domingo, 26 de agosto de 2012


DURA LEX

Parece que entre tantas possibilidades de evolução (?) há uma em que nós, seres (des)humanos, temos nos especializado ultimamente: a de cometer crimes cada vez mais atrozes e de punir com rigor proporcional.
Decidi dar o meu pitaco no assunto, com uma boa pitada de ficção científica: quando alguém fizer algo inimaginável esta pessoa deveria ser encarcerada no cérebro mais medíocre o possível e sem direito a habeas mentem.
Aqui cabe abrir parênteses e lembrar que a definição de medíocre como algo mediano definitivamente não serve. Lembro da discussão entre dois técnicos de futebol que no momento de raiva se xingaram com esta palavra. O pedido desculpas veio com a definição vernacular: algo como que na média. Só que assim dito certamente  a cor e o sabor pejorativo vocábulo se perdem.
Lembro também de um trecho de Richard Bach, provavelmente de Ilusões, que dizia algo como: “Limitar o ser é o verdadeiro pecado original”.
Não estou falando dos guerreiros derrotados, estes merecem todo o respeito do mundo, são assim as pessoas que tentam e não alcançam, talvez porque seus objetivos estivessem um bocado além de uma possibilidade real, porém eles labutaram (e como!). As suas trajetórias contam a vitória da persistência, mesmo diante de tantas derrotas.
Já o medíocre não é deste modo, ele irá gastar horas contando o que poderia ser se estivesse mais disposto, se o dolar não estivesse assim, se os seus pais lhes amassem, se o mercado estivesse assado (suspiros e suspiros). Enfim, há sempre uma forma de culpar o mundo.
Então, que aqueles que cometessem crimes hediondos fossem encarcerados em uma mente dessas. E a partir daí que nunca acreditassem na possibilidade de ir adiante. Sabe do que digo? Há muitas por aí... Nas cabeças das pessoas que querem subir puxando... Que ao invés de tentarem, ficam pondo defeitos nos trabalhos dos que deram a cara a tapa. Pessoas incapazes de uma gentileza, que só agem com quintas intenções, justo na sexta, quando não se sábado solução.
Há muitas formas de ser infeliz, mas não conheço nenhuma mais degradante.


                                        LADRÃO DE CEBOLAS

“Há um menino há um moleque...”

Para tornar simples esta história vamos ao fato principal: um menino devolve constrangido as cebolas que tinha pego no mercado logo após ouvir a seguinte frase do segurança: “amigo tá na cara que você não precisa disto, você não acha que é uma vergonha sem tamanho?”
Não sei se nestes tempos “evoluídos” isto poderia ser aceitável. Há tantas restrições no trato com as crianças, que no final das contas é capaz do segurança ser mandado embora por injusta causa por não abordado o infante (ou seria infame?) sem o acompanhamento de pelo menos um psicopedagogo, para determinar como não traumatizar o coitadinho.
Mas, isto era antigamente, e naqueles tempos até cascudo valia. E a tal falta de vergonha na cara seria motivo de uma humilhação sem tamanho. Este caminho nos formou, então vejo por aí (na maioria dos casos) gente de bem com a chamada vergonha na cara.
Outro dia, por exemplo, fui xingado de “Senhor Certinho”, como se isto fosse motivo para me abalar. Assim tem sido, desde de que Rui Barbosa determinou que as pessoas acabariam tendo vergonha de ser honestas, e olha que ele não fazia idéia de a que ponto iríamos chegar.
O fato é que um longo caminho nos moldou (isto é... alguns dos antigos!) de tal forma que somos capazes de fazer esforços quase impossíveis para evitar dilemas éticos.
Sei que isto foi fruto de uma sociedade neurótica que em diversos caso nos leva a preocupações que não passam de ilusões.
Mesmo assim vamos lá qual é a alternativa? Uma criança fazer pirraça até ninguém mais suportar e ter seus país como reféns? Ver uma criança bater na cara da mãe e ficar por isso mesmo? Dizer aos quatro ventos que meu filho vai ter o que eu não tive?
Não sei se existe a palavra normótico, mas é isso que parece. Incomodar outros é normal, tirar vantagens também, atropelar valores, idem. Assim vamos educando filhos para a selva, um lugar onde cidadãos têm que se esconder atraz de grades.
Bem, me parece que estou na contra-mão pois os meus têm que ter alguém para dizer não na mesma medida. Peraí gente, é claro que não sou favorável a bater até confessar, jogar duro não quer dizer ser desleal, não importa se o juiz tá vendo ou não.
Quanto a isto posso dizer que tive um grande exemplo. Minha velha me comandava com o olhar. Eu sabia se podia aceitar o bolo ou não só pelo jeitão dela. Imaginem, então quando me chamava no canto e ela levantava o dedo... Não acredito que eu errava só para irritar ela, crianças não deveriam ser assim, só que as vezes isto acontecia.
No cômputo geral fiz uma série de besteiras na minha vida, mas desde que fui apanhado por aquele segurança, penso duas vezes para saber se não corro o risco de passar vergonha.
Não se trata de honestidade, mas de vergonha: o fato é que nunca mais roubei cebolas.

