o que queria

Nem a informática
Pragmática
Alucinada

Ou mesmo a cela
Dos celulares

Hoje quero
(E como)
A performance
A reforma
O disforme tão refeito
Quase perfeito

Quero ter fome
Que me encha o prato
O trato
O traço

Até que eu ache
Quem perca o compasso
Ou me passe (mas só um passo)
E me embale no laço
De um abraço.

ARTE E TEMPO

                           A resposta mais improvável para uma velha questão me chegou de um modo insólito. Sempre quis entender o quanto o tempo interfere em uma obra de arte, na arte da vida, nas mãos do artesão os nas letras de uma canção.
Melhor explicando para quem embarcou no meio do meu raciocínio devo dizer que hoje de manhã quando jogava futebol um doido varrido cantava as mesmas canções que minha mãe amava – naquele tempo é que se faziam músicas de verdade! – ela diria.
Discordo.
Pedindo perdão a Cartola, Carlos Galhardo, Dorival Cayme, Lupicínio...
As marcas do tempo são dolorosas e as canções de segundo escalão não sobrevivem, enquanto as de primeira se transformam em hinos. Pobre então do artista que ousa competir com os monstros sagrados que sobreviveram as décadas.
Este texto não ganharia força se minha filha não tivesse interrompido com o alto som dos saltimbancos a minha leitura de “Operação cavalo de tróia”, um livro que fala sobre a paixão de Cristo, e também à minha esposa que se abraçava com o “Sidarta” de Hesse em busca do sono perdido.
A música alta impossibilitava qualquer alternativa e Miucha nos falava da “grande gaiola que é o meu país”. O pensamento óbvio e insensato me assaltou pela segunda vez naquele dia, agora com as cores vermelhas de uma letra que espantosamente não foi censurada. No mesmo momento, por exemplo, um amigo não conseguiu visitar o meu irmão na Frei Caneca com um exemplar de “Olhai os lírios do Campo” de Veríssimo – o pai – pelo seu conteúdo comunista! (?) “Fala sério” diria o Bussunda se o bordão já tivesse sido inventado. Foi então que finalmente entendi que esta música da galinha imoral deveria ser censurada agora mesmo pela tesoura dos generais, pois minha filhinha de cinco anos poderia ser influenciada por aquele conteúdo impróprio... Qual seria o próximo passo? Tremo só em pensar que ela poderia ser exposta as piadas do Juca Chaves ou ao “Chame o ladrão” do Chico!
Tudo bem, voltemos ao tema: Talvez o tempo seja apenas um artifício criado pelas nossas mentes ditas racionais, assim sendo os Zecas (Baleiro e Pagodinho) já sejam clássicos e “Yesterday” já seria eterna antes de Paul a compor e Pelé, que nunca envelheceu, seja ainda um garoto dando aquele lençol capaz de cobrir a Suécia inteira.
Nos nossos livros, agora deixados de lado, estaria havendo uma festa ao som da Nara, cantando como uma gata, e nela Buda conversaria com o Sidarta e Cristo sofrendo, sofrendo e sofrendo nos salvaria com o seu amor infindo. No bar da esquina um Pessoa estaria pegando dicas com Drummon e Vinícius estaria falando das belezas do Rio com o Machado e o garçom do Noel estaria pendurando a conta.
Bom eu não disse que esta seria uma resposta sensata, e sim improvável, mas até que alguém tenha uma melhor prefiro ficar com ela.
 Ao longe ouço “metamorfose” do Raul. 

sexta-feira, 15 de junho de 2012


INTEIRO CORAÇÃO

Tenho um coração dividido...
De cada lado um ventrículo
Um coração ridículo
Um coração de dois átrios
Um coração de fogo fátuo
Um coração que não foge do ato
Que ora quer mar, ora quer mato.
Um coração profano
Posto que é humano
Um coração imundo
Que carrega as dores do mundo.

Um coração dolorido
E de arco-íris colorido
Um coração descrente e pio
Que ri quando choro
E chove em janeiro, quando Rio
Um coração safado
Que espera por ser safenado.

Um coração amigo
Contigo
Vingativo
Que se expande em um abraço
Recolhe e encolhe em um laço
Um coração sem ritmo
E que nem sabe
Se ta taqui
Ou se ta bradi
Se ta taqui
Ou se ta bradi
Se ta taqui
Ou se ta bradi.

Um coração que vai além
Até o dia do amém.