VESTIDA DE NOIVA
ao Sargento Victor que na vida com ela é passou por situações que só
Nelson Rodrigues poderia imaginar.
Tico
estava cansado, aquelas vinte e quatro horas de serviço não foram nem de perto
as mais difíceis de sua vida, mas ventara forte na manhã anterior fazendo com
que diversas árvores tenham caído, de fato um café da manhã indigesto.
A
tarde anterior também não foi das melhores estava no cassino das praças ouvindo
o time de seu coração perder, quando foi chamado para tirar algum incauto do
elevador, e apesar de fácil foi um trabalho longo o suficiente para voltar após
o término do jogo, e ter que suportar as gozações dos seus adversários. E como
perdera a aposta, teve que tirar o serviço de ronda de um colega justo de duas
às quatro.
Estava
coçando os olhos ardidos de sono, com a manga do paludo quando o Sargento do
Serviço de Proteção o chamou:
-
Bombeiro, troca de farda tem um tantã para você.
E
lá ia ele de novo...
O
fato é que ainda recruta quando convenceu um velho lunático que quebrara tudo
em sua casa a descer o Chapéu Mangueira pacificamente tocando "Ave Maria
no morro" com um trombone de vara, aquele soldado franzino e ágil ganhou
fama de ser craque no trato com doentes mentais.
Em outro canto da cidade Luana mal
conseguia enxergar o mundo através da janela de seu apartamento, ela não iria
suportar que outro homem lhe tocasse a mão, chega. Pensou: "Não é por que
aquele safado me abandonou no altar que eu vou deixar que qualquer outro homem
me toque".
-
Não quero
saber mais de ninguém. São todos uns brutos!
Quem é esse tal de João Carlos?
Bosta deve ser aquele cara fanfarrão do quinto andar. Minha cabeça dói. Bosta
de maquiagem estragada. Preciso de algo para beber... não nada de guaraná...
quero tequila...
-
Calem a
boca, não vou falar com ninguém. Cacete, vou jogar este telefone pela janela.
-
Pode ficar tranqüilo, delegado, o nosso especialista
já está a caminho...
-
Tenente, eu já disse se for necessário a gente desce
na marra e arrebenta com aquela bicha. O cara é bom de porrada?
-
Calma, eu já disse que ele resolve.
A
viatura do Serviço de Proteção, acabou de virar a esquina como se estivesse
esperando pela deixa do oficial. Assim que
o Sargento apresentou o Tico, o Delegado desandou a gargalhar:
-
Cara! O maluco vai despedaçar este coisinha aí.
Tico,
fez que não entendeu, e perguntou ao comandante do socorro qual era a situação.
Ele
explicou que o demente estava em um cubículo com outros quatro detentos da
delegacia e, não se sabe como, teve acesso a uma garrafa de refrigerante que
ele quebrou e feriu levemente um guarda penitenciário que por pouco conseguiu
escapar. No entanto, os outros detentos não tiveram a mesma sorte um já parecia
estar morto e os outros muito cortados. O problema é que o único modo de chegar
a cadeia propriamente dita era um pequeno porão encimado por uma estreita e
única escada. O acesso portanto, dava ao doente mental uma vantagem absurda, e
seus quase dois metros associados a vida bandida que tivera o transformava,
naquela circunstância, em uma máquina mortífera.
Um sonífero, Deus! Daria tudo para
dormir.Não é melhor morrer... é morrer de amor! O que quero é morrer de amor!
DROGA QUEM É ESTE MERDA DESTE JOÃO?
- Não tem ninguém aqui no
apartamento. Bosta, calem a boca!
Mas tem eu, é euzinha, mas para que
serve uma mulher deixada no altar! Deus! Minhas amigas vão rir de mim, todas
aquelas piranhas - Ah, quem se importa? - eu é euzinha, eu me importo. Mas
quando eu morrer não vai sobrar ninguém para chorar. Talvez, é talvez a
Clotilde chore. Ela sim é amiga. Só ela.
-
Antes de entrar lá preciso saber se alguém conhece o
doente, disse Tico.
-
A irmã dele está aqui. Respondeu o Sub, abrindo espaço
para a moça poder conversar com o Tico.
-
Dona, qual é o nome de guerra dele?
-
Como assim?