sábado, 25 de agosto de 2012


ANTES DA TEMPESTADE


Flores vadias invadem os campos
Montes se vestem de dourado
E os olhos desnudos quase não suportam
Tanta beleza.

Chego mais perto e colho
Apenas uma
Pobre
Feia.

Mas o vento mais uma vez
Bate em cada uma daquelas
Que não ousei tocar
E a dança encanta
Como uma visão de Maia.

Ouço o mal humorado trovão...
Se ao menos tivesse a coragem
De desprezar as primeiras gotas
Que geladas rasgavam minha pele
Talvez tivesse a chance
De guardar em um abrigo pequenino
A força do eterno.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012


VESTIDA DE NOIVA

ao Sargento Victor que na vida com ela é passou por situações que só Nelson Rodrigues poderia imaginar.

Tico estava cansado, aquelas vinte e quatro horas de serviço não foram nem de perto as mais difíceis de sua vida, mas ventara forte na manhã anterior fazendo com que diversas árvores tenham caído, de fato um café da manhã indigesto.
A tarde anterior também não foi das melhores estava no cassino das praças ouvindo o time de seu coração perder, quando foi chamado para tirar algum incauto do elevador, e apesar de fácil foi um trabalho longo o suficiente para voltar após o término do jogo, e ter que suportar as gozações dos seus adversários. E como perdera a aposta, teve que tirar o serviço de ronda de um colega justo de duas às quatro.
Estava coçando os olhos ardidos de sono, com a manga do paludo quando o Sargento do Serviço de Proteção o chamou:
-          Bombeiro, troca de farda tem um tantã para você.
E lá ia ele de novo...
O fato é que ainda recruta quando convenceu um velho lunático que quebrara tudo em sua casa a descer o Chapéu Mangueira pacificamente tocando "Ave Maria no morro" com um trombone de vara, aquele soldado franzino e ágil ganhou fama de ser craque no trato com doentes mentais.
Em outro canto da cidade Luana mal conseguia enxergar o mundo através da janela de seu apartamento, ela não iria suportar que outro homem lhe tocasse a mão, chega. Pensou: "Não é por que aquele safado me abandonou no altar que eu vou deixar que qualquer outro homem me toque".
-          Não quero saber mais de ninguém. São todos uns brutos!
Quem é esse tal de João Carlos? Bosta deve ser aquele cara fanfarrão do quinto andar. Minha cabeça dói. Bosta de maquiagem estragada. Preciso de algo para beber... não nada de guaraná... quero tequila...
-            Calem a boca, não vou falar com ninguém. Cacete, vou jogar este telefone pela janela.
-            Pode ficar tranqüilo, delegado, o nosso especialista já está a caminho...
-            Tenente, eu já disse se for necessário a gente desce na marra e arrebenta com aquela bicha. O cara é bom de porrada?
-            Calma, eu já disse que ele resolve.
A viatura do Serviço de Proteção, acabou de virar a esquina como se estivesse esperando pela deixa do oficial. Assim que  o Sargento apresentou o Tico, o Delegado desandou a gargalhar:
-          Cara! O maluco vai despedaçar este coisinha aí.
Tico, fez que não entendeu, e perguntou ao comandante do socorro qual era a situação.
Ele explicou que o demente estava em um cubículo com outros quatro detentos da delegacia e, não se sabe como, teve acesso a uma garrafa de refrigerante que ele quebrou e feriu levemente um guarda penitenciário que por pouco conseguiu escapar. No entanto, os outros detentos não tiveram a mesma sorte um já parecia estar morto e os outros muito cortados. O problema é que o único modo de chegar a cadeia propriamente dita era um pequeno porão encimado por uma estreita e única escada. O acesso portanto, dava ao doente mental uma vantagem absurda, e seus quase dois metros associados a vida bandida que tivera o transformava, naquela circunstância, em uma máquina mortífera.
Um sonífero, Deus! Daria tudo para dormir.Não é melhor morrer... é morrer de amor! O que quero é morrer de amor! DROGA QUEM É ESTE MERDA DESTE JOÃO?
- Não tem ninguém aqui no apartamento. Bosta, calem a boca!
Mas tem eu, é euzinha, mas para que serve uma mulher deixada no altar! Deus! Minhas amigas vão rir de mim, todas aquelas piranhas - Ah, quem se importa? - eu é euzinha, eu me importo. Mas quando eu morrer não vai sobrar ninguém para chorar. Talvez, é talvez a Clotilde chore. Ela sim é amiga. Só ela.
