domingo, 17 de junho de 2012


ARTE E TEMPO

                           A resposta mais improvável para uma velha questão me chegou de um modo insólito. Sempre quis entender o quanto o tempo interfere em uma obra de arte, na arte da vida, nas mãos do artesão os nas letras de uma canção.
Melhor explicando para quem embarcou no meio do meu raciocínio devo dizer que hoje de manhã quando jogava futebol um doido varrido cantava as mesmas canções que minha mãe amava – naquele tempo é que se faziam músicas de verdade! – ela diria.
Discordo.
Pedindo perdão a Cartola, Carlos Galhardo, Dorival Cayme, Lupicínio...
As marcas do tempo são dolorosas e as canções de segundo escalão não sobrevivem, enquanto as de primeira se transformam em hinos. Pobre então do artista que ousa competir com os monstros sagrados que sobreviveram as décadas.
Este texto não ganharia força se minha filha não tivesse interrompido com o alto som dos saltimbancos a minha leitura de “Operação cavalo de tróia”, um livro que fala sobre a paixão de Cristo, e também à minha esposa que se abraçava com o “Sidarta” de Hesse em busca do sono perdido.
A música alta impossibilitava qualquer alternativa e Miucha nos falava da “grande gaiola que é o meu país”. O pensamento óbvio e insensato me assaltou pela segunda vez naquele dia, agora com as cores vermelhas de uma letra que espantosamente não foi censurada. No mesmo momento, por exemplo, um amigo não conseguiu visitar o meu irmão na Frei Caneca com um exemplar de “Olhai os lírios do Campo” de Veríssimo – o pai – pelo seu conteúdo comunista! (?) “Fala sério” diria o Bussunda se o bordão já tivesse sido inventado. Foi então que finalmente entendi que esta música da galinha imoral deveria ser censurada agora mesmo pela tesoura dos generais, pois minha filhinha de cinco anos poderia ser influenciada por aquele conteúdo impróprio... Qual seria o próximo passo? Tremo só em pensar que ela poderia ser exposta as piadas do Juca Chaves ou ao “Chame o ladrão” do Chico!
Tudo bem, voltemos ao tema: Talvez o tempo seja apenas um artifício criado pelas nossas mentes ditas racionais, assim sendo os Zecas (Baleiro e Pagodinho) já sejam clássicos e “Yesterday” já seria eterna antes de Paul a compor e Pelé, que nunca envelheceu, seja ainda um garoto dando aquele lençol capaz de cobrir a Suécia inteira.
Nos nossos livros, agora deixados de lado, estaria havendo uma festa ao som da Nara, cantando como uma gata, e nela Buda conversaria com o Sidarta e Cristo sofrendo, sofrendo e sofrendo nos salvaria com o seu amor infindo. No bar da esquina um Pessoa estaria pegando dicas com Drummon e Vinícius estaria falando das belezas do Rio com o Machado e o garçom do Noel estaria pendurando a conta.
Bom eu não disse que esta seria uma resposta sensata, e sim improvável, mas até que alguém tenha uma melhor prefiro ficar com ela.
 Ao longe ouço “metamorfose” do Raul. 

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