ARTE E TEMPO
A resposta mais
improvável para uma velha questão me chegou de um modo insólito. Sempre quis
entender o quanto o tempo interfere em uma obra de arte, na arte da vida, nas
mãos do artesão os nas letras de uma canção.
Melhor explicando para quem embarcou no meio
do meu raciocínio devo dizer que hoje de manhã quando jogava futebol um doido
varrido cantava as mesmas canções que minha mãe amava – naquele tempo é que se
faziam músicas de verdade! – ela diria.
Discordo.
Pedindo perdão a Cartola, Carlos Galhardo,
Dorival Cayme, Lupicínio...
As marcas do tempo são dolorosas e as canções
de segundo escalão não sobrevivem, enquanto as de primeira se transformam em
hinos. Pobre então do artista que ousa competir com os monstros sagrados que
sobreviveram as décadas.
Este texto não ganharia força se minha filha
não tivesse interrompido com o alto som dos saltimbancos a minha leitura de
“Operação cavalo de tróia”, um livro que fala sobre a paixão de Cristo, e
também à minha esposa que se abraçava com o “Sidarta” de Hesse em busca do sono
perdido.
A música alta impossibilitava qualquer
alternativa e Miucha nos falava da “grande gaiola que é o meu país”. O
pensamento óbvio e insensato me assaltou pela segunda vez naquele dia, agora
com as cores vermelhas de uma letra que espantosamente não foi censurada. No
mesmo momento, por exemplo, um amigo não conseguiu visitar o meu irmão na Frei
Caneca com um exemplar de “Olhai os lírios do Campo” de Veríssimo – o pai –
pelo seu conteúdo comunista! (?) “Fala sério” diria o Bussunda se o bordão já
tivesse sido inventado. Foi então que finalmente entendi que esta música da
galinha imoral deveria ser censurada agora mesmo pela tesoura dos
generais, pois minha filhinha de cinco anos poderia ser influenciada por aquele
conteúdo impróprio... Qual seria o próximo passo? Tremo só em pensar que ela
poderia ser exposta as piadas do Juca Chaves ou ao “Chame o ladrão” do Chico!
Tudo bem, voltemos ao tema: Talvez o tempo
seja apenas um artifício criado pelas nossas mentes ditas racionais, assim
sendo os Zecas (Baleiro e Pagodinho) já sejam clássicos e “Yesterday” já seria
eterna antes de Paul a compor e Pelé, que nunca envelheceu, seja ainda um
garoto dando aquele lençol capaz de cobrir a Suécia inteira.
Nos nossos livros, agora deixados de lado,
estaria havendo uma festa ao som da Nara, cantando como uma gata, e nela Buda
conversaria com o Sidarta e Cristo sofrendo, sofrendo e sofrendo nos salvaria
com o seu amor infindo. No bar da esquina um Pessoa estaria pegando dicas com
Drummon e Vinícius estaria falando das belezas do Rio com o Machado e o garçom
do Noel estaria pendurando a conta.
Bom eu não disse que esta seria uma resposta
sensata, e sim improvável, mas até que alguém tenha uma melhor prefiro ficar
com ela.
Ao
longe ouço “metamorfose” do Raul.