-            Antes de entrar lá preciso saber se alguém conhece o doente, disse Tico.
-            A irmã dele está aqui. Respondeu o Sub, abrindo espaço para a moça poder conversar com o Tico.
-          Dona, qual é o nome de guerra dele?
-          Como assim?  Indagou Diana, o nome dele é João Carlos.
-            Moça, não se faça de desentendida, é claro que ele é travesti, e nenhum travesti gosta de ser chamado por nome de homem.
-            Não sei de nada disso.
-            Estamos perdendo tempo, disse impacientemente, você quer que seu irmão saia vivo dessa ou não?
-            Luana, respondeu abaixando os olhos de vergonha.
-            Em qual ponto ele trabalha?
-            Tiradentes.
-            Quem é a melhor amiga?
-            Clotilde.
-            Obrigado, moça.
Tico foi andando para a cela e no caminho combinou com Marão o que fazer, e pediu para o amigo agir rápido se a idéia não colasse.
Quando começou a descer as escadas perguntou:
-          Quem está aí?
Cacete será quem nem morrer em paz eu posso?
-          Não vem aqui senão me mato.
-          Luana é você?
-          Quem é que quer falar comigo?
-            Se voltando para a guarnição Tico gritou:
-            Pessoal, pode desarmar o circo é a Luana que tá aqui minha amiga.
-          Eu te conheço?
-            Para com isso Luana... da Tiradentes... sou o Tico o seu chapa! – disse macio pelos olhos sinceros.
-          Não te conheço bombeiro se chegar perto morre!
-            Tá maluca, Luana? Não é possível que você não lembre de mim, foi a Clotilde que me pediu para conversar contigo!
-            Ah, Tico por que não falou logo, senta aqui que te faço um café.
-          Não obrigado, mas aceito o guaraná.
Ih! eu acho que o Tico não está muito bem será que ele não percebeu que a garrafa está quebrada?
-          Seu bobo a garrafa tá quebrada.
-           Não tem problema me dá que eu colo.
Será que eu confio nele. Toda vez que eu confio num homem me fodo. Mas ele é tão bonito... um príncipe destes não pode estar mentindo para mim!
-          Tá bom eu deixo você tomar guaraná.
-          Mas, diz aí o qual é o papo furado.
-            Muita coisa meu lindo, aquele pilantra me deixou no altar, como é que pode alguém pode fazer isto a uma mulher?
Não vou chorar. Ah! Não posso chorar de novo, minha maquiagem já está toda borrada. O que esse pão vai pensar de mim?  
-            Não pode, respondeu Tico, ninguém pode fazer isto a uma mulher.
-          Tico, você me deixaria na porta da igreja?
-          Claro que não meu amor, sempre gostei de você
Sua oferecida, você não vai fazer isto! Mas ele é tão lindo! Parece um artista!
Tá dando certo, mas cacete o pessoal vai me sacanear o resto da vida! Bem pelo menos é melhor que sair daqui que nem aquele cara ali no  chão!
-          Quer saber do que mais! Eu caso contigo hoje mesmo!
Não acredito, encontrei alguém para me amar, será que ele é sincero ou só que se aproveitar, será que ele acha que este apartamento é meu mesmo?
-          Você tem certeza?
Tico, se ajoelhou, pegou as mãos ensangüentadas e disse:
-          Para todo o sempre!
Sua boba, não vê que ele só quer se aproveitar!
Um batimento cardíaco interminável quase chegou até a boca do Tico - tô fudido, não colou, porra o que eu estou fazendo aqui de joelhos, uma porrada e ele acaba comigo. Agora não tem mais jeito, vou apostar todas as fichas.
-          Eu sempre te amei, você que não quer saber de mim.
Ah, vou desmaiar esse Deus Grego me ama!
-          É claro que eu caso. 
Saíram de braços dados, diante do queixo caído do delegado, e o sorriso disfarçado do Tenente. O caminho até o Pinel foi tranqüilo, e Tico sequer deixou que o recruta amarrasse as mãos do traveco.
Na porta do manicômio João Carlos tirou a gilete escondida sob a língua e disse para o Tico:
-            Está aqui a nossa aliança, você foi leal e merece tudo de bom.
Tico teve que suportar uma gozação mais pesada que da noite anterior, mas no íntimo ele sabia que tinha dado a outro ser humano algo valioso: outra chance.
Que gente feia veio ao meu casamento! Não importa o meu príncipe já vai chegar, ele não demora. 