Indagou Diana, o nome dele é João Carlos.
-
Moça, não se faça de desentendida, é claro que ele é
travesti, e nenhum travesti gosta de ser chamado por nome de homem.
-
Não sei de nada disso.
-
Estamos perdendo tempo, disse impacientemente, você
quer que seu irmão saia vivo dessa ou não?
-
Luana, respondeu abaixando os olhos de vergonha.
-
Em qual ponto ele trabalha?
-
Tiradentes.
-
Quem é a melhor amiga?
-
Clotilde.
-
Obrigado, moça.
Tico foi andando para a cela e no caminho combinou com Marão
o que fazer, e pediu para o amigo agir rápido se a idéia não colasse.
Quando começou a descer as escadas perguntou:
-
Quem está aí?
Cacete será quem nem morrer em paz
eu posso?
-
Não vem
aqui senão me mato.
-
Luana é você?
-
Quem é que
quer falar comigo?
-
Se voltando para a guarnição Tico gritou:
-
Pessoal, pode desarmar o circo é a Luana que tá aqui
minha amiga.
-
Eu te
conheço?
-
Para com isso Luana... da Tiradentes... sou o Tico o
seu chapa! – disse macio pelos olhos sinceros.
-
Não te
conheço bombeiro se chegar perto morre!
-
Tá maluca, Luana? Não é possível que você não lembre
de mim, foi a Clotilde que me pediu para conversar contigo!
-
Ah, Tico
por que não falou logo, senta aqui que te faço um café.
-
Não obrigado, mas aceito o guaraná.
Ih! eu acho que o Tico não está
muito bem será que ele não percebeu que a garrafa está quebrada?
-
Seu bobo a
garrafa tá quebrada.
-
Não tem
problema me dá que eu colo.
Será que eu confio nele. Toda vez
que eu confio num homem me fodo. Mas ele é tão bonito... um príncipe destes não
pode estar mentindo para mim!
-
Tá bom eu
deixo você tomar guaraná.
-
Mas, diz aí o qual é o papo furado.
-
Muita coisa
meu lindo, aquele pilantra me deixou no altar, como é que pode alguém pode
fazer isto a uma mulher?
Não vou
chorar. Ah! Não posso chorar de novo, minha maquiagem já está toda borrada. O
que esse pão vai pensar de mim?
-
Não pode, respondeu Tico, ninguém pode fazer isto a
uma mulher.
-
Tico, você
me deixaria na porta da igreja?
-
Claro que não meu amor, sempre gostei de você
Sua oferecida, você não vai fazer
isto! Mas ele é tão lindo! Parece um artista!
Tá
dando certo, mas cacete o pessoal vai me sacanear o resto da vida! Bem pelo
menos é melhor que sair daqui que nem aquele cara ali no chão!
-
Quer saber do que mais! Eu caso contigo hoje mesmo!
Não acredito, encontrei alguém para
me amar, será que ele é sincero ou só que se aproveitar, será que ele acha que
este apartamento é meu mesmo?
-
Você tem
certeza?
Tico,
se ajoelhou, pegou as mãos ensangüentadas e disse:
-
Para todo o sempre!
Sua boba, não vê que ele só quer se
aproveitar!
Um
batimento cardíaco interminável quase chegou até a boca do Tico - tô fudido,
não colou, porra o que eu estou fazendo aqui de joelhos, uma porrada e ele
acaba comigo. Agora não tem mais jeito, vou apostar todas as fichas.
-
Eu sempre te amei, você que não quer saber de mim.
Ah, vou desmaiar esse Deus Grego me
ama!
-
É claro que
eu caso.
Saíram
de braços dados, diante do queixo caído do delegado, e o sorriso disfarçado do
Tenente. O caminho até o Pinel foi tranqüilo, e Tico sequer deixou que o
recruta amarrasse as mãos do traveco.
Na
porta do manicômio João Carlos tirou a gilete escondida sob a língua e disse
para o Tico:
-
Está aqui a
nossa aliança, você foi leal e merece tudo de bom.
Tico teve que suportar uma gozação mais pesada que da noite
anterior, mas no íntimo ele sabia que tinha dado a outro ser humano algo
valioso: outra chance.
Que gente
feia veio ao meu casamento! Não importa o meu príncipe já vai chegar, ele não
demora.