sábado, 18 de agosto de 2012

sexta-feira, 17 de agosto de 2012


LÁGRIMAS NO PARAÍSO

“Você saberia o meu nome se me visse no paraíso?” Pergunta Eric Clepton ao seu filho que se foi, a quem ele pede forças para suportar a perda.
Na época da música eu lecionava inglês em uma escola e física na outra, logo após assistir a reportagem sobre o acontecido utilizei a bela balada nas duas aulas do dia seguinte em diferentes escolas.
Na aula de inglês discuti a construção usando o condicional. A palavra se, é o que motiva a maioria dos textos que tentam redimir de nossas culpas: se o Toninho Cerezo não tivesse passado aquela bola gratuita para o Paolo Rossi, se o capacete do Senna fosse um pouco mais resistente, se mais pessoas compreendessem Ghandi... E finalmente se eu tivesse outra chance!
A de física esbarrava no conceito de velocidade e algo que sempre procurei discutir com meus alunos: estamos muito preparados para associar risco à altura em que estamos, mas nem sempre à velocidade. Penso que tal fato ocorre devido a anos de evolução, pois não somos animais muito velozes, e a queda era um dos maiores riscos que sofriam os nossos ancestrais.
Perguntei aos alunos se haveria realmente necessidade de usar o capacete para andar de moto a 36km/h, a resposta foi unanimemente negativa, então perguntei: “E se eu jogasse um de vocês do 2º andar?”, o coro de: “Que pavor professor!” não foi menos unânime. Mas basta fazer as contas para saber que e a velocidade ao chegar no chão ao cair de 5 metros é justo 36 km/h.
Todas estas discussões passam ao largo do básico: estamos tão alucinados para produzir, correr e enriquecer, que acabamos esquecendo que devemos despender uma boa energia para agir com segurança.
O drama humano não é menos importante: lembro que ao ver a foto, do filho do famoso guitarrista, fui acertado em cheio pela semelhança que o menino tinha na época com o meu sobrinho. E o óbvio fato de que nenhum pai merece ver a partida de sua prole deste modo.
Por isso e mais um pouco apelo ao seu bom senso, da próxima vez em que você quiser saber o preço de um equipamento que pode proteger a si mesmo ou a sua família, não pergunte a lojistas ou especialistas. Pergunte a uma das maiores lendas do rock quanto ele daria por uma rede na janela do 10º andar.

domingo, 12 de agosto de 2012


O UNIVERSO EM UMA CASCA DE NÓS

“Oh Mar salgado,
Quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal?”
Fernando Pessoa

As caravelas podem parecer imponentes nas velhas pinturas e nos livros texto das aulas de história. Pasmem! Elas não chegavam ao tamanho das cantareiras que fazem a travessia Rio Niterói.
E isto explica o porquê de na época o oceano Atlântico se chamar Mar Tenebroso. Assim como outros acidentes (nunca uma palavra foi tão bem escolhida!) geográficos de Cabo das Tormentas e Cabo do Medo, entre outros nomes inspirados pelos apavorados marinheiros.
Então, quando os portugueses cantam em verso e prosa o nome de Vasco da Gama eles tinham os seus motivos.
Os riscos que estes navegantes corriam na época fariam que outros de outros tempos ficassem realmente assustados. Em um extremo ponho Ulysses que na busca por Ítaca navegava no Mediterrâneo (comparado ao Atlântico e Índico é fichinha) e, no outro ponho os que primeiro pisaram na lua (o que meu cunhado contesta veementemente – pois a filmagem teria sido feita em algum lugar do Atacama) tinham uma tecnologia relativamente segura para ir onde nenhum homem jamais esteve. Afirmo, sem medo de errar, que comparado aos dois casos a aventura dos nossos colonizadores foi de uma audácia muito maior.
Uma consequência lógica disto seria o que ocorreu durante este processo: em Lisboa foi edificada a melhor escola de navegação da época. Fazendo com que os caras, que já eram bons, se tornassem excelentes no que faziam.
E tudo isto para conseguir coisas como canela, pimenta do reino e cravo da índia, que hoje podemos comprar baratinho no mercado...
Então, por que eles iam tão longe, destruíam tantos barcos, permitiam que tanta gente morresse tentando?
Sei que muitas pessoas me responderiam com uma lógica insofismável que a margem de lucro compensava tudo isto: pois quando um barco voltava inteiro, a sua carga valia o suficiente para fazer vinte outros, e ainda sobrava o bastante para toda a tripulação.
Esta resposta não me convence, pois quando se trata de por o pescoço à prêmio deve haver uma motivação intrínseca. As pessoas se tornam o que são por viverem o extremo de si mesmos. E quem foge disto vai ser um eterno frustrado, o tipo de pessoa que poderia ser isto ou poderia ser aquilo, e conta tudinho que não foi em mesas de bares da vida.
Afinal, como determinou Hawking vivemos em um universo que flutua em uma casca de nós. Percebo, então, que no fim do dia isto nos leva a condição de navegantes de nós mesmos.
Quando me pergunto se isto tudo vale a pena percebo que é hora de re-ler a poesia de Fernando Pessoa que citei logo no começo.





SACOLAS DE PLÁSTICO E BARCOS DE JUNCO

Uma sacola de plástico, um som estridente e alguém disposto a agir tudo isto acompanhado por um cinegrafista amador. Elementos de um drama incomum. Logo emerge um bebê cuidadosamente vestido.
Ouvi comentários entre amigos: “deviam dar uma surra numa mãe destas!”; “basta deixar na penitenciária as outras presas fariam o serviço”; “com tanta facilidade hoje em dia...”.
Penso que até poderia ter uma opinião sobre o assunto, até por que me apavoro com a perspectiva de imaginar que minha filha também pode jogar a adolescência dela fora em troca de uma gravidez inesperada.
Mas vou evitar estes temas, até por que me decidi a não fazer criticas diretas a uma pessoa, no máximo pretendo (sem pretensões) discutir valores. Afinal este é um espaço público. E um dos aprendizados que tive na vida da caserna é de elogiar em público e criticar olho no olho. As pessoas merecem este respeito.
Se me permitem falar metaforicamente devo declarar que nunca me esqueci dos riscos que podem trazer os baobás, em especial para os meninos que vivem em pequenos planetas, desde que li O Pequeno Príncipe.
Só uma metáfora pode ter este efeito: os perigos que nascem pequenos e podem se alastrar nos remetem a problemas de saúde, como a hipertensão; a desertificação que acaba com solo; ou a hipocrisia nas relações (que não deixa pedra sobre pedra).
Porém as metáforas também nos remetem a outras leituras de um mesmo fato. Decidi esquecer da personagem oculta da história preferindo pensar que ela sofria de depressão pós-parto, ou algo que o valha. E me concentrei na menina (pelo menos acho que era pelas roupas que usava). E vi nela a reedição de tantos heróis.
Nas mitologias o bebê seria posto em um barquinho de junco, e não em uma sacola plástica, mas a semelhança das situações é imediata. Assim foram encontrados Moisés, Rômulo e seu irmão gêmeo sem contar Édipo (só que este ao sol escaldante – o que mais adiante poderia representar que lhe faltava algo). No fim das contas todos eles se tornaram verdadeiros ícones, de um modo ou outro.
Ser posto nas águas significa renascer, elas normalmente representam no inconsciente a força que move os corações humanos. Um caminho que cada um de nós deve trilhar para desenvolver plenamente o nosso potencial. Afinal todos nós (até mesmo o Jesus) fomos um dia crianças indefesas necessitadas de cuidado e afeto.
Antes de perguntar que será desta menina, fico com a sensação de que as histórias dos heróis não são assim tão absurdas. Afinal um trecho relevante acabou de ser reeditado. Por isso talvez a resposta seja que a vida dela será de algum modo extraordinária, pois toda vida é assim.

sábado, 11 de agosto de 2012


LABIRINTO

Era uma vez um grande arquiteto que vivia no continente. Um dia ele foi atraído a trabalhar em uma ilha onde um rei (na verdade uma rainha, pois Creta cultuava o Sagrado Feminino, do qual tanto se fala no Código da Vinci), lhe ofereceu um grande prêmio para fazer um novo palácio.
E lá foi ele sonhando com toda a riqueza que o rei (?), Minos, poderia lhe dar, levou o último membro de sua família um garoto sonhador chamado Ícaro.
Muito ia se falar deste menino, ele representa o sonho sem fronteiras, a juventude eterna, afinal para que envelhecer? Vivemos hoje em dia em uma sociedade que despreza e desrespeita os velhos, a sociedade do corpo, da escultura perfeita, da lipoaspiração, do silicone, da tintura para cabelos, da artificialidade que simula a juventude perdida. Somos assim o James Dean que temeu morrer, ou o Peter Pan, que se recusa a viver.
Só que Dédalo, este era o nome do arquiteto, percebeu tarde demais que a sua bela construção era uma armadilha inescapável, o seu engenho era sua ruína, o palácio riquíssimo a chegada de sua morte. Uma vez que nele Minos havia encerrado um monstro com cabeça de touro e corpo humano.
Este é o maior risco para quem se despede da infância, se transformar em um monstro que não acredita: alguém que nada faz por não valer a pena, que se esconde nas sombras do “deixa para lá, não adianta tentar mesmo”. Para que ir a igreja se não há salvação? Para que reciclar se o mundo vai acabar mesmo? Para que limpar se alguém vai sujar? Aí quando vemos o monstro da hipocrisia e da imobilidade já nos tomou.
Mas, Dédalo tem a solução: asas de penas branquinhas como as de um anjo e cera de abelha, para si mesmo e para o incauto filho, que vai perto demais do carro de Apolo, e que o sol derreta a cera até o fim.
Vi uma vez a estátua de dois homens alados: um jovem morto, pranteado pelo pai.
Chegar aos quarenta é isto mesmo, somos ao mesmo tempo os três personagens, o jovem que morre para dar lugar ao Minotauro, ou a um homem maduro, que teve a coragem de se manter acreditando diante de todas as suas perdas. O que seremos no fim da história depende de nossas escolhas.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012


JOSÉ ALVEZ

Meus olhos atentos não entendem
A mágica
Da mão lenta e bailarina
Que sempre rouba a cena
Quando acena para um agudo
Ou retoca a harmonia
Dos momentos de luz e som
Que você me ensinou a chamar de música

As minhas não podem tanto
Portanto quando vejo você
Em seu ato final
Aprisionando sem dó o último si
Entre os seus dedos
Os meus se chocam
Desordenados
Frenéticos
A saudar o que você faz.

CASCAS E OVOS

Conter o disforme
Conforme a fôrma
Do conformismo
É tarefa das mais duras...
Dura e quebradiça.

sábado, 4 de agosto de 2012



A GAIOLA

Andava distraído
Quando ao acaso o vi
Porém, ou melhor
Melhor ou talvez
Esta não seja a descrição correta...
Ele me viu
Assustado, parou.
Encantado fiquei.

Éramos duas estátuas:
O pássaro por sua sobrevivência
E eu não sei o porquê
Beleza
Espiritualidade
Ou ainda o simples e inesperado.

O fato é que aprisionei um joão-de-barro com o olhar
Por um minuto inacabável
Um instante eterno nesta vida full gas.

E isto quase me faz entender
Os atos insanos das pessoas
Que querem pôr molduras no intocável
Ou letras no livro da vida.

Não sei bem
O que o momento significou:
O arcanjo não era meu
Mas fez parte de mim
Não havia grades
Mas nos prendemos.

No espaço e no tempo
Nada mais que um pedacinho de vida.

FEITICEIRAS

“Não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem...”

O poder das mulheres sempre foi encarado de uma forma um tanto diagonal (se é que isto explica algo, mas no fundo é exatamente o que quero dizer e, te peço perdão por ser formalmente incompreensível). Dois exemplos disto estão em fatos com os quais esbarrei neste final de semana: ter visto a feiticeira (um vídeo maravilhoso) e no jornal a notícia de que estão pensando em cotas para homens nas universidades.
Há um pavor masculino diante de mulheres poderosas, e a bruxa encarna justo este arquétipo. Para sobreviver a este pavor devemos colorir a nefasta figura de roxo ou preto, colocar nela verrugas horrorosas e um nariz de proporções fálicas. Assim está resolvido o nosso problema: a encaixamos no cantinho mais escuro do nosso cérebro junto com morcegos e lobisomens emaranhados em uma série de teias de aranha.
Assim não precisamos disputar postos de trabalho ou vagas nas universidades com elas.
Mas o que fazer da Morgana, das Brumas de Avalon; ou da Samantha que povoava nossas TVs em preto e branco? Afinal, o que faremos ao admitir que estas bruxas não merecem as fogueiras onde já jogamos tantas outras?
Isto sem contar que o papel de Endora caiu nas mãos de ninguém menos do que Shirley MacLaine, que encarna como ninguém o papel de bruxa (se você ainda não sabia disto leia um dos livros dela com urgência!).
Bruxas que tomam de assalto o poder masculino estão cada vez mais comuns, elas nos encantam, com um charme irresistível, tem respostas sábias para questões insondáveis e mostram um caminho colorido nos desertos do coração.
O que explica isto muito bem é o título original da série, e do filme bem mais recente, que seria melhor traduzido por encantado, palavra que por sinal o pai dela utiliza em francês ao se apresentar a uma mulher.
E é exatamente isto que elas fazem conosco: elas nos encantam quando assumem os papeis de trabalhadoras, universitárias, mães, filhas, irmãs, amigas, esposas...
Está na hora de depor as armas e reconhecer a superioridade delas, afinal Deus fez Adão primeiro o que prova que o protótipo sempre precede o produto final e melhor acabado.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012


ALMA GÊMEA

Platão disse em O Banquete que havia seres que eram extremamente felizes e completos, vivendo em total alegria e prontos para alcançar todas as metas possíveis, pois seu potencial era ilimitado. Um dia os Deuses do Olimpo perceberam que seres seriam capazes de um dia desafiá-los. Então por precaução eles foram divididos, e suas partes vivem no mundo a vagar em busca de sua metade perdida.
Há também a história da metade da laranja, que acredito, todos já conhecem; e que na voz de Fábio Junior anunciava o início da novela das seis. Tive a impressão de que o mundo parava para ver as desventuras de Serena e companhia e, o que mais me agradava na trama era a linguagem inocente e doce, fato raro na televisão atual.
Esperei que a novela terminasse para que a referência elogiosa não fosse confundida com publicidade, não sei sequer se concordo completamente com a visão religiosa do autor, mas algo me faz escrever sobre isto: existe com certeza uma força que organiza o universo, não a compreendo totalmente, e nem me proponho a isto, talvez este seja um assunto mais apropriado para o colunista que fica aí ao meu lado. E este tema foi discutido durante a novela.
O mais importante é que ela dava uma chance de juntar minha esposa e filhos para ver um só programa. Assumo também que quando vou a locadora tenho preferido os títulos infantis à muitos filmes adultos, onde só se vêem massacres.
Acredito que a violência na ficção deveria ser um recurso utilizado quando fosse realmente relevante. Sem suicídio de Romeu e Julieta a história cairia em um lugar comum. Sem mostrar o massacre de milhares de indianos o filme Ghandi seria uma falácia. Perceba aí que não estou propondo a alienação burra ao mundo em que vivemos.
Por outro lado o sonho, a ficção doce sumiu de nossas vidas como algo que devemos jogar fora junto com todo material não reciclável que acharmos.
Prefiro ainda ter espaço para os amores como do Cozinheiro e da Vespa e de tantas outras personagens que deram algumas alegrias neste mundo fugaz.
O que mais posso dizer além de: Batam palmas e pés crianças do mundo inteiro, Sininho precisa disto para sobreviver. Mas de qualquer forma, se você não pode assumir que ainda é criança, pelo menos leia Peter Pan para uma esta noite... as fadas agradecem.